Pandora

Ela estava bem ali, ao seu alcance, mas, quem disse que ele iria ter coragem de ir lá e encará-la? Alessandro era mesmo um grande medroso, sabia disso e não se sentia muito feliz por estar perdendo uma chance de esclarecer o que havia visto. Puxa vida, o que ele achava que ela fosse fazer? Quebrar o pescoço dele na frente de todo o mundo.

Alessandro de repente baixou a cabeça e se concentrou no refrigerante e na revistinha em quadrinhos sobre a mesa. Pandora havia olhado em sua direção. Por um segundo, mas havia olhado e estreitado aqueles olhos pretos e esquisitos, como se soubesse o que ele estava pensando. As mãos de Alessandro começaram a suar como o inferno e a tinta das páginas estava grudando na ponta dos seus dedos.

Ele disse a si mesmo que ela não seria louca de atacá-lo na cantina lotada como estava no momento do almoço. Nem que ela fosse capaz de abrir uma cratera no piso e invocar demônios cor de sangue, banhados em sangue...

Deu um chacoalhão mental em si mesmo. Covarde, covarde, covarde.

- Ei, cara, você está ficando verde.

Olhou para o lado e redescobriu que não estava sozinho naquela mesa. Marcos e Otávio o encaravam como se esperassem que ele fosse vomitar as tripas a qualquer momento.

É, pode ser que eu vomite elas. Quando ela começar a quebrar o meus ossos.

- Agora, ‘tá ficando roxo. ‘Cê ‘tá legal, cara?

- ‘Tô, ‘tô sim, Marcos. Cala a boca e come essa porcaria.

Marcos mordeu o sanduíche de pasta de amendoim, salame e queijo branco e mastigou lentamente, saboreando cada partícula dentro de sua boca cheia de pereba.

- Ai, que nojo! – disse Otávio – Acho que vou vomitar!

Ele virou para o lado e pos a língua para fora.

- Chega, gente!

- Afinal de contas, o que é que você tem hoje, hein?

Alessandro sugou o resto do refrigerante e catou sua revista, levantando-se.

- Aonde você vai? – perguntou Marcos, pedaços de pão melecado caindo na mesa.

- Vou no banheiro. Posso?

- Sei lá, desde que você não resolva se embebedar na água do vaso...

- Cala essa boca, Marcos, eu tenho que pensar, droga!

Quando Alessandro se virou para sair da cantina, tinha certeza de que os dois estavam sinalizando entre eles, afirmando que ele estava doido de pedra.

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No outro lado da cantina, bem menos cercada de gente, Pandora também se levantou para ir embora.

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Ele não a ouviu se aproximar, mas, de alguma forma, teve coragem bastante para se virar quando a lata de lixo se espatifou na parede atrás dele.

- É Alessandro, não é?

Depende, ele pensou, você vai me matar se eu for?

- Sou eu mesmo – ele respondeu, falando muito mais baixo do que o seu normal.

Ele ouviu os passos dela, ela ia se aproximar e matá-lo se ele se virasse.

- Vire-se – ela mandou.

- Pra quê? – ele quis saber.

Ela suspirou, impaciente.

- Você geralmente conversa com as pessoas de costas para elas?

Só quando elas me matam de susto... posso correr delas quando não aguentar mais.

- O gato comeu a sua língua? – ela perguntou, sua voz muito perto do ouvido dele.

Corre, corre, corre!

Alessandro deu um impulso, sentindo as costas molhadas de suor. Pro inferno que ele iria encarar a criatura!

- Aonde você pensa que vai? – disse Pandora – Volte aqui!

Ele a ouviu praguejar e não resistiu em olhar para trás.

O que viu, parado no meio da rua deserta quase o fez alçar voo.

A menina estava ficando cor de pedra, cinza, cheia de rachaduras e ele viu pedaços da cara dela caindo na calçada.

Ele correu ainda mais, os joelhos quase batendo no estômago. Ele nunca devia ter saído da escola mais cedo.

- VOLTE AQUI! – uma voz grave e poderosa gritou para ele.

AimeuDeusaimeuDeusaimeuDeus...

Ele virou a esquina, derrapando numa caixa de correio, sentindo os pés batendo dolorosamente no chão. O som de coisas quebrando vindo logo atrás dele. Uma olhada rápida por cima do ombro e...

Ela estava voando, tinha asas de pedra, era toda de pedra e, Deus, ela havia arrancado um pedaço da quina do prédio.

- VOLTE AQUI!!!

Alessandro começou a chorar e as malditas lágrimas estavam impedindo-o de ver para onde ia. Ele tropeçou e foi rolando e rolando, descendo a rua e ele só esperou ser esmagado pelas rodas de algum carro antes que aquela coisa o pegasse e o fizesse em pedacinhos, bem lentamente.

Bateu com toda a força numa parede, pedaços de reboco caíram em cima dele. Um som de osso quebrando mal o incomodou, mas quando tentou levantar era como se tivesse deixado um pedaço do corpo no chão. Mesmo assim, voltou a correr, reconhecendo o estacionamento velho e escuro.

A coisa voadora, monstruosa, entrou planando pela abertura, como um pterodátilo, tirando um fino das paredes e pousou com um estrondo.

- ONDE ESTÁ?

Ele se engasgou e caiu no chão.

- ONDE ESTÁ? – perguntou a criatura, pisoteando até ele – ONDE VOCÊS O ESCONDERAM?

Alessandro foi rastejando até a parede mais próxima, encostando nela.

- FALA ONDE VOCÊ E OS SEUS AMIGOS O GUARDARAM!

Alessandro olhou para cima, procurando palavras que não iriam ajudá-lo, nem se ele soubesse como usá-las.

- Nós o matamos – choramingou ele.

- O QUÊ?!

A se aproximou mais, a cabeça de pedra pairando sobre ele.

- O QUE VOCÊ DISSE?

- Nós o quebramos com uma marreta.

Alessandro relembrou aquele dia.

Ele, Otávio e Marcus estavam andando de bicicleta sob o viaduto quando viram a estranha estátua encostada no concreto. Pelo menos eles acharam que fosse uma estátua. Era muito velha e feia, encolhida, quebrada em alguns detalhes. E abandonada. E eles acharam que seria legal quebrá-la em pedacinhos.

- NÃÃÃÃOOOO!!!

- Desculpe, a gente não sabia.

Eles haviam pego souvenires. Alessandro pegou uma das mãos. Otávio ficou com a cabeça. E Marcos, com a outra mão. Jogaram o resto no rio.

- Não pensei que você estivesse procurando por ele!

No dia seguinte, ele havia visto Pandora pular do viaduto e cair em pé, ilesa, lá embaixo. Era sobre-humano. Mas ele não imaginou...

- VOCÊS O MATARAM! ELE ERA VELHO DEMAIS PARA SE DEFENDER E VOCÊS O FIZERAM EM PEDAÇOS!

- Por favor...

Uma mão em garra cresceu acima dele e fechou-se num punho de pedra.

- EM PEDAÇOS! – repetiu a criatura – EM PEDAÇOS!

E o punho desceu, a uma velocidade incrível, esmagando a cabeça de Alessandro com toda a fúria que a criatura possuía.

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Quando Pandora ergueu sua mãos de pedra, elas estavam cobertas de sangue e a coisa no chão era só um monte de carne, ossos e sangue, um rio de sangue na obscuridade.

Ela alçou voo com suas asas de pedra, levando seu corpo de pedra em direção ao próximo.

Andhromeda
Enviado por Andhromeda em 06/08/2010
Código do texto: T2421764
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