Crônicas V - Amor Imortal

Por longos séculos aprendi que a natureza humana ainda me surpreende. Uma vida tão curta para tantos desejos, definitivamente eles são criaturas incríveis. Durante muito tempo eu havia esquecido como era ser um humano. Por séculos em noites frias, eu sussurrava em seus ouvidos palavras doces, guiando-os a morte. Em meus braços elas suspiravam, adormeciam enquanto eu lhes sugava a seiva da vida, o sangue.

Eu presenciei guerras tolas, mortes violentas, inocentes sendo condenados. Impérios caíram aos meus pés, nações foram destruídas e novas religiões surgiam. Mais uma prova da capacidade transformadora destes curiosos seres. Para acalentar a solidão, criei outros como eu, de natureza furiosa e instável. Foi tolice a minha querer compartilhar a minha maldição. Então comecei a pensar que o mundo não era o meu lugar, e que era uma criatura maléfica feita ao acaso, sem propósito, pois guardava segredos que não podia compartilhar.

Minha sede aos poucos desapareceu, assim como a minha vontade de continuar preso em meu próprio corpo. Sim, eu era um prisioneiro, minha alma estava confinada em uma cela de carne. Nada me dava mais prazer. E a imortalidade se tornou um grande fardo para mim.

Então ela veio com seus olhos amendoados e cabelos negros como o ébano. Ela caminhava de pés nus sobre a grama do jardim, usava um longo vestido azul de onde podia ver seus seios despontarem entre o tecido, eu podia sentir o cheiro do sol em sua pele, e o frescor de orvalho da manhã em seus cabelos. Tudo nela era perfeito, cada suave gesto de suas mãos, cada palavra doce de seus lábios fartos, que convidava a ser beijada. Ela não temeu a mim, e não tinha olhos de repulsa e sim de ternura e nos amamos como mortais. Ela sabia de minha natureza, me suplicou várias e várias vezes para transformá-la, mas eu não podia condená-la, não suportaria a loucura de sua mente e todas as perguntas sem respostas, pois eu amava. Ela era a vida, quente, terna e feliz e eu era a morte.

Então o tempo começou a agir sobre ela, seus cabelos ganharam o prateado e as primeiras marcas de expressão surgiam em seu belo rosto, mas mesmo assim isso não afetava sua beleza ou o amor que sentia por ela. Repentinamente a doença veio, e quando finalmente decidi que deveria livrá-la dos braços da morte, já era tarde, seus olhos haviam se fechado para sempre. Eu havia perdido um amor, mas pelo menos eu o tive.

Hoje com três séculos de noite, eu decidi que iria ver o último por do sol. Esperar que seus raios purificassem minha alma e para que finalmente me libertem deste tormento. Quero encontrá-la onde quer que ela esteja. Com uma taça de sangue e um bom livro ao meu lado, irei ao encontro de meu amor imortal.

Amanheceu, e os primeiros raios de luz despontavam na linha do horizonte. Eu ficara no alto da torre esperando por este momento único e mortal. Havia algo assustadoramente majestoso nesta luz poderosa da natureza e ela iria me consumir aos poucos. Eu não pensava em dor, pois não existe dor maior que perder um amor. E eu iria esquecer finalmente a dor.

A luz penetrava em minha carne rígida. O sol surgia e aquele circulo de luz me purificava aos poucos, senti o calor em meus olhos, em minha pele, em meu coração, eu estava quase em chamas. E neste momento de esplendor eu conseguia sentir meu espírito liberto de toda a melancólica amargura que me perseguia por décadas.

Fechei meus olhos, e o brilho ofuscante das chamas se transformou em minha amada, de braços abertos, sorrindo com ternura a minha espera. Então neste momento tive a certeza de que alguma maneira Deus havia me perdoado.

Enfim, finalmente conquistara a tão sonhada paz.

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 20/09/2010
Código do texto: T2510094
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