O quadro

Não sou um cara supersticioso; Para um mineiro de 65 anos sou bastante crédulo.

Morei a minha vida inteira na roça. Ouvi histórias de todos os tipos, procissão de caveiras, lobisomens e mulas sem cabeça.

A que eu mais gostava de ouvir era sobre um tumulo acorrentado que havia no cemitério da cidade.

. Segundo os antigos, o morto que ali habitava, tinha pacto com a coisa ruim, e que toda as noites a sua alma voltava ao corpo tentando se libertar do caixão,mas como a corrente tinha sido benzida pelo padre, ele não conseguia e, então começava a bater palma para ver se alguém o libertava.

Nunca o ouvi batendo palmas. Acredito que as correntes no tumulo era alguma crendice do povo.

Mas o que relatarei nessas poucas paginas não é algo que aconteceu com um amigo de um amigo meu, e sim, algo que aconteceu comigo.

Eu tinha apenas Onze anos, e minha vida se resumia em acordar cedo para ir para escola, e ajudar meus pais na roça.

Num certo dia eu estava voltando da escola com dois amigos e uma amiga, quando encontramos uma cigana dormindo embaixo de uma arvore.

Fátima olhou para a velha deitada, virou de costas para rua e de frente para a gente. Continuando andando perguntou: Sabia que os ciganos são os maiores ladrões do mundo?

-Quem te disse isso? Eu perguntei meio incrédulo.

-Minha mãe me disse. Respondeu ela fazendo todos nos pararmos de frente para a cigana.

Ela me contou que quando ela tinha minha idade, uma cigana foi até a casa dela e pediu um copo de água e quando ela foi buscar a água a cigana levou uns pertences dela.

-Que pertences? Quis saber Wandinho.

-Não sei isso ela nunca falou. Respondeu Fátima abaixando a cabeça.

-Minha vó conta que eles também são bruxos. Sussurrou Ivo. O caçula do nosso grupo que tinha apenas dez anos.

Lembro que eu olhei fixamente para todos eles e falei:

Bruxos não existem ciganos é apenas um povo que vive andando por ai.

-São bruxos sim, uai!! Disse Fátima.

-Daqui a pouco você vai-me dizer que acredita no lobo mau. Disse sorrindo para ela.

Vou provar para vocês que essa história de bruxos é pura invenção dos antigos. Disse enquanto andava até a velha cigana.

Quando me aproximei notei, que ela dormia abraçada com um quadro agachei-me para ver melhor.

No quadro tinha a figura de um velho careca de terno andando descalço numa estradinha de terra, o homem possuía um olhar vazio, e olhos esbugalhados.

A figura era tão bem feita, que eu podia ver as manchas no rosto do velho.

Bem devagar comecei a puxar o quadro dos braços da velha. - O que vai fazer?Perguntou Fátima. Lembro de ter me virado para ela e ter dito:

Vou roubar de ladrão, isso não dá cem anos de perdão?

Quando conseguir pegar o quadro, a velha acordou.

Sai em disparada em direção aos meus amigos, a velha tentou correr atrás da gente, mas não agüentou nem vinte metros.

De longe podíamos ouvir os xingamentos dela, não entendíamos o que ela dizia, era uma língua estranha, mas tenho certeza que não era nada do tipo:

Meninos malcriados!!!

-O que vai fazer com esse trem Carlos? Perguntou-me Ivo.

-Vou colocar na parede do meu quarto de recordação. Respondi.

-Não teme a maldição que pode cair sobre você?Perguntou Wandinho.

-Não tenho essas crendices.

Cheguei em casa e coloquei o quadro na parede em frente a minha cama.

Depois fui à cozinha preparei minha comida para em seguida ir para roça ajudar meus pais.

Voltávamos da roça as 17:00horas,como eu já disse antes, morávamos no campo, na época nem eletricidade existia na nossa cidade, chegava dentro de casa e já estava escuro, sempre ia para o meu quarto com uma vela para iluminar meu caminho e para que eu pudesse ler alguma coisa antes de dormir.

Acordei no meio da madrugada com barulhos de passos no meu quarto, parecia que havia alguém correndo de um lado para o outro.

Levantei-me e ascendi uma vela, como eu esperava não havia ninguém.

Deitei, e em menos de dois minutos já estava dormindo novamente, no dia seguinte esqueci completamente do acontecido.

Depois da aula enquanto eu voltava para casa, absorto em meus pensamentos, tive a sensação de estar sendo seguido.

Parei e me virei para trás, mas aparentemente só tinha eu na estrada.

Continuei meu caminho, a sensação de estar sendo seguido cresceu, o mato na parte lateral da estrada começou a se mexer como se houvesse alguém correndo em minha direção.

Como eu disse nunca fui um cara supersticioso, mas também nunca fui burro. Corri, e corri muito, a coisa também aumentou seus passos, matos eram derrubados com uma velocidade;

Incrível, até as poucas placas de sinalização que ficavam no acostamento foram derrubadas.

Olhei em frente e vi um velho que vinha caminhando em minha direção, parei atônito, era o velho do quadro.

Tentei voltar, mas quando girei em meus calcanhares reparei que atrás de mim só tinha sombras.

Uma cobra jararaca, que estava no acostamento foi sugada para a escuridão, não tendo o que fazer pedir ajuda a Deus:

Me tira dessa senhor,prometo ir todo domingo a missa!!

O homem se aproximava cada vez mais rápido, seu olhar era insano, ele cantava alguma canção triste que não me recordo da letra.

Quando ele estava a apenas cinco metros de mim a primeira coisa que eu reparei foi os pés dele. Eram peludos, suas unhas imundas e possuía sete dedos em cada pé.

-Tarde jovem. Disse o velho sorrindo.

-Tar.. tar..tarde. Respondi gaguejando.

-O que faz um garoto tão moço andando sozinho por essas bandas?

-To voltando da escola. Respondi levantando a cabeça para olhar no rosto dele.

-Ééééé, estudar sempre é bom.

Os olhos dele possuíam um brilho amarelo.

O que no quadro pareciam ser manchar no rosto, pessoalmente, mas parecia com escamas de peixe, ele fedia, seu cheiro lembrava enxofre.

-Ocê parece assustado menino, viu “argum” tipo de assombração, uai?Perguntou-me forçando um sotaque caipira.

Não respondi nada, só olhava para ele, estava prestes a perder o controle da minha bexiga.

-Achei que ocê não acreditava em crendices do povo. Disse dando a gargalhada mais maldosa que eu já tinha ouvido.

Seus olhos tinham assumido uma cor vermelha vivo, sua pele estava ficando cada vez mais enrugada, e ele tinha um rabo, era enorme, quase arrastava no chão, eu tinha certeza que aquilo não estava ali antes.

Seus dentes mais pareciam dentes de tubarão, e ele fazia questão de amostrá-los.

-Que foi Carlos? Achei que ocê era mais falante!

-Tenhoqueirpara casa, vou ajudar meus pais!! Respondi atropelando as palavras.

-Estou com fome, menino, ocê só vai depois que eu matar ela! Disse isso, e logo em seguida tentou me segurar.

Dei um pulo para o lado e comecei a gritar perdi o controle dos meus intestinos e urinei nas calças.

As mãos dele, eram apenas ossos, no lugar que antes eram seus olhos existia agora, dois grandes buracos vazios.

Joguei meus livros nele, e sai em disparada em direção a minha casa, corri o caminho todo sem olhar para trás.

Acordei gritando chamando minha mãe.

-O que foi filho? Teve um pesadelo? Perguntou ela sentando ao meu lado na cama.

-Acho que sim. Respondi ainda meio sonolento.

-seu café esta na mesa! Não vá se atrasar para aula! Disse ela saindo do quarto.

Fiquei um pouco sentado na cama pensando no pesadelo e olhei para o quadro.

Meu sangue gelou. Nas mãos do velho estavam os meus livros.