O único

“A sociedade e a ignorância caminham juntas”

Estava na reunião não se sabia o porquê, era o típico reacionário. Detestava mudanças.

Acompanhava-lhe a mulher grávida, a triste Joice, com seu barrigão bonito. Linda como era destoava do chato Veiga.

A reunião foi organizada pelos “amigos do bairro”.

Era capitaneada pelo Queiroz, um gordão simpático, que começou a falar:

- A empresa química-farmacêutica Xemox¹ tem agido em nossa cidade a anos. Recentemente houve um incidente envolvendo o nome da empresa na cidade vizinha. Vazamento químico é coisa séria gente.

O Veiga lhe interrompeu:

- E o que isso tem a ver conosco?

O Queiroz bateu levemente no barrigão e disse:

- Tudo Veiga! Proponho realizar uma investigação por nós mesmos. A polícia pouco ajudaria ou qualquer orgão. Tenho a suspeita que a empresa despeja lixo em nosso principal rio.

O mala do Veiga:

- E..?

Irritado o Queiroz revela:

- Pode haver contaminação de solo, da água e dos animais, até nós podemos estar contaminados.

Houve então a votação pela investigação, somente o Veiga recusou.

Pensava em outras coisas e recusou.

E foi o único.

O sonho do Veiga era montar seu próprio negócio, uma casa de rações e acessórios para animais. Já tinha até comprado o letreiro.

Uma investigação dos moradores e um possível escândalo espantariam as pessoas da cidade.

E em seguida seu sustento.

Queria criar família com Joice ali mesmo. E enquanto todos se preocupavam com a Xemox, ele se preocupava com sua família.

E era um vizinho se aproximar pra comentar que grunhia:

- Não quero falar sobre isso.

- O Queiroz é louco, nunca aconteceu nada...

Passou então a fazer propaganda contra a investigação. E abriu seu estabelecimento, “Casa de Rações do Veiga”.

E nada mudou até a outra reunião dos “amigos do bairro”.

Queiroz estava visivelmente abatido.

- Tenho um contato da própria Xemox, as notícias não são boas.

O pessoal esperava as notícias impacientes. Menos o Veiga que lia o jornal.

De forma rápida Queiroz falou:

- Ainda não tenho provas físicas mas parece que o negócio é de proporções assustadoras... os manterei informados.

E saiu da sala.

Começava uma onda de apreensão na cidade.

Até Joice questionou o Veiga:

- Meu amor, nós vamos sair da cidade?

Respondeu rápido:

- Calma meu bem. Não aconteceu nada até hoje e nem vai acontecer.

Veiga estava furioso e ia ter uma séria conversa com Queiroz.

O Queiroz trabalhava numa panificadora, quando viu o Veiga plantado no balcão foi conversar.

- Que foi Veiga?

O Veiga nervoso o agarra pelo colarinho:

- Olha aqui seu gordo inútil; minha esposa está grávida e já vai ter o bebê. E você fica assustando a pobre?

O Queiroz levanta as mãos:

- Só estou tentando ajudar, eu vou provar o que digo.

Veiga o soca no estômago e vira as costas:

- Vá fazer um regime, cuide de si e deixe nossas famílias em paz!

O gordo no chão:

- Vou te provar Veiga! Você vai ser o primeiro a ver.

O padeiro imenso não perdeu tempo e encontrou seu contato interno da Xemox.

Queiroz estremeceu ao ler os documentos, as provas e dados eram horríveis demais.

Juntou a papelada e pensou em reunir o povo. Mas o pensamento instintivo o assaltou.

“Primeiro falarei com o Veiga”

Já sonhava com as desculpas.

O Veiga fechava sua loja, quando viu o gordo suarento chegar.

O Queiroz abriu a porta e disse:

- Precisamos conversar!

A loja estava vazia, o Veiga calmamente disse:

- Está bem! Só vou pegar minhas coisas.

Ele pegou o que lhe pertencia e entrou no carro do Queiroz.

Andaram pouco tempo até o rio da cidade.

O gordo desce do carro e Veiga acompanha.

- Tenho algo pra te mostrar...

Chegam em uma parte em que o rio é bombardeado por um líquido amarelo. O cano era pertencente à Xemox.

- Tá, e daí?

Diante da resposta de Veiga, Queiroz lhe mostra um monte de papéis.

Eram fotos de animais deformados, gráficos de contaminação, graus de envenenamento.

Veiga via seus sonhos ruindo.

Sua decisão estava tomada.

O Queiroz falava:

- A água nesse ponto e tão tóxica que dissolve qualquer coisa. Temos que falar com advogados, com a imprensa. Meu Deus! Estamos sendo envenenados por anos.

O Veiga pergunta:

- Dissolve qualquer coisa?

E arremessa os papéis no rio. O Queiroz desesperado grita:

- O que você fez?

E foram suas últimas palavras; Veiga puxou o revólver e o atingiu no pescoço.

A solução do sumiço de Queiroz estava em sua frente, sem pestanejar jogou o cadáver no rio.

Então o celular tocou.

Foi chamado às pressas ao hospital, sua mulher dava a luz...

Chegou sôfrego e logo acompanhava o parto. A mulher sofria demais.

- Eu não vou aguentar querido! Eu não vou aguentar!

E o Veiga segurando sua mão.

- Vai sim. Vai me dar um filho que vai me ajudar na loja. Vai trabalhar comigo, nosso menino.

O médico terminava o parto.

De repente o doutor estacou branco de medo e pousou o bebê na cama.

- Meu Deus.

O médico sussurrou e Veiga se aproxima. A mulher estava morta, estava tão esperançoso no bebê que nem notou.

Ele vê os pés perfeitos do filho. No meio das pernas a certeza do filho homem.

A toalha estava sobre o rosto, ele a retira.

Seu rosto era único.

A monstruosidade de seu rosto era única.

Veiga imagina o pequeno demônio espantando sua freguesia, imagina um gordo defunto sem lábios rindo no rio...

E sentiu-se único de notar a ironia de tudo...

Aproximou a arma da têmpora direita. Olhou pela janela as chaminés da Xemox.

Atirou.

Um bebê único chorava com boca inumana.

Raoni Barone
Enviado por Raoni Barone em 01/05/2009
Reeditado em 22/04/2017
Código do texto: T1569855
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