O ALCANCE DA TEIA

A cabeça do rapaz pesava sobre a folha de vidro temperado que revestia o mogno envernizado da mesa. Seu rosto pressionava os botões do teclado do computador, os dedos da mão direita, embora entorpecidos, prendiam o corpo cilíndrico e metálico de uma esferográfica de tinta preta.

A madrugada já havia iniciado o seu reinado há algum tempo e a ampla sala encontrava-se completamente às escuras, nenhum dedo desesperado pela força da eletricidade tocara a superfície fria de um interruptor perdido.

Nem mesmo durante as horas em que o sol brilhara forte lá fora, a luminosidade havia ousado espalhar a sua presença naquele ambiente, na verdade, não existia diferença entre dia e noite, não havia limites, apenas o vazio total e absoluto, uma existência perdida dentro da própria essência.

Seria possível atribuir preço a uma vida?

Espere, não se apresse em responder, não me refiro a uma simples aquisição mercantil, não, longe disso, quero destacar os pontos que são levados em consideração ou que são desprezados quando o assunto diz respeito à busca incessante dos objetivos os quais vocês são doutrinados a alcançar desde que nascem.

Muitos indivíduos da sua espécie tentam responder a pergunta que talvez seja a mais antiga e pertinente que rodeia a sua existência: Qual o sentido da vida?

E posso adiantar que, embora não admitam, vocês buscam realização, sucesso e principalmente dinheiro. Sim, as mães quando encaminham seus filhos à escola afirmam com todas as letras que o estudo é necessário para que no futuro a criança consiga um bom emprego.

E para que precisariam de um bom emprego? Lógico, visando a realização profissional, logo, o dinheiro. Trocando em miúdos, o sentido da vida para os da sua espécie está bem definido: conseguir a maior soma de valores que for possível, e para isso, muitas das vezes não medem as conseqüências.

O rapaz que está inerte diante de mim sempre pensou exatamente desta forma, e posso até dizer que ele se saiu bem na sua escalada, mas como todos, também fechou os olhos para o óbvio, para os fatos.

Há muito vocês esqueceram dos indícios, não se apegam mais ao que

deveriam e interpretam errado o que deveria ser tão simples. Obviamente são cientes de minha existência e sabem que posso agir nos bastidores para corrompê-los à minha causa. Só não percebem que estou cada vez mais presente e cada vez mais adaptado às suas necessidades.

Articulo os meus braços como os fios lançados por uma aranha, espalhando as armadilhas para capturar aqueles cujas almas me servirão de alimento, não em morte como vocês podem imaginar, mas em vida, hoje, já, de forma inconsciente e irreversível, o que torna o meu trabalho perfeito.

Afirmo com todas as letras que atinjo um número cada vez maior de adeptos, todos alheios a minha presença. Domo suas vontades, os doutrino e os deixo totalmente dependentes, a ponto de vocês, cada vez mais, enxergarem como impossível à vida sem mim.

Meus. Todos meus. Infelizmente ainda não fui capaz de tocar todos os viventes nesse mundo, mas, creio que tudo isso seja questão de tempo. Sabe por quê? O meu maior trunfo é a sua ignorância, quanto mais me ignorarem, melhor.

Até mesmo o que indicaria a minha chegada definitiva vocês trocaram, para minha sorte. 666. Esta seria a marca da minha presença entre vocês, no entanto as linhas estão, de fato, mal traçadas, não condizem com o meu propósito, com o objetivo que tracei, estender uma teia para buscar o meu alimento alcançando todo esse mundo decadente.

Estou espalhado por aí, em todos os pontos, e em muitos outros ainda estarei. Se vocês compreendessem que na verdade a minha marca seria algo mais parecido com www talvez tivessem uma chance...

O tempo corre e estou cada vez mais próximo do que quero, senhor absoluto da nova ordem mundial. Você sabe quem sou e agora como ajo.

O que você está fazendo agora?

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 17/07/2009
Reeditado em 25/11/2009
Código do texto: T1705262
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