Batimentos Cardíacos

* O veneno turbulento que invade vossas almas *

Até onde as fraquezas influenciam nos seus medos, e infiltrando o terror no seu cérebro, dominam as suas vontades, criando o vício. Vício do medo. O fim da vida, que pintada foi com o vermelho do sangue.

...

"Ao entrar na casa ficou deslumbrado. Janelas, cortinas, lustres, escadas, portas e mais portas. Um senhor o acompanhou até a primeira porta...Sem saber o que tinha atrás entrou...Conduzido por Coswell, o velho mordomo da mansão Postman, ele avistou uma mesa repleta de comida. Sentado ao centro Mr. Postman deu as boas vindas ao rapaz, Julia a filha mais nova mostrou um belo sorriso. O garoto sentou na cadeira da ponta contraria a de Mr. Postman e serviu-se.Após ter sua fome saciada, o próprio Mr. Postman conduziu-o até o quarto onde dormiria. Subiram dois pares de escada, passaram pela sala de jogos, dobraram na escrivaninha, olharam pelo vidro quase tão limpo quanto a água do poço que se avistava lá de cima, na janela..."

....

-Saia do seu quarto! Vamos, seu pai está lhe chamando!

Interrompeu sua leitura e desceu as escadas, passo a passo. Ouvindo o barulho do isqueiro velho de seu pai que não funciona mais.

-Pronto...fala

-Sua mãe me falou que ontem você discutiu com ela...

-Onde você estava pai?

-Eu lhe fiz uma pergunta - diz o pai ainda tentando acender seu cigarro.

A mãe escorada atrás da porta, com os olhos cheios de lagrimas tenta ouvir a conversa, mas a forte dor nos pulmões faz com que ela busque descanso na cama de onde quase não sai à dois dias. Ela acredita que é uma de suas crises, acende um cigarro com o isqueiro que escondeu do marido em baixo da mesa, e continua chorando. Essa noite ela não chora de dor nos seus pulmões, talvez seja seu coração que esteja doendo.

O pai encerra a discussão, pega um casaco e grita da porta, ainda tentando acender o cigarro:

-Querida, eu volto pra janta. Vou até a casa dum amigo...

...

“- Você viu o corte que ele tinha papai? - Julia disse”.

-Sim minha filha, amanhã cuidaremos disso- Disse o pai, fechando os olhos para dormir..

Assim como dito. Na manhã do dia seguinte, Mr. Postman fez um curativo na cabeça do garoto. Andaram sobre a grama do pátio, colheram alguns frutos de árvores, sentaram então, no pé de um lago que por ali passava...tiveram uma longa conversa, embalada pelo canto dos pássaros. Tudo era lindo neste entardecer agradável. O garoto sorria sem motivos aparentes.”

...

Novamente sua leitura é interrompida...Ele decide então ver que horas são.. Seu pai custa chegar. Ele está cansado de esperar, vem se repetindo as noites em que seu pai dorme fora de casa, vai até o roupeiro pega sua jaqueta, verifica se a carteira de cigarros ainda esta ali...Passa a mão no dinheiro que esta em cima do balcão e sai pra rua. Se divertir, numa noite fria não é tão fácil assim.

Ele se encontra com seus amigos no centro da cidade. Sentam na calçada e contam suas moedas...Essa noite o dinheiro vai dar só pra algumas gramas e talvez alguns goles de vodka ou whiskey em algum bar vagabundo, espalhado pela rua..

Estão entre quatro e com pouco dinheiro. A medida em que a rua se esvazia e os carros vão para suas garagens a droga já não faz mais efeito .Precisam de mais...Precisam de mais! Ouve-se então, no escuro da noite uma conversa:

-Então vai tu primeiro...Mas cuidado para que ela não veja a tua cara né!

-Ta achando que eu sô otário? E vocês? Aonde que vão? Garanto que vão fugir!

-A gente te espera na saída da rua...Fica com isso – Retira a faca do bolso e entrega a ele...

-Ta bom, mas não vou usar...- Suas pernas estão tremendo, e não é de frio...

Ele parte em direção da ultima alma viva que se atreve a andar sozinha nas ruas. Talvez ela saiba o que vai acontecer. Ele se aproxima. Ela não sente medo. Ele da mais alguns passos. Ela fecha os olhos. Os corpos se aproximam, então quando estão quase tendo um contato, o jovem pede a bolsa e o relógio. Agitado ele dá um soco em seu frágil rosto. Caída no chão ela não sente medo. Sabe o que fazer, entregar a bolsa e o que mais ele quiser então pronto, sai viva.

Ele puxa a bolsa e ela não entrega, não fala nada, não grita, não chora...Ele tira a faca do bolso. Mesmo assim ela não sente medo nem entrega a bolsa...

Logo o sangue esta em toda calçada, ela caí com os olhos abertos...Ainda tremendo, talvez ela ainda não esteja sentindo medo... Ele pega só a bolsa e sai correndo, manchado de sangue e chorando...

-Porque tu matou ela!!

-A policia vai nos pegar cara...Eu vou cair fora...

-Hey! Vocês não vão me deixar aqui né? Pronto, eu to com a grana vamos nos divertir esquece dela e da policia...

Conseguem pouco mais que R$ 70,00 com ela. E a festa dura até o dia seguinte. O sol ainda não apareceu e sua cabeça esta estourando.Seus olhos parecem que vão explodir, sua barriga sente fome. As pernas tentam levá-lo de volta pra casa, sobre a fina neblina que cai na madrugada. Ele tenta se lembrar da noite passada. Apenas risos, sangue e um choro infernal surgem em sua mente. Entra lentamente para seu quarto. Sua cabeça não consegue pensar direito, para acalmar tenta ler um pouco, pois não sente sono...

...

"Da janela mais alta da mansão, ele via os flocos de neve que caiam no pátio.. Mr. Postman e Julia se aqueciam em volta da lareira, Coswell preparava o jantar. Lentamente o silencio o assustava. Passou a sentir medo da mansão. Havia dezenas de portas que ele sequer tinha entrado.

Olhos cuidadosos. Observava se havia alguém acordado. Todos dormiam, desceu pé por pé a escadaria...Passou pela janela, dobrou na escrivaninha...Os pés nus sentiram o vento gelado que entrava por debaixo da porta principal. À frente dessa uma outra. Fechada. Calmamente ele leva a mão até ela...A maçaneta é fria e pesada.

A porta se abre, nada ele vê. Este escuro, luzes apagadas. Da alguns passos e não sabe se tem fim ou não. Volta pro seu quarto, pensa em ir noutro dia. Pela tarde, na hora em que Mr. Postam for cavalgar com Julia talvez..."

...

Acorda com a luz do sol, que entra pela janela. São 11:45 da manhã, mais uma vez ele não vai a aula, come um pedaço de pão que achou no armário da cozinha e vai até o quarto de seus pais. Sua mãe esta dormindo, ao lado dela a cartela de calmante e antidepressivos esta vazia. O cinzeiro transbordando cinza e tocos de cigarro. Ao lado dela, um vazio...Mas o casaco que seu pai saiu na noite passada esta no chão. Ao voltar para sala, nota que seu pai esta no banheiro, vomitando. Na televisão as pessoas andam em conversíveis e conversam sobre atualidades no canal 3. Sentado ali, frente à TV, vê seu pai voltar do banheiro sem ao menos o notar. Passam-se ainda algumas horas até que ele sai de casa outra vez.

Com o dinheiro que sobrou da noite passada, fuma alguns cigarros e toma um copo de café no centro da cidade. É quase três e meia, daqui a pouco seus amigos estarão ali, é melhor estar ligado. Numa rua suja não muito longe de casa ele anda sobre a água verde que escorre do esgoto e contamina todos os bueiros. Milhares de vozes entram no seu ouvido. Milhares de sensações passam por seu corpo. Num destes becos encontra o resto da sua gangue. Fumando tocos de cigarros.. Andam até o fim da rua 7, entram numa casa abandonada, que é habitava por traficantes e usuários de droga, dos mais diferentes tipos, cheiros... Fumam alguns baseados, tomam um pouco de vodka. Sentem seus corpos cansados...

Não muito tempo depois, estão todos dormindo. A noite já dava seus primeiros sinais quando o jovem achou melhor voltar pra casa. Seus amigos continuaram ali dormindo.

-Onde você estava? Até essa hora na rua, você sabe dos perigos...

-O pai, sai daqui..

-Mais respeito comigo menino, eu sou teu pai!

-É, mas parece que nunca se importou dizer que é!

Deitada na cama a mãe grita:

-Parem...eu estou com uma dor de cabeça horrível!

O pai volta a assistir TV, o filho volta a ler, a mãe volta a cama.

"’Acordar nesses dias de inverno é tão ruim’. Pensava ele saindo da cama junto com o sol, que saia de trás das colinas. Coswell serviu o café da manhã, Mr. Postman desceu as escadas coçando a barba, enquanto Julia passava manteiga no pão.

Perto do meio dia, foi olhar o trabalho do jardineiro. A tranquilidade com que ele cortava flor por flor, sem esquecer de nenhuma.No meio da tarde tomou banho na piscina.

Enquanto tomava banho viu que estava sozinho na mansão. Mr. Postman fora levar sua filha para cavalgar.

Aproveitou a brecha para entrar na porta. A mesma porta escura que ele tinha entrado, agora era clara, até de mais seus olhos forçavam, mas não enxergavam nada...

Apenas o semblante de alguém...Sentiu vontade de ir la, mas ouviu passos e achou melhor voltar...

O jantar foi calmo, assim como tinha sido toda a semana..."

No meio da madrugada, ouviu passos vindo da sala...O barulho da porta se abrindo e uma tosse rouca...ele conhecia aquela tosse, era seu pai. Saindo ás quatro da manhã?

Entrigado com isso, não conseguiu dormir...Com isso, voltou para a rua.

A fria cidade dormia, e apenas os gatos andavam aquela hora na rua. Voltou aquela mesma rua imunda e la ficou, conversando com algum drogado e compartilhando seringas, canudo, cigarros, copos...Sente uma forte dor no peito e fecha os olhos...Ao abrir nota um grande corte na sua cabeça... Feito no tombo se levanta do canto imundo que estava, vomita durante minutos e lava seu rosto na água suja do banheiro.

Na volta, perto de casa a alguns metros apenas... Avistou uma pessoa caída no chão...

Seguiu a trilha de sangue feita na rua...Ao chegar pertos suas pernas tremeram, viu seu pai ali, no chão.

Sem saber o que fazer foi até sua casa, avisar sua mãe. Ela estava morta no quarto. Com a mesma faca que ela matou o marido traidor, ela tirou sua própria vida.

Caído no chão sem amparo e sem pra onde ir, ele chora enquanto o sangue escorre.

Corre até a casa de um de seus amigos, o encontra morto na frente de casa...Um vulto negro passa na sua frente. Atrás da arvore. Do lado. Sobre sua cabeça. Atrás da lixeira. Na porta...

O medo toma conta...Corre sem direção nenhuma e acaba no centro da cidade...

Encontra apenas pessoas mortas e ensangüentadas no chão. O vulto passa novamente por ele.

Ele dobra a esquina, vai até o bar, tenta entrar, mas a porta esta fechada...Pula a janela e encontra mais mortos.

Enfim esta num beco sem saída. O vulto o persegue...Ele tenta se esconder, agora o seu corpo todo treme. Ele tenta gritar, mas a sua voz não sai. Sente que já não respira mais. E o vulto o atinge...

Não escuta mais nada... Não enxerga mais nada...Apenas o branco.

Lembrasse então do livro que não terminara de ler..

“Então Mr. Postman deixa que o garoto volte para casa... Sua mãe esta no hospital e seu pai fugiu de casa com a amante... o Garoto torna a escrever seu livro no quarto....”

Um barulho atrapalha toda sua mente...Finaliza qualquer atividade...

Aos poucos nota que o barulho se transforma numa campainha...Que ele mesmo toca...

Numa mansão, tão grande quanto a dos filmes que tinha visto, não sabe da onde veio...Nem o que faz ali...Não tem lembrança nenhuma...A porta se abre...Um velho o recebe e o convida pro jantar...

Reny Moriarty
Enviado por Reny Moriarty em 14/05/2009
Código do texto: T1593366
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