Sangue de Uma Inocente

Lá estava eu, oculto pela densa copa das árvores, observando no breu da noite minha nova vítima. Eloize Gutchenberry é uma garota de quinze anos cujo corpo é bem desenvolvido para a idade. Seu cabelo é castanho e ondulado e lhe cai graciosamente sobre os ombros e sobre as costas, até a altura do busto farto e arredondado. O rosto de feições delicadas é dotado de beleza singular e seus olhos azuis são da cor do céu nos dias bem ensolarados e sem nuvens, amendoados e brilhantes. Bailarina, seu corpo é dotado de uma extrema elegância e graciosidade. Suas pernas são dotadas de curvas sensuais e aparentam uma maciez que faz com que as pétalas da mais belo rosa pareçam ásperas ao toque.

Venho observando-a a algum tempo, tenho me arriscado bastante me expondo ao sol da manhã para acompanhá-la no seu caminho para a escola. Ela mora longe do colégio onde estuda, de modo que levanta as quatro e meia da manhã, despe a camisola lilás de seda, adornada por pequenas flores na extremidade do decote já no banheiro, e depois toma um relaxante banho na banheira, enquanto canta baixinho as músicas do balé. Posteriormente abre o ralo da banheira e enxuga sua pele clara como mármore branco, e se veste lentamente com o uniforme, constituído por uma saia pregada negra, blusa de mangas bufantes, sapatilha negra e as meias brancas três quartos. Eu me sento no galho de uma arvore velha que dá para a janela do banheiro do segundo andar, onde ela realiza a mesma rotina todos os dias. Intuitiva, parece sentir minha presença e eventualmente olha para a janela, mas eu me escondo na copa abundante da árvore, e ela sendo incapaz de me ver, volta para sua rotina. Depois ela se dirige a pé para a escola, passando por um parque e depois na frente da casa de Manuelle Hawks, sua melhor amiga, e as duas vão juntas para a escola conversando sobre assuntos diferentes a cada dia.

Eu acompanho as duas de longe, mas consigo ouvir cada uma de suas palavras, pois para os filhos da noite como eu, o mundo muda radicalmente. Nós somos capazes de ver tudo nos mínimos detalhes, ainda que distantes, e ouvir a respiração das pessoas que estão ainda muito longe de nós. Os aromas das coisas se tornam incrivelmente prazerosos e atrativos.

O pouco que sei da sua rotina diurna vem dessas conversas. Pelo que sei ela freqüenta aulas de dança á tarde e depois se encontra todos os dias com os amigos numa lanchonete chamada Heartunne´s, local onde a vi pela primeira vez, e onde, já sem o estorvo da constante e incomoda luz solar, retomo minhas observações.

A noite ela retorna para casa toma outro banho e veste uma camisola, come alguma coisa leve e vai se deitar. Antes de dormir ela chora baixinho por culpa da sua família. Pelo que descobri, seu irmão mais velho está cumprindo pena por tráfico de drogas e furto de carro, seu pai está com estado grave de infecção geral generalizada e a mãe afoga as mágoas na bebida. Ela escreve em seu diário e depois reza por eles antes de dormir. Seu sono é agitado e ela acorda de três a cinco vezes por noite.

Ela é uma garota tímida e introvertida, porém sua força interior é realmente surpreendente, ela sempre é gentil e compreensiva com os outros e sempre ostenta aquele mesmo sorriso branco no rosto quando está acompanhada.

Ao olhar novamente para aquele sorriso hesitei por alguns segundos. Engoli em seco e esperei que ela se afastasse da lanchonete. Quando ela estava a três quarteirões de distância tentei me aproximar lentamente a fim de não assustá-la, mas ela se mostrou tão perceptiva quando eu esperava. Intuitivamente ela se virou e me viu me aproximar. Acelerou o passo. Eu aumentei meu ritmo. Ela saiu em disparada. Sua velocidade era surpreendente, mas não se comparava a agilidade de um vampiro como eu. Nossos músculos são muito mais potentes e nosso metabolismo é muito mais ágil do que o dos humanos.

Ela já tinha alcançado o parque quando eu agarrei seu braço. Ela girou o corpo e me acertou um potente tapa na face, seguido de uma joelhada. Ela ficava deslumbrante lutando por sua vida sobre o luar. Eu larguei o seu pulso e ela retomou a corrida. Eu corri atrás dela e agarrei sua cintura. As lágrimas corriam em seu rosto. Ela aparou a queda com os braços. Mordeu os lábios e tentou se libertar. Era incrível o quanto ela lutava por uma vida tão ruim. Eu a admirava. Queria ficar a seu lado pela eternidade. Eu agarrei seus braços e pude novamente averiguar a maciez da sua pela quente. Imobilizei suas pernas com as minhas e revelei os meus caninos para ela pela primeira vez. Ela contudo não fraquejou. Ela só queria se salvar. Ela só queria viver. Eu introduzi os caninos no seu pescoço e bebi seu sangue doce e suave, mas extremamente saboroso. Fui extasiado pela sensação calorosa e indescritível, como se bebesse do próprio infinito, o néctar que dá vida a todas as coisas, e foi como se de súbito, sentisse coisas que ninguém jamais havia sentido, cujas palavras não podem descrever, e uma compreensão e consciência tomou conta de mim.

Tomei cuidado para não me exceder, eu propositalmente não atingi nenhuma parte vital com a mordida e me limitei a parte mais superficial, de modo que ela ainda estava consciente. Ela agonizou baixinho e soluçava, mas conteve os gritos.

Eu beijei-lhe os lábios. Ela me surpreendeu novamente e mordeu os meus lábios, me fazendo recuar. Ela tentou me dizer:

- E-eu já-mais... Serei sua... – Ela cambaleou. Sua força lhe escapava pouco a pouco. Ela perdia a consciência. Ela caiu sobre os joelhos, ainda resistindo. Eu aparei sua queda. Levei Eloize no meu colo até a minha casa na fronteira da cidade, deitei-a em minha cama e esperei ansioso pelo seu despertar.

Mal sabia ela que selou seu próprio destino com o meu sangue que perpetuaria a sua existência e lhe abriria os olhos para o meu mundo. O mundo dos filhos da noite. Eu guardarei aquele sabor memorável por toda a eternidade. Nada supera o sabor do sangue de uma inocente.

(Julio Cesar Rodrigues Mantovani Filho)