Sinais da Morte

Toca o sinal do fim do expediente.

Embora estridente, soa como música aos ouvidos dos funcionários esgotados do árduo trabalho nessa metalúrgica.

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Empresa situada numa região de comércio forte durante o dia, e prostituição, miséria e drogas durante a noite. Empresa antiga, e mesmo num prédio em ruínas, em meio seus corredores escuros, seu conceito no mercado era bem satisfatório.

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Com tamanho crescimento nos negócios, o sinal não é tão agradável para Julio e Alencar, que ficarão além do seu horário para cumprir todas as tarefas do dia.

As luzes do escritório foram apagadas, e um terço das luzes da fabrica também, para fins de economizar energia.

E pela noite adentro seguiam Alencar, o encarregado, e Júlio, o operador de maquinas, em seu oficio à espera do 3º turno – O turno fantasma – uma piada comum.

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Nessa fábrica havia muitos causos e relatos de pessoas que viram assombrações e sentiram presenças do além.

Diz-se dos espíritos que se apegam muito à um lugar ou objeto durante a vida, não consegue se libertar após a morte, e fica vagando pelos lugares, a todo tempo, sofrendo e causando o horror nas horas mais silenciosas, onde nossa mente está mais atenta aos sinais.

Essa empresa, com seus mais de 80 anos, já teve muitos funcionários, que não só se apegaram ao trabalho, mas que também tiveram dedos, mãos e até braços mutilados nas maquinas, sofreram maus tratos e humilhações de seus superiores, alimentando um grande ódio, enchendo esse lugar com uma carga negativa e juras de vingança.

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Na verdade, o encarregado Alencar nem precisava ficar além do horário. Era velho e até já estava aposentado, mas sua obsessão e falta de confiança nas pessoas não deixariam um funcionário trabalhar sozinho. Sempre querendo mostrar serviço, era um dos funcionários mais antigos e mal agourados dali. Com sua carranca cheia de olheiras, alto, e aspecto sempre cansado esse já parecia um morto vivo.

Júlio, com pouco mais de cinco anos de registro, suportava os abusos e engolia os mais diversos sapos em prol de sua família, recém-formada, com uma jovem esposa e uma filha que desfruta de poucos meses de vida. Era jovem e forte, trabalhava muito bem, mas nunca o bastante para Alencar.

Nessa noite, após 2 horas de trabalho interrupto, Júlio precisou ir ao banheiro, um dos lugares mais afamados por ser assombrado a noite. Ele subiu as escadas escuras com certa dificuldade em achar os degraus enquanto relembrava alguns relatos macabros...

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Muitas noites seguintes a que Sr. Osvaldo morreu enforcado nos fundos da fabrica, ninguém conseguia trabalhar. A partir das 18 horas eram insuportáveis os gritos e gemidos de agonia. Alguns chegaram a vê-lo, com sua corrente, pescoço caído no ombro, o sangue escorrendo pelo nariz e sua língua exposta em contraste com os olhos esbugalhados. Nessa época a empresa quase foi à falência, devido aos funcionários sua grande maioria, terem pedido demissão, ou simplesmente desaparecido.

Ouve também um assassinato, logo nos primeiros anos de fundação, que foi encoberto pelas autoridades a mando do antigo presidente da empresa, e até hoje é um grande mistério. Tudo que se sabe é que certa manhã encontraram o corpo de uma garota de programa que era famosa por estar sempre a servir os homens que ali trabalhavam a noite. Ela estava esquartejada e cada pedaço fora guardado em uma porta do vestiário.

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Júlio abriu a porta e tateou a parede para achar o interruptor... Apertou-o, mas a luz não ligava. Então resolveu por fazer suas necessidades no escuro mesmo. Enquanto fechava seu zíper, escutou um vaso de plantas se espatifar na escada. Assustado, bateu a porta e correu com dificuldade até se deparar com um par de olhos brilhantes, parados no canto a observá-lo. Movimentando-se, agora lentamente atento, sendo seguido por aqueles enormes olhos amarelados, ele tentou novamente ligar a luz, que dessa vez ascendeu, cegando seus olhos, que apenas pode ver um vulto preto passando perto de seu pé, provocando um estranho arrepio. Quisera Júlio acreditar que era um gato perdido. Tinha que ser um gato, o que mais poderia ser?

Ainda abalado, retornou ao seu oficio, agora com um copo de água na mão. Alencar se aproximou, com seu olhar taciturno e sua voz grave, e questionou o que havia acontecido. A face de Júlio não negava o susto, estava lívido e tremulo, mas ainda assim negou qualquer eventualidade.

Prosseguindo sua jornada, se envolveu, e em pouco tempo já estava recuperado, e trabalhava tranquilamente. Horas se passaram, e a luminária sobre sua maquina começou a falhar e então se apagou.Só então que Júlio notou a ausência de Alencar. A ultima vez que o vira, estava a subir as escadas rumo ao banheiro. Algum tempo passou, mas a idéia ainda preocupava a cabeça de Júlio, que mesmo não gostando de seu encarregado, não o desejava mal.

Embora Júlio fosse um homem forte, era supersticioso, e estava novamente abalado em meio as lembranças dos causos ouvidos, e a experiência que tivera naquela noite.

Resolveu ir atrás de Alencar. Enquanto atravessava a fabrica, com aparência ainda mais sombria com o cair total da noite, ele observava cada canto naquela penumbra. Não sabia se era sua imaginação, mas um zumbido tomava conta daquela fabrica gelada, o vento parecia entrar em cada mecha de seus cabelos e correr sua espinha. Cada canto que olhava, visualizava sombras estranhas, ouvia barulhos como se tivesse operadores nas maquinas. Júlio e Alencar não estavam sozinhos.

Aos poucos, Júlio foi sendo tomado pelo pânico, em passos cada vez mais largos, parecia estar sendo seguidos, ele ouvia rangido das portas, ouvia algo se arrastando atrás dele. Mas ele não iria olhar para trás, aprendeu desde criança com seu velho avô, pai de santo, que não importa o que aconteça, nunca olhe para trás, nunca olhe em espelhos ao soar da trindade, e não procure por algo que você não quer ver. Nesse ultimo mandamento Júlio falhou.

Correu em direção ao banheiro novamente. Titubeou em frente a escadaria. Subiu lentamente... Notou a porta fechada, mas a fresta permitia ver a luz acesa. Ele bateu na porta, e não foi atendido. Novamente bateu, com mais força, e enquanto a porta se abria devagar ele tentava controlar a respiração. Alencar estava frente a Júlio, com uma expressão de desespero e dor, tentou balbuciar algo, mas não teve sucesso, declinou e desabou, tendo sua cabeça rolando escada abaixo.

O pânico tomou conta de Júlio, ele tentou correr, mas suas pernas travaram, e uma força maior o arrastou para o banheiro, bateu a porta e a trancou. A luz piscava incessante, e as portas do armário abriam e fechavam, batendo com força, fazendo um barulho metálico insuportável, e de cada porta foi saindo um membro da moça esquartejada, em direção a Júlio, um braço carregava a cabeça, com seus cabelos loiros cheios de sangue, sua face sem olhos, mutilada e decomposta. As descargas dispararam, enquanto Júlio, quase sem voz, chorava e gritava, sem entender o que acontecia, tentou sair daquele lugar, juntando as forças que ainda restavam, arrombou a porta, até que notou que o corpo de Alencar não estava mais lá. Horrorizado, correu para descer as escadas, tropeçando em seus próprios pés, rolando escada abaixo. Tudo que viu foi a cabeça de Alencar recostada à mão da moça, viu um teto preto e sombras a buscá-lo.

No dia seguinte, o presidente foi o primeiro a chegar à empresa. Com seu casaco preto, e seus olhos amarelados e brilhantes, fitou Júlio caído nas escadas, comunicou o delegado local, que tratou de sumir com o corpo em poucos segundos.

Um aviso foi colocado pela 3ª vez na porta do banheiro: Não usar a noite. Grato. A Presidência.

O presidente, educado, transita pela fabrica e cumprimenta saudosamente seu antigo funcionário Alencar.

Toca o sinal do inicio do expediente.

Estridente, soa triste aos ouvidos dos funcionários que se preparam para mais um dia de árduo trabalho nessa metalúrgica.

Poetisaflor
Enviado por Poetisaflor em 28/04/2010
Código do texto: T2224611
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