Zona Morta Santo André - Cap. 10 - Pintura Vermelho-Sangue

[...]

Mãe: - Não, não podemos fazer isso, é arriscado demais...

Pai: - É mais arriscado continuar aqui sem certeza de...

Mãe: - Mesmo assim, tem quatro crianças que poderiam perder a vida...

Lucas: - PERAÍ ! quatro crianças aonde? Até onde eu sei só tem uma...

Mãe: - Vocês todos são menores de idade !

Lucas: - Mas não crianças, caramba !!

Teresa: - TÁ, JÁ CHEGA DESSA DISCUSSÃO SEM SENTIDO! NÂO VAMOS CHEGAR A LUGAR NENHUM DESSE JEITO !

Pai: - Ok, ela tá certa. O objetivo não é esse. Que tal fazermos uma votação?Assim cada um dá o seu ponto de vista.

Mãe: - Tudo bem, mas as crianças não...

Lucas: - CRIANÇA NÃO! A GENTE JÁ TEM CAPACIDADE DE ESCOLHER O QUE QUER !

Mãe: - NÃO NESSA SITUAÇÃO! E NÃO FALE ASSIM COMIGO!

Pai: - Dani, é melhor deixar eles votarem...

Mãe: - Mas eles vão...

Pai: - São adolescentes, já podem fazer escolhas por si próprios.

Mãe: - Tá, então, se é assim que vocês querem, assim façam!

Pai: - Certo então. No sentido horário, cada um dá a sua opinião. Me passa esse bloquinho e essa caneta, filha. Você começa querida.

Mãe: - Vocês já sabem a minha opinião, acho perigoso demais sairmos assim.

Pai: - Certo. Então, um contra. Teresa, você.

Teresa: - Ah bem, não sei, também acho perigoso sair, mas não poderemos ficar aqui para sempre. Mas, sou contra.

Pai: - Ok, dois contra. O pequeno aí.

Teresa: - Acho melhor ele não votar.

Vinicius: - Eu quero ficar aqui.

Pai: - Bom, ele deu a opinião dele. Três contra. Camila.

Camila: - Não quero parecer ingrata, pelo contrário, agradeço por terem deixado a gente ficar aqui, mas acho que me sentiria mais segura num abrigo do exército.

Pai: - Então temos uma a favor. Filha, sua vez.

Bruna: - Eu prefiro ficar.

Pai: - Então são quatro contra e um a favor de sair. Filho.

Lucas: - Eu já disse, é melhor procurarmos o abrigo antes que a comida acabe ou antes que aconteça o mesmo que aconteceu na casa deles.

Pai: - Quatro contra e dois a favor. Renan.

Renan: - Eu penso igual a Camila e o Lucas, melhor sairmos antes que seja tarde.

Pai: - E eu também sou a favor de irmos pro abrigo, então fica... hmmmm... Quatro a favor e quatro contra. Empate.

Lucas: - Ah, que ótimo! Voltamos à estaca zero. E agora ?

Pai: - Agora.... é, não sei.

Bruna: - Hã, tirem cara ou coroa pra decidir então...

Pai: - É, acho que vai ter que ser isso mesmo.

Bruna: - PAI ! Eu tava sendo irônica !

Pai: - Eu sei, mas parece que é o único jeito de resolver isso...

Teresa: - Mas, peraí, o quê ?! Vai decidir na sorte a vida de oito pessoas !?

Mãe: - Sendo que quatro são crianças! Você tá louco querido?!

Lucas: - MÃE !

Pai: - Não, mas...

Camila: - Ahh não, vai começar de novo não! Eu mudo de opinião! Pronto!

Renan: - Camila!

Camila: - Ah não, pensei melhor, sair seria perigoso demais, vamos ficar aqui mesmo...é... pelo menos mais um dia.

Teresa: - Ótimo!

Pai: - Hã... é... então... agora são cinco querendo ficar contra três querendo sair... Certo, vocês ganharam...

Lucas: - É, realmente ótimo! Então vamos ficar aqui sentados esperando aqueles demônios lá fora invadirem a nossa casa como fizeram com a sua!

Bruna: - Ihhhh! Lá vai o estressadinho!

E saio bruscamente, subindo as escadas para o meu quarto e deixando os outros continuarem a discussão. Será que eles não vêem que ficar aqui é perigoso? Não percebem que é só questão de tempo até que os infectados consigam nos achar ? Não, acho que eles não percebem. Preferem continuar sentados esperando, atrás de um portão que lhes dá segurança. Segurança falsa, pura ilusão; o portão não é tão resistente assim, e mesmo que fosse, sempre existe a chance de que os infectados o escalem. A porta da sala é pesada, mas de que adianta, se a fechadura é fraca ? Até a Bruna poderia arrombar! A comida vai acabar em metade do tempo previsto, e isso é algo para se pensar. Talvez haja alguma notícia nova na internet. Ligo o computador e tento conectar, coisa que se tornou um pouco difícil depois que tudo aconteceu, mas se eu der sorte...

"ERRO6374 nenhuma porta encontrada - Verifique a sua conexão de rede e as configurações de DNS."

- Legal ! Nem internet funciona agora!

Tento diversas vezes, sem resultado. Ficar sem uma fonte de informação nessas horas é complicado. Tem a TV ainda, mas fica só repetindo e repetindo a lista de abrigos. Bom, não só a lista, mas diversas fotos e vídeos amadores. Pra que diabos eu quero ficar vendo mais imagens da desgraça? Já basta o que eu passei na volta do colégio! Como será que os meus amigos estão? Bem? Ou... ? Não, melhor parar de pensar nisso, temos problemas aqui e ninguém tá mexendo um dedo pra resolvê-los. Talvez eu possa fazer algo.... mas o que ?

Abro o meu armário, pego a mochila da escola e tiro todo o material. Volto para o armário e fico olhando, pensando:"O que eu posso separar que ajudaria numa fuga rápida?". Bato o olho em um canivete meio antigo, que era do meu pai. Ele o deu pra mim uma vez que fomos à praia, pra que eu ficasse tirando mariscos das rochas. Pode ser útil. Vai pra dentro da mochila. Lembro que tenho uma lanterna de acampamento que ilumina bastante, só preciso procurar. Me abaixo perto da cama e olho embaixo dela; pego a caixa que está mais próxima. Tem diversas tranqueiras, lembranças. Começo a mexer nessas coisas e a relembrar bons momentos. A camiseta da formatura da oitava série, com assinaturas de toda a sala, de gente que eu não vejo faz tempo, ainda está com o cheiro de álcool da caneta... Continuo a mexer na caixa, mas a lanterna não estava ali.

- Que saco!

Eu realmente não estou com vontade de fazer isso agora. Que tédio é ficar sem internet e sem mais nada pra fazer. Deito na cama... e acabo dormindo.

[...]

Acordo com alguém chamando o meu nome e batendo na porta. Respondo, meio "grogue". Sempre fico assim quando durmo de tarde.

- Que é ?!

- A mãe tá te chamando lá embaixo.

- Pra que?!

- Sei lá!

Olho no relógio. 18:25. Caramba! Dormi demais! Desço pra ver o que a minha mãe quer de mim.

- Que foi mãe?

- Onde tá aquele pote de vidro grande que você usou no seu trabalho?

- Ah, aquilo?! Deve tá no meu quarto...

- Pega ele pra mim.

-Tá.

Subo de volta pro quarto pra pegar o pote de vidro da minha mãe, que eu tinha usado pra fazer um trabalho de História da Arte. Mas onde que ele tava mesmo? Ah sim, embaixo da cama. Pego ele e desço.

- Brigado, filho.

- Nada. Oww mãe, cadê o pai?

- Tá lá embaixo arrumando umas coisas pra pôr no portão. Agora será que dá pra você chamar a sua irmã pra me ajudar?

- Aham

Subo mais uma vez, pra chamar a Bruna. Chego na porta do quarto dela e falo:

- BRUNA! A mãe tá te chamando!

- Pra quê ?!

- Desce que você descobre!

- Fala que eu já vo!

- Eu não...

De repente ouvimos uma freiada brusca e buzinas. Corremos pra varanda do quarto dos meus pais. Lá embaixo, um carro prata parado na casa vizinha buzinando insistentemente. Alguns infectados estavam chegando, quando duas pessoas cheias de malas e sacolas saem da casa e entram no carro, mas uma delas acaba sendo agarrada por um doente, enquanto outros chegavam perto. Então meu pai e o Renan aparecem no nosso portão e começam a gritar com o motorista, falam pra ele ir embora. Sem saber direito o que fazer, ele tenta manobrar, mas já haviam muitos doentes cercando o carro. Quando um deles consegue pôr o braço pra dentro, o motorista acelera demais e *CRASH*. Ele bate com tudo no nosso portão, que acaba caindo sobre o transformador de energia da casa. As luzes se apagam. As garotas gritam, antes de saírem correndo. Eu vou atrás delas, descendo as escadas. Minha mãe, a dona Teresa e o filho menor estavam na cozinha, sem saber o que estava acontecendo. Lá fora, mais uma vez a gritaria. Meu pai e Renan entram correndo e tentam bloquear a porta. Empurram o sofá de qualquer jeito, mas a massa de doentes lá fora consegue abrir a porta. Antes de vê-los entrando, começamos a correr. Vejo meu pai passar reto pela escada e sumir no escuro da cozinha, enquanto eu vou pro andar de cima. Onde estão os outros? Assim que piso no último degrau da escada, alguém tromba comigo e vamos os dois para o chão.

- PRO BANHEIRO!! VAI ! - ela grita pra mim. Mas no momento em que nos levantamos, um deles surge na nossa frente, interrompendo a nossa passagem para o banheiro.

- SAI DA FRENTEEE!! - Outra pessoa grita. Pela voz, reconheço que é a minha mãe. Na penumbra, vejo ela passar correndo com um objeto grande nas mãos. Ela acerta o doente, que cai de volta na escada, impedindo a passagem dos outros, por enquanto. Corremos na direção do banheiro, quando ouvimos:

- MANHÊÊÊ!

Paramos bruscamente.

- O VINI FICOU PRA TRÁS!!!

- EU PEGO ELE! - e volto correndo, pra onde ouvi a voz dele. - CADÊ VOCÊ MOLEQUE?

- AQUII !

No quarto dos meus pais. Entro, mas mal dá pra enxergar. Só a luz que vem da rua ilumina o quarto. Eu o encontro, e saímos. No corredor, percebemos um movimento maior que antes. Os doentes agora tinham subido a escada. Eles nos percebem, e vêm na nossa direção. Entramos agora no meu quarto. Tranco a porta, mas eles ficam batendo com força nela. O garoto senta na cama, apavorado. Eu tento pensar no que fazer. A minha mochila ainda estava jogada no chão. Pego o canivete que estava nela e ponho no bolso da bermuda.

-A janela!

Abro a janela e olho pra baixo. São uns bons três/quatro metros até embaixo. Bom, melhor que ser comido vivo. Os doentes batem cada vez mais forte.

- Escuta! A gente vai fugir daqui... - Falo pro Vinícius. - Tem um jeito, mas pode ser perigoso.

- Aham...

- A gente vai descer pela janela, tem uma calha do lado que dá pra segurar...

- Tá.

- Você vai primeiro, que eu vo te ajudando a segurar, tá bom? - Ele acena que sim com a cabeça.

- Tá... vem. Sobe, segura ali. Não, não, não! Cuidado! Dá pra descer? Tá, fica aí no quintal, que eu to indo. NÃO! Não entra na casa! Me espera! - Enquanto isso ouvimos gritos e barulhos vindo de todo lugar da casa. Não sabemos se os outros tinham conseguido escapar. Na hora que me seguro na calha, a porta é arrombada, e eles entram no quarto. Vêm em direção à janela, que eu consigo fechar. Agora ficam espancando o vidro. Desço com cuidado mas escorrego no metro final. Sorte que não me machuquei. Estamos no corredor externo da casa, que liga a frente direto ao quintal, nos fundos.

- Se esconde aí. - Falo pro Vinicius, que se esconde entre dois vasos de plantas. Pego uma vassoura que estava ali e sigo até a porta da frente.

- Trancada!

Um barulho de vidro sendo quebrado, e um doente cai de cabeça no chão, ao lado do lugar que o Vinicius estava escondido. Assustado, ele grita e sai correndo na direção oposta.

- NÃO! VOLTA AQUI MOLEQUE! - Saio correndo atrás dele, pulo o doente e eis que no quintal há uma cena chocante: sangue espirrado pra todo lado e dois corpos mutilados jogados no chão, que prefiro não saber de quem são. Um doente agarra o garoto. Dou-lhe uma vassourada na testa, e ele recua. Da porta da cozinha surge alguém correndo com uma cadeira na mão. Ele acerta o doente, que cai no chão, pega a cadeira de novo e começa a espancá-lo, fazendo mais sangue ser espirrado.

- VEM COMIGO! - Ele manda, e segue para o corredor.

- TÁ TRANCADA! - Eu aviso, sobre a porta.

- DANE-SE! - E ele dá um belo pontapé na fechadura, destrancando a porta. Mas qual não é a nossa surpresa? A garagem estava cheia de doentes, que se viraram para nós na hora em que aparecemos.

- DROGA! - E imediatamente voltamos pelo mesmo caminho, agora com mais doentes atrás de nós. Entramos na casa pela cozinha, onde havia outro corpo e mais sangue. O cheiro não era dos melhores. Ele fecha a porta da cozinha e empurra a mesa pra ajudar a bloquear. Os doentes estavam no quintal, e possivelmente ainda havia muitos aqui dentro.

- Renan... tá doendo... - Disse o garotinho, chorando, para o irmão.

- O que ?

- Isso! - E ele mostra o braço esquerdo, todo cheio de arranhões.

- Mas o que...

- O louco me arranhou... tá doendo muito! - Ele explica.

- Calma! Logo melhora tá! A gente vai arrumar um médico pra tratar disso!

Os gritos vindos de dentro da casa continuavam, junto com os gemidos dos doentes, que estavam por todo lado, inclusive batendo na porta e no vitrô da cozinha. Não sabemos quem ainda estava vivo. Sei que a Camila e a minha mãe estavam lá em cima e meu pai aqui embaixo, mas não tenho idéia quanto à dona Teresa e a minha irmã.

- A gente precisa achar um jeito de sair daqui, e rápido. Eu vo dá uma olhada ali na frente pra ver se dá pra passar pela garagem. - Diz Renan, indo até o corredor e voltando logo em seguida. - Tem um logo ali na sala, talvez eu consigo matar ele, mas a porta tá aberta, e se tiver mais na garagem, eles vão entrar. - Ele fala pra mim.

- Então o que que a gente faz? - Eu pergunto, já ficando desesperado. (quem não ficaria, numa situação dessas?)

- Não sei... - Ele me responde. Quando de repente um dos doentes no quintal dá um soco no vitrô, quebrando um dos vidros e assustando a gente.

- MALDITO! - Grito, esquecendo por um momento que isso iria atrair pra cá o doente da sala e possivelmente mais alguns.

- Droga! Pega isso e vem! - o Renan diz, dando uma panela pra mim, pegando uma pra ele mesmo e andando na direção da sala. Sem contestar, sigo ele e trago o irmão menor.

- Sobe! E mantém eles afastados com isso! - Ele manda. Faço o que ele diz, e quando estamos no meio da escada ouvimos várias pancadas. Ele então aparece na escada e grita pra continuarmos subindo. Nesse meio tempo, os doentes que já estavam no andar de cima aparecem. Não podemos continuar subindo. Então descemos, e vemos alguns deles entrando pela porta da sala. Viramos e corremos para o banheiro, onde nos trancamos.

- Cercados. - Ele diz. - Estamos cercados, presos, sem chance...

- A janela! Dá pra sair pela janela! Ela dá no corredor do quintal! - Eu falo.

- Não adianta... não tem pra onde correr!

- A gente viu aqueles que tavam na garagem entrarem na sala! E mesmo que ainda tenha alguns lá, dá pra passar correndo!

- Isso é suicídio...

- Mas é a nossa melhor opção.

- Tá... eu vo primeiro, aí você ajuda o Vini e vem atrás.

Então ele abre a janela, dá uma olhada pra se certificar de que não há nenhum doente por perto e começa a sair, com certa dificuldade pois era uma janela estreita.

- Tá, consegui. Agora ajuda ele. - E eu ajudo o irmãozinho dele a sair também.

- Agora vo eu. - Saio com cuidado, pra fazer o mínimo de barulho possível.

- Certo. Agora a gente precisa correr daqui. - Renan diz, quase susurrando. - O portão ficou aberto depois que o carro bateu, foi por ali que os doentes entraram, então dá pra gente sair também. Espera aí que eu vo vê se dá pra passar tranqüilo. - Ele se agacha, chega devagar até a porta do corredor e olha. Em seguida acena pra que eu e o Vinícius chegássemos perto. Ele fala, tão baixo que quase não dá pra ouvir:

- Tem um ali na garagem, mas longe do portão, e eu contei mais uns sete lá na rua. Eles tão espalhados, então dá pra desviar.

- Tudo bem, mas pra onde a gente vai correr ? - Eu pergunto, afinal, de que iria adiantar a gente conseguir fugir da casa mas não ter um lugar pra se esconder depois? E também, desviar de sete doentes pode até ser fácil, mas podemos acabar dando de cara com um pelotão deles na esquina.

- Não sei. Faz o seguinte, eu vo na frente e você me segue, mas tem que ser bem rápido ok ? A gente corre até achar um lugar seguro.

- Por mim, tudo bem, mas e ele ? - Digo, apontando pro Vinicius. - Ele agüenta uma corrida pesada ?

- Vini, dá pra você correr bastante ?

O garotinho responde que sim acenando com a cabeça.

- Tá doendo ainda? - Renan pergunta, sobre o braço todo arranhado do irmão.

- Agora parou... mas tá me dando muita fome...- ele responde, meio rouco.

- Fome?! Hmmm... quando a gente chegar num lugar seguro você vai poder comer, tá bem?

- Tá...

Nessa hora, quando íamos começar a sair devagar e silenciosamente, ouvimos um grunhido rouco e alto. Olhamos para trás. Uma doente que estava no quintal nos viu, e vinha se aproximando rápido, com os braços esticados.

- Droga!

O Renan desce a escada até a garagem e nós o seguimos. Passamos pela parte aberta do portão. Vejo o carro que tinha batido ali, mas sem tempo de perceber maiores detalhes exceto que ele tinha ganhado uma nova pintura vermelho-sangue; externa e interna.

[...]

The Kinslayer
Enviado por The Kinslayer em 16/07/2008
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