Estranho Funeral

Os membros masculinos de sua família sempres foram membros daquela seita secular.

Ele pouco sabia sobre ela e nem tinha interesse.

Se preocupava mais com outras coisas, aos olhos de seu pai, menos importante.

Isso deixava seu pai um tanto quanto decepcionado, pois ele era seu único filho, dentre uma prole de seis.

Todas moças lindas e extremamente inteligentes, mas sem a possibilidade de continuar o nome da família dentro da seita.

Seu pai tinha se esforçado muito para chegar ao posto máximo dentro organização local da seita.

De tanta insistência por parte de seu pai ele vai conhecer e tentar se convencer de que deve fazer parte do círculo.

Apesar da recepção calorosa, sentiu que algo ali estava errado. Algo não se encaixava com o que era ensinado e o que era vivido pelos seguidores.

Aparentemente eram bons homens, mas sua intuição nunca o enganara.

Seu pai era muito respeitado e reverenciado por todos.

Era mais que respeitado, era temido, era venerado pelos outros seguidores da seita. Isso o assustou.

Frequentou algumas reuniões, chamadas de sessões brancas, mas sempre soube que existiam reuniões onde só os "iniciados" podiam estar presentes, e isso o deixava intrigado.

Deixou de ir. Seu pai se sentiu contrariado. Mas não fez nada contra, apenas aceitou.

A vida continuou normalmente.

Seu pai que já não era jovem foi acometido de um infarto que o deixou em uma UTI por alguns dias, e depois em um quarto de hospital.

Numa tarde de visita, ele vai visitar o pai.

O pai não pareceu muito bem, e pediu para ficar sozinho com ele.

Ele se aproxima, seu pai olha em seus olhos e agradece por ele não ter se "iniciado" na seita. O filho não entende o porque.

O pai apenas pede para ele não tentar entender, pelo menos não agora.

Apenas diz que tudo começou há muitos séculos com um antepassado muito distante, e que era hora de terminar ali.

Informa também que na gaveta da mesa de seu escritório, existe uma carta e que ele deve prometer que somente a lerá caso ele faleça.

Ele promete ao pai.

Acaba hora de visita. Ele se vai. Seu pai faleceu naquela noite.

Ele vai até o escritório do pai e pega a tal carta.

Na carta seu pai pede desculpas e novamente agradece por ele não ter entrado e ter quebrado o círculo da família na seita.

E pede para que entregue uma outra carta ao vice lider da seita, que assumiria temporariamente após sua morte.

Ele aegue as ordens do pai sem saber exatamente o que o espera.

Ao entregar a carta ao vice lider ele ve no rosto do outro homem se desfiguar.

Um misto de pavor e desespero toma conta do vice lider.

- Tem certeza que quer fazer o que seu pai pede nessa carta?

Assustado mas sem pensar muito, a resposta vem rápida em seus lábios:

- Sim, quero, seja o que for.

- Tudo bem, você poderá assistir ao funeral de um líder da seita, no caso, seu pai.

Ele sempre soube que quando um membro da seita falecia eram feito dois serviços funerários, um com os familiares e amigos, outro somente com a seita e fechado a quem não era membro. Teve medo do que veria.

Ele já havia ghorado muito a morte de seu pai, que apesar de tudo eram muito ligados.

Precisava de coragem. De força.

Foram buscá-lo em casa. Chegando na sede onde seria feito o funeral. O clima tenso, cheiro de velas misturado com insenso adocicado e um outro cheiro muito forte que ele não soube definir o que era.

Todos na sala usavam uma roupa preta com capuz, e ele recebeu um também e o vestiu.

O vice lider dirigiu as palavras. Alguma frases em uma língua que ele achou ser latim.

Algumas frases eram repetidas pelos membros, mas o instruiram a não fazer o mesmo.

A cerimonia toda durou em torno de 40 minutos.

Após isso, o vice lider instruiu a todos a colocarem o capuz cobrindo toda a cabeça e sem orificios que permitissem alguma visão do que ocorreria a seguir.

Silêncio total. Se ouvia apenas a respiração de todos na sala. Sentia se um medo escondido.

E aquele cheiro forte que se misturava ao insenso foi se intensificando até se sobrepor e toamr conta do ambiente.

De repente um grito de dor e desespero.

Ninguém se move.

Ele sente suas pernas tremerem. O medo aumentando. Gemidos.

Ele reconhece que aquela voz, gritos e gemidos são de seu pai.

Mas não pode ser, não pode ser;

Num golpe ele arranca o capuz e vê o que nunca devia ter visto ou vê o que seu pai queria que ele tivesse visto.

O pãnico o deixa imobilizado.

Na sua frente a arca funerária onde está o corpo de seu pai.

Três vultos negros pairando acima dele sugam algo do corpo, que ele entende ser a alma de seu pai desesperada.

À volta todos mantem as cabeças encapuzadas sem movimento.

Ele volta seus olhos para o centro da sala e vê um vulto maior de aparência aterradora, e esse vulto olha fixo para aquele espectro de seu pai e diz em tom de sussuro mas que ele conegue entender claramente:

- Na iniciação você fez a troca, nada mais justo, só estou buscando o que me pertence, minha parte eu cumpri. Vamos.

Ele sente o suor escorrendo pelo seu rosto. Vê seu pai olhando para ele e sinalizando para que recoloque o capuz. E antes que o vulto percebe, ele está encapuzado e de cabeça baixa.

Rajadas de vento tomam conta da sala.

Novos gritos, gemidos e sons que ele nunca havia ouvido.

De repente, tudo calmo, paz, silêncio e a voz do vice lider pedindo para que retirem os capuzes.

Ele olha para o corpo de seu pai, sabe que ali só existe um corpo vazio.

E uma corrente quebrada.

No dia seguinte, o enterro foi feito.

O vice lider estava lá e no final se aproximou dele, o abraçou e expressou seus sentimentos.

- Admiro muito seu pai, ele nunca quis que você entrasse para a seita. Ele era forçado a insistir com você.

Existem trocas que nunca podemos fazer. Não há como voltar atrás.

Meu filho será iniciado semana que vem.

Não sei o que você viu no funeral, mas sei que viu.

Só não conte nada a ninguém, é assim que seu pai queria que fosse.

Ele retribuiu o abraço mas não soube dizer nada.

O vice lider saiu, se despediu com um sorriso cheio de dor e saiu.

Ele sentiu muito por seu pai, mas sentiu se aliviado por não ter entrado, exatamente como era o desejo de seu pai.

Deixou o cemitério e foi para casa.

A vida continuaria.

Paulo Sutto
Enviado por Paulo Sutto em 24/01/2010
Código do texto: T2047403
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