O quarto do sótão

Era uma casa antiga dos idos de 1936, madeiras encaixadas, lambrequins e telhado do começo do século passado, o sombrio de tudo ficava por conta de velhos jatobás, trepadeiras por toda a parte, a rodear a casa e um detalhe que os vizinhos preferiam nunca citar, mas os moradores eram pessoas discretíssimas e pouco eram vistos sob a luz do dia.
Mas eram, contudo uma família, com seus problemas, com suas parcas alegrias e que viviam ultimamente um grande dilema:
Eram 5 pessoas, o casal e três filhos, o filho do meio um garoto de 16 anos, problemático, rebelde e ultimamente mergulhado no mundo das drogas.
O dia do padroeiro do lugar foi comemorado durante todo o dia e neste evento a família participou, menos Walter, que ficou em casa.
Não era motivo de preocupação dos pais, pois já estavam cansados de tantos inconvenientes proporcionados pelo filho.
Ao final da tarde voltaram para a casa, e de longe viram a luz do quarto do sótão acesa.
Ao adentrar na casa, enquanto os demais foram para a cozinha, o pai foi ao sótão...
Subiu lentamente a escada e ouviu burburinhos vindos do quarto, decididamente Walter não estava sozinho, pensou.
Agora mais perto do quarto parou...
Na escuridão do corredor ouviu um diálogo, que devido a grossa parede às vezes lhe fugia o conteúdo.
Chegou mais perto, encostou o ouvido na parede, e teve a certeza de que duas pessoas conversavam:
____Chegue mais perto, tome isto e segure...
____Ok, tudo bem.
____Como você pode ver é um brinquedo simples, idealizado pra você.
Uma das vozes na confusão mental do pai era de Walter, apesar de...
Já não sabia mais ao certo distinguir a voz de seu filho que quando drogado, variava o tom de voz, indo do rouco ao agudo em poucas palavras.
Aguçou a audição e ouviu o prosseguir do diálogo.
____Preste atenção que ele tem 2 metros de altura, duas hastes ao lado e no meio o definidor feito de aço temperado.
____A vantagem é que ele atinge a velocidade de 350 km por hora, torna a operação fácil e rápida.
Passou pelo raciocínio do pai, desde um brinquedo novo, ate um novo transporte, quem sabe?
Mas agora tinha uma certeza que lhe deu certa tranqüilidade.
Pois visualizou em suas conjecturas o filho deitado na cama, em frente à TV, assistindo um vídeo, certamente que sim.
Fez menção de voltar para o andar térreo, quando a curiosidade o segurou ali.
____E agora uma demonstração de como é eficaz este novíssimo equipamento da Transversal Corporation.
____Tudo pronto... Zasssssss...
Apenas um barulho seco, sem sons posteriores e depois de um pequeno silencio a voz do instrutor...
____Depois é só lavar e guardar, quer dizer se não for você a usar, claro.
Bem já que estava ali, aproximou-se da porta e bateu...Chamou pelo filho...
____Walter, Walter, você está bem?
Ao encostar a mão na porta esta se abriu, e na penumbra do quarto a cena dantesca levou o pai a cair de joelhos, por a mão no rosto e sufocar um grito desconsolado.
O filho afastara a cama para um canto e montou o aparelho no meio do quarto.
Dois grossos estais de madeira, mais ou menos a uns 80 cm um do outro, sustentados por um pedestal de uns 30 cm de altura, e entre eles o chamado definidor que nada mais era que uma guilhotina de 80 x 60, onde brilhava a lâmina...
No chão separado, sobre uma poça de sangue o corpo de um lado e a cabeça de Walter do outro...
No silencio daquele tétrico momento, somente a tela da TV repetia incessantemente, a maneira mais fácil de buscar o inferno, ou de livrar-se dele no caso de Walter...

Malgaxe

 
Malgaxe
Enviado por Malgaxe em 17/09/2010
Reeditado em 17/09/2010
Código do texto: T2504330
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