Cadáver

Cadáver

A espera é insuportável. Ouço o som de um aparelho ao meu lado e a minha respiração abafada. O que vejo?Apenas a escuridão. Muitas vezes sinto frio, como se uma janela em algum lugar oculto estivesse aberta, para deixar entrar a brisa gélida do inverno. Outras vezes ouço vozes, sussurradas em meus ouvidos e passos distantes ecoam pelos corredores.

Era agradável o aroma alcoólico dos medicamentos que aos poucos eram injetados em minhas veias. O cheiro dos lençóis limpos que inflavam minhas narinas, o perfume fraco das rosas murchas próximas a minha cabeceira. Foi então que percebi que estava sozinho, quando um choque violento percorreu o meu corpo, com um solavanco em meu peito. E um som agudo se espalhou e vozes nervosas ecoavam na escuridão.

Definitivamente eu estava morto, não havia mais dor, apenas o silêncio. Mas eu permanecia ali, prisioneiro do meu próprio corpo. Jazia em um caixão duro, com flores fétidas ao meu redor. Velas brancas queimavam ao meu lado. Ouvia choros tímidos e falas fracas , mas quem haveria de chorar por mim?...

Pois bem, fui enterrado. Eu queria gritar, mas minha boca estava selada, queria dizer que ainda talvez estivesse vivo, que ainda podia ouvir o som da terra que era lançada por cima do meu caixão. Por um momento ouve silêncio, pensei que finalmente iria deixar o meu corpo, mas não foi bem isso o que aconteceu.

Os primeiros sinais de decomposição começaram a surgir. Minha língua começou a inchar e a se projetar para fora da boca, à mesma coisa com os meus olhos que permaneceram abertos até o fim. Minha pele ressecada formava pequenas rachaduras. Eu sentia pequenos seres caminhando pelo meu corpo roendo cada fibra. Vou poupar-lhes dos detalhes finais, pois causa repulsa a quem os ler. No final, sobraram apenas os ossos, logo, apenas o pó. A liberdade enfim veio para o alivio de minha clausura. No alto de minha sepultura um anjo cor de ébano com asas negras e brilhantes estava a minha espera, então disse com voz rouca;

_ O apego as coisas materiais apenas lhe trouxe sofrimento e solidão. Será que finalmente compreendeu sua provação?...

Então lembre-me das vezes em que valorizei apenas o que o meu dinheiro podia comprar. Esqueci de viver, da minha família que tanto precisava de seu filho. Esqueci de amar,pois mulheres fúteis e superficiais eram a minha companhia. Não tive filhos, pois pensava que gerar uma nova vida, era perda de tempo. E assim fiquei só.

Sendo assim, eu chorei, ajoelhado aos pés do anjo negro, sabendo como eu era o mais rico e o mais miserável dos homens. Tristeza, há tanto tempo que não sabia o que era isso, pois não havia tempo para ser humano. Esqueci de ser feliz, já estava morto mesmo antes de estar. Entendi que a última provação seria amargar a decomposição da minha própria matéria. E assim compreendi minha provação, minha lição final, então parti para o Reino dos mortos.

por favor, registre comentários.

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 08/08/2010
Reeditado em 15/08/2010
Código do texto: T2426360
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.