Hospedaria 8

A Dança dos Amantes

Fernando trazia uma expressão serena em seu rosto equilibrando-se na balsa, uma vez que fizera questão de permanecer em pé na balsa, mantendo seu olhar fixo na hospedaria. esta aproximava-se lentamente enquanto Fernando lembrava-se do que o levou aquele lugar.

Algumas semanas antes Fernando interpretava “Tristão e Isolda” com suas marionetes nas ruas de Tóquio. A frente de um restaurante quando uma tradicional família japonesa passa por ele, ignorando-o. Todavia sua concentração é quebrada pela presença da filha do casal, esta sim repara em sua apresentação.

Quase uma hora depois o amantes Tristão e Isolda encontram-se escondidos sob uma ponte para uma noite de amor. Um CD ecoava a triste melodia, esta servia como pano de fundo, enquanto Fernando reproduzia os movimentos com suas marionetes.

Minako: Muito bonito.

Sua concentração é quebrada ao ponto de quase destruir sua apresentação. Fernando olha para o lado reconhecendo a filha do casal, esta sorri cordialmente.

Minako: Você é um artista!

Fernando: Obrigado.

Minako: Sou Minako, muito prazer.

Neste momento os pais da garota saem do restaurante. O pai critica sua filha por atrapalhar o trabalho de Fernando em seguida ele desculpa-se com o titereiro entregando algumas notas dobradas para ele. Os três vão embora.

Fernando: Fernando... meu nome é Fernando.

Porém Minako não estava mais lá.

A noite Fernando chega atrasado a um bufê, onde seu amigo estava irritado.

Amigo: Está atrasado.

Fernando: Desculpe.

Amigo: Eu o contratei para ajuda-lo, o mínimo que você poderia fazer era chegar na hora.

Fernando: Eu sei disto, eu me atrasei.

Amigo: Vá para a festa agora.

Minutos depois Fernando esta vestido como garçom servindo as mesas. As pessoas comemoravam um casamento sem notá-lo. Lá pelo meio da festa Fernando resolve tomar uma taça de champanhe quando sente alguém do seu lado.

Fernando: Me desculpe por isto.

Minako: Tudo bem senhor titereiro.

Ele surpreende-se ao ouvir aquela voz, Fernando vira-se e sorri ao encontrar Minako.

Minako: Boa noite.

Fernando: Boa noite, que surpresa.

Minako: Pois é minha prima casou-se. Eu imaginei que esta seria apenas mais uma noite chata.

Fernando: Isto depende de você.

Minako (sorrindo): Mas você é titereiro ou garçom?

Fernando: Acho que os dois, eu faço bicos para sustentar meu sonho. Também sou dançarino.

Ele estende sua mão para Minako que fica envergonhada porém feliz.

Minako: Mas eu nem sei seu nome.

Fernando: Fernando.

Os dois dançavam ao som de “garota de Ipanema”, seus dedos entrelaçam, seu pés movem-se em sintonia, olhos fechados, as bocas aproximam-se.

Minako: Então você é titereiro, garçom e dançarino. Preciso saber mais alguma coisa?

Fernando: Eu também sou brasileiro.

Sua boca aproximam-se dos lábios da garota, esta os abre suavemente. Um solavanco interrompe o casal, Fernando abre seus olhos a tempo de ver Minako sendo retirada da pista de dança por seu pai, decepcionado ele volta para cozinha onde seu amigo estava furioso.

Amigo: O que você pensa que está fazendo?

Fernando: Desculpe.

Amigo: Chegar atrasado não é um problema mas fazer isto com uma convidada contribui para uma demissão de justa causa.

Em silêncio Fernando devolve seu avental de garçom indo embora. Caminhando solitariamente sob a lua Fernando leva sua mão ao bolso, onde surpreendentemente encontra um pedaço de papel dobrado em quadradinhos. Era o telefone de Minako.

Nos dias de hoje. Fernando entra em seu quarto seguido por Misa. Esta estranhava pois o hóspede não tinha nenhuma bagagem.

Misa: Deseja mais alguma coisa?

Fernando: Não obrigado.

Após o sorriso triste de Fernando Misa despede-se, no corredor ela deixa seu corpo cair no chão esperando a aproximação de Michael.

Misa: Ele também será morto?

Michael: Por que você preocupa-se?

Misa: Todos são mortos.

Michael: Então você deveria estar acostumada.

Em seu quarto Fernando olhava pela janela sem esconder um sorriso emergente em seu rosto ao lembrar-se do passado recente.

Fernando estava em uma praça pública quando vê Minako correndo em sua direção, desculpando-se pelo atraso assim que o encontra. Fernando sorri sem importar-se com os olhares das pessoas em volta.

Os dois vão ao cinema e depois a uma lanchonete onde Fernando pede um guaraná com Açaí e Minako um chá verde.

Minako: Foi muito divertido.

Fernando: O suficiente para repeti-lo?

Minako (envergonhada): Amanhã?

Fernando: Amanhã eu não posso, preciso fazer uma apresentação.

Minako: Desculpe, você precisa sustentar-se e eu querendo sair todos os dias.

Fernando: Tudo bem, eu vim para o Japão para juntar muito dinheiro e voltar para o Brasil, mas agora eu começo a questionar-me.

Sem que eles soubessem o pai de Minako sentava-se a mesa com um detetive, este consente silenciosamente.

Detetive: Posso compreender sua dor ao ver sua filha única com um estrangeiro pobre.

Dias depois o pai vê sua filha saindo com a desculpa de encontrar algumas amigas. Porém ele sabia a verdade, simultaneamente seu telefone toca era o detetive.

Detetive: Já fiz minha pesquisa e tenho más notícias. Não encontrei nada de errado na vida deste estrangeiro.

Pai: Não importa o que você faça, mas faça algo.

Detetive: Sendo assim eu tenho uma carta na manga.

Na atualidade Misa estava agachada no escuro tendo suas pernas envoltas por seus braços. Ela enxuga suas lágrimas ao ser coberta pela sombra da garota de quimono preto.

Misa: Até quando vai isso?

Garota: Você pode parar a hora que quiser, mas tem um preço.

Misa: Quantas pessoas mais vão ter que morrer sob meus olhos.

Garota: Depende de você.

Misa: E este hóspede? Por que ele precisa morrer?

Garota: Ele fugiu.

Fernando estava em seu quarto lembrando-se de como seu martírio começou. Ele estava na frente de sua casa quando uma mulher aproxima-se.

Mulher: Boa noite.

Fernando (sem se importar): Boa noite.

Ele abre a porta preparando-se para entrar, porém aquela mulher segura a porta impedindo sua progressão.

Mulher: Espere um pouco Fernando.

Fernando: Eu conheço você?

Mulher: Pessoalmente não, mas eu... eu estive observando-o de longe.

Fernando: O que?

Mulher: Desculpe, eu não quero assusta-lo, é que eu estive reparando em você todo esse tempo.

Ele tenta afastar-se quando aquela mulher o agarra beijando-o a força, sem que saiba Fernando é fotografado, ele empurra aquela mulher entrando em casa.

Nos dias atuais Fernando chorava. Imagens de Minako entregando a fotografia dele com aquela mulher invadem sua mente, como resultado bate sua cabeça no chão em uma vã tentativa de expulsar aqueles pensamentos de sua mente. O olhar de decepção de Minako provoca um choro mis intenso.

Fernando enxuga suas lágrimas de cabeça baixa, ao levantar-se não percebe que a garota de quimono preto estava de pé atrás dele.

Fernando: Minako.

Garota: Por que você foi embora?

Com um pulo Fernando vira-se encarando a garota, que não demonstrava nenhuma emoção.

Fernando: É você quem mata as pessoas que vêem aqui?

Garota: Você pode entender desta maneira.

Fernando: Bom, estou pronto.

Garota: Para que?

Fernando: Você não vai me matar?

Garota: Sim, mas por que tem que ser agora?

Fernando: Por favor, eu não agüento mais.

Garota: Por que tenho que prestar-lhe favores?

Fernando: Anda logo!

Garota: Porque?

Fernando: Eu estou desesperado, eu quero morrer. Por favor.

Garota: Por que fugiu?

Fernando: Não é justo, eu não fiz nada.

Garota: Infelizmente a vida não é justa. Mesmo assim restavam opções você preferiu a mais fácil.

Fernando: Eu? Talvez ela devesse Ter acreditado.

Garota: Ela?

A garota aponta para a porta, esta abre-se mostrando o futuro próximo: Minako entra na Hospedaria carregando uma mala. Os olhos de Fernando enchem-se de lágrima, a imagem some.

Fernando: O que foi isso?

Garota: Quando Minako não o encontrou sua amada começou a procura-lo em outros lugares, após procurar muito ela chegou a esta pensão.

Fernando: Não!

Ele percorre os corredores da hospedaria a procura de Minako sem encontra-la. Desolado Fernando depara-se com a garota de preto.

Garota: Acidentalmente Minako ouviu um telefonema de seu pai. Ele confessou ter contratado um detetive para acusa-lo. Foi quando Minako descobriu que você realmente a amava.

Fernando: Como eu posso salva-la?

Garota: Não Pode.

Ela aproxima-se de Fernando, este tenta fugir, mas depara-se com a garota de preto.

A música “Garota de Ipanema” ecoa pela hospedaria otrora silenciosa. No âmago da escuridão uma marionete feminina é cortejada por outra marionete masculina, ambas dançam sob a voz de Tom Jobim em um ritmo lento e melancólico. Das extremidades das marionetes saiam fios, estes ligavam-se aos dedos da garota de preto, esta mantinha a batuta daquela triste dança.

No dia seguinte a garota coloca um pequeno barco artesanal nas águas do rio, o barco continha uma vela com o nome de Fernando escrito nela.

Garota: pobre alma silenciada na escuridão. Por ter abandonado seus sonhos está condenado a vagar pela escuridão eterna.

Em um momento de silêncio ela ouve o choro contido de Misa, Michael sorri ao perceber que ela estava próxima a um colapso.

Garota: preparem-se, temos uma nova hóspede.

Minako desce da balsa, entrando na hospedaria.

FIM