Contratos

Terminou o banho e foi se arrumar. Vestiu seu vestido preto de seda mais bonito que tinha, ele valorizava as curvas do seu corpo e realçava o louro de seus cabelos. Não demorou muito para se arrumar sabia quem vinha visitá-la e sabia o porquê da visita. Sabia exatamente o que devia vestir, qual maquiagem usar, ou mesmo qual perfume. Ela era uma mulher irresistível e sabia disso, então, as vestimentas somente serviam para realçar sua beleza natural.

Terminou de arrumar. Foi para a sala. Esperou. Acendeu um cigarro e preparou uma taça de vinho para ajudar a matar o tempo. Olhou pra o relógio da sala, é impressionante como o tempo passa rápido e o fim tão iminente, se há alguns anos atrás soubesse disso, tivesse consciência da efemeridade do tempo, não perderia sua vida com questões tão tolas.

A taça de vinho estava suja com seu batom. O filtro do cigarro também. Ela percebe que a temperatura do ambiente estava baixando, seus pêlos começavam a arrepiar e os bicos de seus seios enrijecerem. Ela passa a língua sobre os lábios. Reflete. Estava chegando a hora, o que ela deveria dizer em sua defesa?

A porta da sala logo atrás do sofá se abre lentamente. Ela escuta passos leves, mas ela não olha para a porta. Ela sabe que não é quem ela espera. É somente seu gato negro dos olhos mais intensos e perturbadores do que a verdade que chega. O gato chega perto dela e a olha parecendo desaprovar o que está para acontecer, mas como ele pode saber o que é certo ou errado? Ele começa a se enroscar em suas pernas, parecendo que pede atenção. De repente ele para, olha ao redor, solta um gemido e se vai, quase tão imperceptível quanto chegou.

Ela escuta passos de sapatos caminhando devagar rumo a sua direção. Seu coração começa a palpitar mais forte, apesar de conhecer muito bem quem está chegando, ela ainda não se acostumou a senti-lo chegar.

“Então você veio, como disse que viria, pessoalmente.”

“Como poderia não vir. Esse momento é tão especial para você quanto pra mim. Faz muito tempo.”

“Não o suficiente!”

“Não faça como eles, não seja ingrata. Conhece muito bem as regras.”

´”È verdade.” Ela sorri.

“Você esta pronta?”

“Como posso estar? Eu sei o que me espera.” Ela se levanta. Olha nos olhos penetrantes do homem que estava a sua frente, vestido um terno tão negro que o confundia com as sombras do apartamento. Era um terno impecável, assim como o homem, que parecia tão lindo quanto à imagem que ela tinha de um anjo.

“È uma longa viagem. Você sabe.”

“Você tem todo o tempo do mundo. Eu que já não tenho mais nada.”

“Nada é a única coisa que todos temos não se preocupe.”

“Onde esta seu chefe?”

“Você sabe. Ele não é meu chefe. Sou apenas um facilitador.”

“Diga o que quiser. Ela o paga, logo você é um empregado.”

“Com sua experiência você deveria saber que as coisas não são assim tão simples.”

“Ainda não acabei o que vim fazer aqui. Não posso ir.”

“Vocês nunca estão prontos. São sempre inacabados. Acha que dispõe de todo tempo para gastar com inutilidades.”

“Inutilidades, meu amigo, é tudo que temos. Tenho uma proposta para fazer. Eu darei a ele o que ele quer.”

O homem sorri. “Por que ele compraria uma coisa que já tem?”

“Por que assim serei sua serva, não sua hospede. Não é assim que ele quer que seja?”

“Hospede ou escrava. Ele já a tem. Não há mais nada que possa oferecer... A não ser que ofereça algo que ele não tem. Algo que ele não possui ainda.”

“O que esta pensando?”

“Um novo acordo. Um novo desafio.” O homem tira do bolso um pedaço de papel e entrega a ela. Ela o lê.

“O que isso quer dizer?”

“Traga-o para nós e, em troca, conseguirá todo o tempo de que precisa para termina o que ainda está fazendo.”

“Mas...”

“Sim. Uma em troca de outra, para que se restaure o equilíbrio. Poderá ficar aqui quando tempo quiser não a incomodarei mais, até que me chame de novo.” O homem sorri com o canto da boca, ele sabe o que envolve essa escolha, é como cair em um abismo sem fim. Ele sabe que se ela aceitar ele a verá novamente mais rápido do que ela pensa.

“Eu não posso. Não poderia ir para lugar nenhum mais depois de fazer isso.”

“E você acha que tem alguma outra opção.”

Uma lagrima cai de seu rosto, ela sabe que o que vai fazer é repugnante até para pessoas como ela.

“Vocês são desprezíveis.”

“Todos nós somos”

“Eu... Faço...”

“Não fique assim criança, as coisas poderiam ser piores.” Ele sorri mais uma vez e se dirige em direção a porta.

“Use o tempo que precisar, mas não demore quanto antes conseguir, mais cedo estará livre. Não tente nada. Ele não é onipotente, mas esta em muitos lugares.” A voz do homem some na medida em que sua silhueta desaparece confundindo-se com a escuridão da outra sala.

“Sim. Estarei livre. Livre e solitária.” Pensa ela em prantos.

Aguardo seu comentário. Não apenas sobre como esse texto está escrito, isso também é muito importante e ajuda-me a sempre melhorar minhas letras. Mas, o que realmente me interessa é a relação entre o texto, como obra viva e independente, e você, leitor. A que ele o remete, como, por que? Essa é a beleza de um texto: um sentimento meu cristalizado, conecta-se a um sentimento seu e, assim, torna-se um sentimento universal.

Obrigado.

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