A Herança

Já fazia oito meses que meu tio Marcos lutava contra um câncer, eu sabia que era terminal, ele não teria chances, tio Marcos era relativamente novo, cinquenta e dois anos, era jovial mas, depois da doença, ele parecia ter envelhecido trinta anos em seis meses. Naquele dia, eu me prontificara a ficar com ele no hospital, não iria trabalhar, meu emprego de vendedor não era o que eu tinha sonhado para o futuro mas, nem todos os sonhos se tornam realidade. Naquela noite, meu tio estava desacreditado:

- É rapaz, já notei que eu estou fodido. - disse- me a certa altura da noite.

- Que é isso tio, o senhor vai sair dessa, o senhor é guerreiro.

-Ah, meu filho, foi o tempo, agora sou um velho tolo, que espera a morte chegar da maneira mais humilhante possivel.

-Tio o senhor vive bem, tem uma casa boa, uma conta recheada no banco, por isso aqui, todo mundo passa alguma vez na vida.

-Rapaz, só você mesmo para acreditar em mim, nem eu mesmo acredito.

Nesse momento a enfermeira entrou no quarto para a dose do medicamento, era uma moreninha linda, cabelos amarrados feitos em um coque, toda de branco, a roupa era muito profissional mas, as curvas do seu corpo ficavam nítidas. Ela aplicou o medicamento, e desejou boa noite para nós, quando ela saiu meu tio, começou a sorrir.

- Tá rindo de que velho? - perguntei começando a sorri também.

- Nos meus dezoito anos uma moreninha dessa me fazia muito feliz. - e deu uma gargalhada.

Aquele era um dos poucos momentos de descontração que o tio Marcos tinha, aproveitava para brincar ainda mais com ele, era uma grande pessoa. Desde a infância difícil no interior, a vinda para a capital e a vida sofrida como praça do exército, só veio gozar a vida depois de aposentado, quando conseguiu ganhar um prêmio na mega sena, a partir daí meu tio se ajudou, diferente de outros ganhafores que ajudam a família, foi morar em uma cobertura na beira-mar, comprou vários carros importados, comprou mais cinco apartamentos na cidade, além de ter três fazendas no interior, montou um negócio para ele, no qual colocou os seus irmãos para trabalhar mas, esses irmãos lhe rendiam muita dor de cabeça, o resto do dinheiro ele tinha em uma poupança no banco, deveria ter mais de 20 milhões, nunca casou e não tinha filhos, se dizia "rapaz velho".

Como eu nunca imaginaria, meu tio me fez uma agradável surpresa:

- Olhe, filho, você é meu sobrinho mais legal sabia, aqueles seus primos são um bando de vagabundos, sua prima é um quenga, de todos o único que eu confio é em você, os outros só estão interessados no meu dinheiro.

- Obrigado tio, fico feliz ouvindo o senhor dizendo isso.

-Sabe, vou lhe contar um segredo, quando eu morrer, todos os meus bens ficaram para você, eu não tenho filhos, nem mulher, meus irmãos são cobras venenosas, aqueles carrapatos são horríveis.

- Quer dizer que eu estou rico e nem sei. - disse com ar de riso.

- Não rapaz, é verdade, antes de me internar aqui, eu chamei o meu contador, meu advogado e fizemos um balanço, todos os meus bens, ficaram para você, deixei apenas a empresa para os meus irmãos, para aqueles urubus terem como viver.

Nesse momento, a perversidade me tocou, a imensidão do espírito humano que tanto me enojava e tanto me surpreendia se mostrara para mim, a idéia de assassinar meu tio se passara pela minha cabeça, bastava sufoca-lo, seria dada a causa da morte como natural ou falência múltipla dos orgão, um travesseiro e pronto eu era um homem rico, saíria daquela loja de departamentos de merda que eu tanto ódiava, uma oportunidade se passava na minha frente, o cavalo das oportunidades como dizia um amigo, e eu resolvi que iria montar nele, por um momento pensei que aquele não era eu mas, o que o dinheiro não faz. Esperei meu tio dormir, apaguei as luzes, deixei apenas a do banheiro acesso, quando os ponteiros marcaram zero horas, eu resolvi botar em prática meu plano perverso, peguei um travesseiro grande no armário, e pude ver meu tio ressonando, pobre diabo mal sabia do seu destino, iria morrer pelas mãos de seu "preferido".

Me aproximei cautelosamente para o velho não acordar, o travesseiro parecia queimar em minhas mãos mas, nesse momento ouvi duas batidas na janela do apartamento, fiquei desnorteado, afinal estavamos no sétimo andar do prédio, e para meu espanto maior, eu vi o contorno de um homem do lado de fora, ele fez um sinal para eu abrir a janela, fiquei assustado mas, resolvi abrir a janela e um homem alto com tom de pele branco, muito branco parecia albino, quem era aquele cara estranho, ele olhou para mim e tudo que pude ver foi olhos vermelhos, ele avançou sobre mim, depois apaguei.

Acordei tempos depois, meu tio estava de pé me chamando, estava saudável como um touro, será que toda sua doença fora apenas um pesadelo? Minha fortuna? O homem de olhos vermelhos também? Não, não foi um pesadelo, o homem estava ao seu lado, ele disse se chamar Uriel Gawain, era um amigo de longas datas do meu tio, do tempo que ele viajou para a Turquia, ele era um vampiro, havia mordido meu tio e a mim, meu tio me dera o maior de todos os tesouros, a maior de todas as heranças, a vida eterna.

João Murillo
Enviado por João Murillo em 17/09/2010
Código do texto: T2503141
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