O Diploma

Desperdicei toda a minha juventude com farras. Estudei somente até a oitava serie; sempre pensei que escola não passava de uma perda de tempo.

Só percebi o tamanho do meu erro, quando engravidei uma namorada; foram tempos difíceis,os pais dela não aceitaram muito bem,e eu não tinha ninguém nessa cidade,só tinha um jeito de consertar tudo,e era casando.

Não foi um casamento no papel, tão pouco tivemos uma festa, foi exatamente assim: Eu aluguei um sobradinho e ela saiu da casa dos pais para morar comigo.

Eu trabalhava na feira nessa época, vendia CDs piratas, não ganhava muito dinheiro, mas dava para sobreviver, com o passar dos anos tive outros empregos, trabalhei de moto boy, garçom e pedreiro, foi justamente quando eu era pedreiro que minha vida começou a mudar.

Voltando de ônibus para casa certo dia eu vi um anuncio escrito numa parede mais ou menos assim:

Tenha seu segundo grau em apenas 1 mês!

Tel. 235 6231 falar com Cláudio Renato.

Percebi que era uma chance de mudar de vida, peguei minha agenda e anotei tudo.

No dia seguinte liguei, depois de cinco chamadas, uma voz jovial de mulher me atendeu:

-Alõ!!

-Gostaria de falar com o Cláudio Renato. Respondi numa voz meio indecisa.

-Só um momento. Respondeu a jovem transferindo a ligação em seguida.

-Cláudio Renato, no que posso ajudá-lo.

-Me chamo Felipe, eu li escrito numa parede que vocês oferecem diploma de segundo grau em um mês.

-sim. Respondeu numa voz que não expressava nenhuma emoção.

-Eu estou interessado, como faço para ter o serviço de vocês?

- Tem papel e caneta perto de você?

-Tenho sim. Respondi levando a mão ao bolso da calça e puxando a caneta juntamente com um pedaço de papel amansado.

-Venha até o centro da cidade. Rua Aparecido Filho, o numero do nosso prédio é 50, quinto andar.

-Que horas? Perguntei.

- A sua escolha. Respondeu ele desligando o telefone.

Fiquei um tempo apenas segurando o telefone e o observando, achei tudo muito estranho, mas sabia como seria o esquema do diploma, na certa ele me cobraria uma certa quantia,e me entregaria o diploma,não seria necessário mais nada,talvez eu já sairia de lá graduado.

No dia seguinte peguei uma dispensa do serviço e fui ate o endereço, cheguei lá por volta das 10 da manha.

Peguei o elevador e me dirigi para o quinto andar, assim que a porta se abriu uma moça alta de cabelos castanhos claros e olhos cor de mel, me recebeu com um enorme sorriso.

-Olá, você deve ser o Felipe!! Disse ela.

-Sim. Como você sabe que sou eu, ou melhor, como sabe a hora que eu chegaria? Perguntei assustado.

-Ela me olhou por alguns segundos, tempo suficiente para me dar vontade de me virar e sair daquele lugar, quando estava decidido a ir embora ela respondeu:

-Sabemos de tudo!!

-Venha o Doutor Cláudio está esperando você!.

Segui ela em silencio por todo o corredor, caminhamos em direção a uma porta toda de vidro, onde não havia nada escrito ,entramos e ela pediu que eu esperasse na recepção que ela avisaria ao Doutor que eu já estava ali.

Um minuto depois ela reapareceu me mandando entrar na sala dele.

Era uma sala que possuía as paredes todas brancas, não havia decoração nenhuma, tinha apenas uma mesa duas cadeiras e um computador. Cláudio Renato me fitava através dos seus óculos quando entrei.

-Sente. Disse ele para mim enquanto levantava da sua cadeira para apertar minha mão.

Apertei a mão dele e me sentei. Ele aparentava estar na casa dos quarenta anos, tinha cabelos grisalhos e cavanhaque, era bastante alto, acredito que deveria ter um pouco mais de dois metros.

-Então o senhor quer um diploma?Perguntou ele

-Sim. Quero uma chance de dar uma vida melhor para minha esposa e para meus filhos.

-Todos querem. Respondeu ele.

Não me sentia à vontade naquela sala, eu estava tremendo, a principio achei que tremia de nervosismo, mas a cada minuto que fitava aquele homem a sensação de insegurança crescia.

-Só precisa assinar esse documento. Disse ele me passando uma folha.

Queria acabar logo com aquilo, assinei rapidamente sem ler nenhuma linha.

-Nosso esquema aqui é o seguinte: Te daremos matérias diárias para seu estudo, no final do dia você terá que fazer uma prova mostrando que assimilou tudo o que foi visto,notas abaixo de sete são consideradas notas baixa.

-Eeeu achava que o senhor apenas vendia esses diplomas. Respondi cada vez ficando mais nervoso.

-E por que eu faria isso? Você não quer aprender?

-As apostilas que serão entregues a você são as melhores de todo mundo, não tem como ter duvidas se for um estudante esforçado. A prova o senhor realizará na sua própria casa, só peço que não cole, porque estaremos de olho, colar resulta num castigo.

-E como eu entrego essas provas diárias?Perguntei.

-Não será preciso, nos saberemos.

-O senhor já está liberado, pegue seu material de estudo com Elaine na saída.

-Não tenho que pagar nada?

Ele deu uma gargalhada alta e respondeu: Se for um bom aluno não!!

Engoli minha saliva e fui em direção à porta. Sair daquela sala me provocou um grande alivio. Elaine me aguardava na recepção.

Assim que me aproximei ela me deu uma pasta e disse: Aqui está todo o material que precisa para ser um estudante brilhante. Boa sorte. Estaremos de olho.

Enquanto dizia “estaremos de olho” ela deu a piscada mais maléfica que eu já tinha visto,sai daquele lugar o mais rápido que minhas pernas agüentava,cheguei em casa mas nem olhei o material de estudos,fiquei o dia todo vendo tv,aproveitando meu dia de folga.

No dia seguinte trabalhava tranqüilamente quando o encarregado da obra me chamou dizendo que tinha um telefonema para mim.

Quando atendi a mesma voz femina do dia seguinte disse:

Sendo um estudante preguiçoso no primeiro dia?

-Escute moça. Não tenho tempo para essas coisas, estou fora dessa.

-O senhor assinou o contrato. Respondeu calmamente Elaine.

-Sim. Mas estou cancelado.

- O contrato não pode ser cancelado. O senhor não leu?

-Tenho que desligar moça. Vou voltar para o meu serviço.

- O primeiro castigo por sua falta de obediência será aplicado até o final do dia, um amigo seu pagará pelos seus atos. Disse calmamente ela antes de desligar o telefone na minha cara.

Voltei ao meu trabalho e com o passar do dia esqueci a ameaça dela.

Por volta das quatro da tarde eu estava pronto para descer do andaime com um amigo,quando sem explicação nenhuma uma das cordas arrebentou provocando a queda do meu companheiro de trabalho. Desci rapidamente, quando cheguei até o corpo no chão já havia por ali umas quinze pessoas. Ele estava morto. Lembrei da ameaça da Elaine e ficou assustado quando me afastei da multidão procurando o ar puro que meus pulmões pediam avistei Elaine do outro lado da rua, ela sorria para mim, e antes de desaparecer entre os carros que passavam deu novamente aquela piscada maléfica.

Cheguei em casa arrasado,minha esposa perguntou o que tinha acontecido,contei para ela sobre o acidente,mas nada disse sobre a Elaine.

Quando estava me dirigindo ao banheiro ela me chamou: - O que foi? Perguntei.

-Teve um homem aqui mais cedo. Deixou essa carta para você!

Meu sangue gelou. Peguei a carta da mão dela e a levei comigo ao banheiro. Abaixei a tampa do vaso, sentei-me e vi o que estava escrito:

Que amanha não tenhamos mais vitimas.

Ass. Cláudio Renato.

Sair do banheiro rapidamente e peguei o material de estudo. Realmente as apostila possuíam uma forma de descrição incrível,o problema era que à medida que eu estudava o sono batia,tentava me manter acordado,levantava do sofá,jogava água no rosto,tomava café.

Não estava adiantando o sono estava sendo mais forte.

Resolvi Pegar a prova que estava separada em um dos envelopes e copiar as respostas da apostila, não teria como eles saberem, tudo não passava de um jogo psicológico.

Acabei em vinte minutos tinha certeza que tinha ido bem. Fui para a cama e adormeci.

Quando acordei no dia seguinte minha esposa não estava mais na cama, fiquei um tempo deitado imaginando que ela deveria ta no banheiro. Após cinco minutos resolvi levantar da cama e procurá-la pela casa. Ela não estava.

Olhei no relógio que ainda marcava seis e quinze da manha, dificilmente ela teria ido a padaria uma hora dessas.

Sentei no sofá e fiquei pensando no que deveria ter acontecido, foi quando o telefone tocou cortando o silencio absoluto que imperava na minha casa, atendi rapidamente acreditando que poderia ser ela.

-Alô.

-Bom dia senhor Felipe.

Era Cláudio Renato no outro lado da linha.

Meu coração havia disparado,minhas mãos tremiam,era difícil continuar segurando o telefone.

-O senhor tem sido um mau aluno, senhor Felipe, colou na prova de ontem. Avisei que nada foge das nossas vistas.

-Eu, eu, eu estava cansado não estava conseguindo me concentrar.

-Você nos procurou porque queria mudar de vida, e já pensa em desistir na primeira oportunidade? Que tipo de homem é você?

-Eu sou quero ficar em paz. Por favor, vamos esquecer isso.

-Não será possível. O Senhor tem meia hora para estar aqui na sede, sua esposa esta aqui lhe aguardando.

-O que você fez a ela? Gritei ao telefone, mas ele não chegou ouvir. Desligou na minha cara.

Quando cheguei ao prédio Elaine, me recebeu com um largo sorriso no rosto.

- Tudo bem? Perguntou ela.

-Onde esta minha esposa?

Está te aguardando na outra sala. Apontou o dedo na direção do escritório de Cláudio Renato.

Entrei sem bater na porta, e me deparei com uma cena horrível. Minha esposa estava com os olhos vendados, Cláudio segurava animadamente uma faca de açougueiro atrás dela.

Fiquei tão impressionado com a cena que não reparei o pitbull que estava no lado esquerdo da sala, antes que eu pudesse falar qualquer coisa o cão pulou sobre o meu peito me derrubando no chão. Fiquei ali, com aquele animal babando sobre o meu rosto, ele me imobilizou de tal forma que meu único campo de visão era a minha esposa.

-Não tema! Ele não vai fazer nada há você. Disse Cláudio segurando uma das mãos de minha esposa que chorava baixinho.

Eu te falei, camarada, que se não fosse um bom aluno haveria punições, espero que depois dessa, você leve seus estudos a sério. – Levou a mão que segurava a faca até a altura de sua cabeça e desceu formando um arco perfeito de encontro à mão direita de minha esposa, que urrava de dor.

Chamou Elaine que retirou minha esposa da sala. Ficamos apenas eu, Cláudio e o cachorro na sala.

-Espero que os castigos não tenham que continuar. Disse ele saindo da sala, seguido pelo cachorro.

Levantei-me e fui ate a recepção, onde não encontrei ninguém.

Assim que desci do prédio meu celular tocou, era Elaine.

-Sua esposa está sendo tratada pelos médicos. Ficará bem. Posso adiantar que o próximo castigo será com seus filhos. E dessa vez não será apenas uma mão que vamos cortar, aconselho o senhor a estudar.

Fui para casa o mais rápido que podia,peguei as apostilas e estudei,estudei mais aquele dia do que em toda minha vida. Na hora da prova estava nervoso, mas fui ficando calmo à medida que ia respondendo as perguntas, assim que acabei a prova e me deitei, naquela noite

Demorei a pegar no sono.

Acordei no dia seguinte e minha esposa estava ao meu lado,quando acordou ela não entendia o que tinha acontecido,não entendia como foi parar naquela sala,e como tinha voltado ao quarto. Só sabia que não tinha sido um sonho porque havia perdido uma mão.

No decorrer do dia estudei bastante, descobri que minha nota tinha sido 7, e à medida que os dias passavam minhas notas iam aumentando, minhas ultimas duas semanas não houve uma nota mais baixa do que 9.95.

No fim do mês recebi meu diploma pelo correio. Com o conhecimento que adquiri resolvi tentar a sorte em um concurso publico. Fiz a prova da policia rodoviária federal e consegui a quinta colocação.

Hoje em dia agradeço muita a ajuda que eu tive,não sei quem era aquele homem,não sem nem se de fato era um homem. O que importa é que apesar de tudo me fez subir na vida, me possibilitando dar uma vida justa a minha esposa e aos meus filhos.

Nos mudamos a duas semanas para uma casa na praia,ontem a noite durante uma conversa com o jardineiro que nos presta serviço,ele me confessou que queria poder voltar no tempo para ter estudado mais.

Virei-me para ele e ofereci o seguinte bilhete:

Tenha seu segundo grau em apenas 1 mês!

Tel. 235 6231 falar com Cláudio Renato.