Anorexia

Ela estava sozinha em seu quarto de faculdade. Qualquer um poderia ver que algo estava errado com a jovem de dezenove anos. Os ossos de seu corpo estavam todos a mostra através da pele extremamente pálida, que contrastava com os longos cabelos negros que lhe caiam até a altura do busto. As olheiras lhe davam um ar ainda mais debilitado.

A garota respirava com dificuldade. Estava parada de frente pro espelho, vendo uma distorção absurda da realidade. Mas estava determinada a mudar o que via, a qualquer preço. As vozes zombeteiras de seus colegas não saiam de sua cabeça. De todas, a voz dele era a que mais lhe perturbava. Ela tinha ouvido enquanto ele comentava com outro garoto no corredor. “Fiquei sabendo que a Balofa gosta de você...” “Eu nunca ficaria com ela! Aquela garota é feia demais... Imagina ela só de roupa intima, que coisa nojenta! A gordura caindo pros lados...” Ambos deram risada.

Sim, ela mudaria. Estava decidida. Ninguém mais a magoaria. Nem ele nem nenhum dos seus colegas. Uma lágrima solitária escorreu pelo canto do olho. Não importava o que ela fizesse, estava sempre igual. Estava sempre gorda. Nem mesmo se privando totalmente de qualquer tipo de alimentação era capaz de mudar isso. Precisava continuar... Não podia parar agora... Ela daria a volta por cima. Ela iria conseguir, nem que fosse a ultima coisa que fizesse.

Subitamente, seu corpo caiu no assoalho de madeira num baque surdo. Ela estava exausta. Precisava dormir. Dormiria apenas um pouquinho, e logo despertaria. Sorriu. O cansaço tomou conta de seu corpo debilitado pela fome. Cada vez mais e mais mergulhava no sonho eterno, do qual jamais despertaria. As preocupações que a afligiam a tanto tempo finalmente cessaram. As vozes haviam se calado de uma vez por todas. O silêncio era doce. Finalmente ela estava em paz.

Seu corpo jazia jogado ao chão. Seu rosto deformado pela inanição se contorcia num sorriso de beleza mórbida, num espetáculo perturbador. A chuva lá fora era a única que lamentava sua perda. Ela não fazia a menor diferença, afinal. Realmente, ninguém se importava com ela, como ninguém jamais se importou com outras tantas jovens como ela, que são capazes de matar a si próprias lentamente na esperança de ganhar um sorriso, uma palavra amiga...

(Julio Cesar Rodrigues Mantovani Filho)