GUILHOTINADO

O homem vive para infernizar a vida da patroa. Dia e noite a atormenta. Sempre arruma algo para deixá-la nervosa. Logo no café da manhã derruba café com leite na toalha limpa. A patroa na sua paciência seca tudo e troca a tolha. Ele vem com a lengalenga de que as suas mãos estão com problemas de coordenação motora. Ela acredita?!Bem?! Ela o desculpa?! Após 63 anos de casados, o tal, adoece de verdade! As mãos estão trêmulas. Implora para que ela o ajude. Ela também é marcada pelo tempo. Devagar com passos lentos ergue o cobertor do marido. Sua irmã mais nova a visita. Conversa vai, conversa vem, lembranças do passado, se tornam inevitáveis. A mais jovem faz a pergunta fatal: Como você agüentou esse homem por tanto tempo? Ele a fez de escrava! Você nunca reclamou!Cheguei a preparar em sonhos poções mortais para o filho do demo. Outra vez, o vi subindo ao cadafalso e bati palmas ao ver sua cabeça rolar. No sonho o peste não era ele, mas, o próprio Pelletier perdendo a cabeça. Uma multidão assistiu! Alguns choram! Outros aplaudem! Outros escondem o rosto! Eu e você rimos. Rimos muito. Sem dúvida, vimos o final da praga. Um gozo mórbido percorreu nosso cérebro. De repente, você se torna o verdugo. A multidão ao redor do patíbulo ri e se parecem com hienas! Minha querida irmã pare! Foi um sonho! Não se preocupe mais comigo! Não se preocupe! Ele vai viver muito, e vou vê-lo a cada novo dia precisar mais e mais de mim. E vou vê-lo suplicar a minha ajuda. Sem ser o verdugo vou estar aqui para vê-lo perder a cabeça e a calma ao suplicar ajuda. Ele que nunca implorou ou pediu desculpas. Afinal, fui paciente e espero há 63 anos para isso acontecer.