DEVOLVAM O QUE ME PERTENCE

À noite nos conta estórias misteriosas que nos remete ao mais sombrio cômodo da nossa mente. E lá se processa os mais temíveis sentimentos que a alma humana pode exalar. Nossa mente sempre vai temer o que não conhece, e vai criar as mais espetaculares imagens e fantasias a respeito daquilo que se ouve. Então, assim que o sol nasce e nos glorifica de movimento e luz ao longo do dia, a noite chega e nos leva ao silêncio das sombras e à paz das trevas.

Fernando, Roberto e Duarte eram três amigos muito brincalhões, estavam de férias numa cidade do interior. Ficaram hospedados na casa de uma tia velha e solteira, que passava mais tempo na igreja do que em casa. Era uma cidade pequena, com poucas opções de diversão. Sendo assim, eles acordavam tarde, iam para a praça da cidade, ficavam por lá um bom tempo. Depois iam almoçar em um restaurante e acabavam jogando sinuca e bebendo até o entardecer. Quando caia a noite, eles iam para a casa, tomavam banho, jantavam de depois saiam de novo, para os botecos na região. Esta era a rotina desses três amigos.

Certa noite quando saíam de um boteco, um deles cismou de ir ao cemitério. “Vamos, é o único lugar desta cidade que ainda não conhecemos”. Os outros recusaram a oferta. Mas o seu colega estava convicto em ir e acabou convencendo-os. O cemitério ficava um pouco mais afastado do centro da cidade, na saída norte. Estavam bêbedos, tomaram todas e foram ao cemitério. As ruas estavam desertas, alta noite já se ia, ninguém na avenida andava apenas os três. Cambaleantes, falantes e algazarras, assim era o clima em que estavam até perceberem que haviam chegado à porta do cemitério. Era um lote murado, o muro feito de pedras, muito mato, um portão de ferro antigo e bem trabalhado, mas que o tempo já sugeria sua idade. Estragado, fazia mais papel de figurante do que parte do edifício. O visual não poderia ser mais assustador, as lápides desenhavam um motivo macabro junto com as cruzes e tumbas. Havia uma capela bem ao fundo, estava mal conservada, as paredes caindo, um aspecto muito ruim. Os três chegaram e dois deles já cismaram de entrar. O mais entusiasmado foi logo entrando, tipo como não tivesse medo de nada. “Hei gente, vocês estão com medo?” Falando isto, ele adentrou mais no cemitério. O visual era marcado por penumbras, a noite sem lua mal dava conta de entregar aos olhos qualquer coisa mais visível. De repente o vento não soprou mais, o silêncio dominou a cena, nada se movia ou fazia ruído, tudo era paz, paz nas trevas. Os dois que ficaram na entrada do cemitério ouviram um barulho vindo lá de dentro. Gritaram pelo seu colega e nada. O barulho aumentava, parecia alguém forçando e tentando tirar alguma coisa de madeira, pois o barulho entregava a consistência da coisa. Começaram a tremer de medo, pois na escuridão em que se encontravam, não dava para ver nada. Chamaram o colega e este não respondia, começaram a imaginar coisas. Passaram alguns minutos e o barulho cessou. Agarrados um ao outro com os olhos esbugalhados, tremiam feito vara verde;

- Maldita hora que topamos vir aqui, resmungou um deles. Sem se fazer perceber sua presença, o colega que havia entrado no cemitério aparece, de repente, por detrás dos dois que aguardavam na porta e prega o maior susto neles. Estes por sua vez saem em disparada e o outro fica a dar gargalhada. Passou até mal de tanto rir. Assim que se refizeram do susto, perceberam o colega que estava ainda rindo da brincadeira. Voltaram zangados, xingando e o outro curtindo à vontade. – Puxa vida, disse um deles, você quase matou a gente de susto. Que brincadeira é essa? Todos estavam tontos, mas depois que tudo aconteceu, já estavam refeitos dos efeitos do álcool e do susto. Então perceberam que na mão do colega que entrou no cemitério havia uma cruz e perguntaram o que era aquilo. Ele arrancou a cruz de uma tumba, bem ao fundo do cemitério, para assustar os outros. Censurado pelos amigos, ele insistiu em levar o objeto para casa, contrariando os outros dois colegas. Ele ainda estava tonto, pois não tomara o susto. Insistiu e levou para casa.

Chegaram em casa quase amanhecendo, o sol já atingia a terra com seus primeiros raios. Entraram e foram para o quarto e deitaram. Enfim, apagaram.

O dia passou e nenhum deles conseguiu acordar antes da janta. O relógio da igreja badalava as dezoito horas do dia e então o primeiro deles foi acordando. O resto foi em seguida. A tia vendo aquele movimento diferente questionou-os sobre o assunto. Disseram ter bebido até tarde e perderam a hora de voltar. Com isso acabaram chegando pela manhã, estando muito bêbedos, dormiram até tarde e acordaram naquela hora.

Sem dizer nada, a velhinha sai para o seu quarto e eles ficam na cozinha, jantando. Fernando pergunta a Duarte sobre a cruz. Este fala que vai ficar com ela de lembrança. Os outros não aprovam a idéia de Duarte, mas nada poderiam fazer. Às vinte horas eles saem e vão jogar sinuca. Não bebem, pois a ressaca do dia anterior estava viva na memória e no fígado. Ficaram até as vinte e duas horas no boteco, horário este que fez com que o dono já fosse fechar as portas. O bar fechou e eles resolveram voltar para casa. Ao olhar em redor deles, perceberam que as ruas estavam desertas, não havia ninguém mais pela cidade, apenas as luzes fracas nos postes e aquela densa neblina que havia descido sobre o vale. Fazia frio. Perceberam serem os únicos transeuntes. Foram para casa. Chegando em casa, todos estavam sem sono, foram para a cozinha jogar conversa fora ao pé do fogão de lenha. Fernando contou um historia que acontecera com um conhecido do emprego, cujo futuro não fora muito promissor. O pendulo do relógio da sala soou vinte quatro ou zero hora quando se ouvia, de dentro da casa, a voz do vento que assobiava lá fora. De repente batem à porta da casa. Os três param a conversa e se entreolham interrogativos. Quem seria naquele horário? Um deles levantou e foi até a porta. A batida se repetiu. Ao chegar à porta, Duarte abre-a e um vulto se forma em sua frente. Um mau cheiro chocou-lhe a face, um fedor de carne putrefata se espalhou e aquela forma humana decomposta ofuscada pela sombra perguntou-lhe: Onde está?

Duarte ficou alguns segundos parado, olhando o vulto, fechou a porta e entrou.

Estava com semblante tão pesado e pensativo, que chamou a atenção dos colegas. De novo bateram à porta. Os outros dois perguntaram se ele não tinha atendido à porta, mas antes que respondesse, bateu de novo. Os três foram até a porta e abriram-na. Lá estava o vulto mal-cheiroso e perguntaram a ele o que ele queria. Ao responder, o mau cheiro se tornou insuportável, e ele falou nitidamente: - Devolvam o que me pertence. Foi uma voz gutural, sufocada, tremula e fatigante. Assustados com o que estava acontecendo, os três se entreolharam e ficaram perplexos. O vulto continuou a pergunta: - Eu vim pegar o que você me roubou. E apontou para Duarte. Os outros dois ficaram admirados e aterrorizados com a situação. Duarte começou a tremer, não sabia o que se passava. E a voz repetiu: a cruz, a cruz. Instantaneamente lembraram da visita ao cemitério. Não deu outra, os três saíram correndo para fora da casa gritando como loucos.

Quando você estiver passando por uma cidade do interior, à noite e o vento soprar forte, fatalmente ouvirá gritos, os gritos dos desesperados.

Jackro
Enviado por Jackro em 14/11/2009
Reeditado em 03/12/2009
Código do texto: T1923428
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