ESTEREÓTIPO - FANTASMAS

Ele nem conseguia se lembrar quando sua esposa fora embora, carregando até suas lembranças. Sua carreira estava arruinada, costumava ser o prefeito daquela cidade, agora não passava de um nome que poucos recordavam.

Desde que seu único filho fora levado, arrancado dos braços da família por aquela que defendera tão veementemente, que arrependimento, maldita, deveria ter deixado que a queimassem.

Sua vida acabara. Não conseguia mais sair nas ruas, não apreciava mais o brilho do sol. A comida não tinha mais sabor, se tornara insípida como o seu existir.

Além de todas as mazelas, as quais fora obrigado a engolir e aceitar, a loucura parecia começar a lhe invadir a alma. Não conseguia dormir direito, pois a todo o momento era atormentado pelas lamentações das vozes e pelos ruídos que se acumulavam no interior de sua residência.

- Me deixem em paz, malditos! Será que já não sofri o suficiente? Voltem para aquela bruxa! Ela já tirou meu filho e agora quer tirar o que mais? Minha sanidade?

A única resposta ouvida pelo ex-político foi um som parecido com estática, oriundo do andar de baixo. Até então ele tentara ignorar toda essa situação, ele achava que negar o fato, talvez o fizesse estar próximo da normalidade. Mas, já estava insuportável, não dava mais para deixar de lado o que estava nitidamente acontecendo. Precisava agir.

Desceu as escadas decidido a encarar qualquer entidade que estivesse fazendo sua casa de moradia. Saltava os degraus com passos fortes, berrava a plenos pulmões.

- Quem manda nessa casa sou eu! Saiam já daqui!

A escuridão, que tomava todos os cômodos desde que passara a viver sozinho, estranhamente se abriu de repente, e foi então que ele os viu pela primeira vez.

A reação fora inesperada, aquelas pessoas estranhas começaram a gritar, e foi então que ele percebeu o que acontecia. Mas perceber é bem diferente de aceitar. Uma mão tocou o seu ombro.

- Venha pai – dizia o garotinho de rosto familiar – esse lugar não nos pertence mais.

- Filho! Mas como isso foi acontecer? Eu não me lembro de nada.

- Vai lembrar pai, vai lembrar. Eu morri ao lado daquela que me levou. Fomos carbonizados enquanto invocávamos um espírito maligno. E você meu pai, morreu vítima da ira desse demônio. Você ainda está confuso e vive a assombrar a vida das pobres pessoas que agora habitam a nossa antiga casa.

- Mas, essa casa é nossa.

- Não mais, o senhor precisa me acompanhar, eu tive uma chance de evitar ser levado para o destino certo daqueles que seguem a antiga crença, talvez por eu ser uma criança. Mas, para isso, eu preciso que aquele que mais me amou me acompanhe.

- E sua mãe?

- Ela já está lá, papai, ela já está lá.

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- Eu acho que ele foi embora, papai. A casa nunca ficou tão quieta – dizia o menino no colo do assustado pai.

- É, filho, parece que ele decidiu sair, espero que seja de vez. Olhe lá para cima, percebe a luminosidade que se instalou? O que você acha? Ficamos?

- Acho que sim, papai.

- Tudo bem.

O homem tecla rapidamente um número no aparelho de telefone sem fio.

- Alô? Charles? Sou eu. Por favor, cancele aquele anuncio de venda da casa, por enquanto. Está bem? Certo, um abraço.

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Na noite seguinte, a paz no interior da residência contrastava com o ruído que vinha da vegetação que circundava a casa. Uma fera quadrúpede, de pele vermelha e chifres retorcidos, expelia uma fumaça densa e de odor forte pelas narinas.

*Um clichê para fantasmas. Leia também os contos "Um outro clichê" e "Lugar comum"

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 02/03/2009
Reeditado em 03/11/2009
Código do texto: T1464703
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