Sobreviventes do Medo!(*)
 

(¨Não foi a libertação do medo, mas o equilíbrio do medo,
que tornou possível a sobrevivência da nossa civilização.¨- Golda Meir)

 
            Noite de céu desnudo estampando estrelas como há muito não se via. Um vento frio acariciava a relva verde, renascida após um inverno nuclear que durara quase 5 mil anos. Em seguida, o degelo e a estabilização do clima contaram outros 3 mil até que se atingisse aquele ponto. Gradativamente as espécies floresceram. O planeta estava ávido por vida e, sem a maciça ocupação humana de outrora, o caminho ficara livre para um verdadeiro eclodir de exuberantes figuras. Os pequenos animais que sobreviveram, bem como outros que bravamente lutaram sob as águas gélidas, evoluíram acentuadamente para novas e surpreendentes espécies. Os quelônios, répteis e roedores abundavam e serviam de sustento para aquele povo. Entre as sombras, ocultos, dois vultos aguardavam a chegada de mais uma presa.
            - Vamos novamente utilizar arco e flecha? – Perguntou Eclos.
            - É mais divertido. E veja se fica em silêncio. – Respondeu o parceiro Dollos.
            - Preferiria usar as próprias mãos. – Eclos não suportava o uso daquelas ferramentas rudes, fruto de um passado remoto que não lhe fazia sentido observar. Queria usar a própria força bruta. Se não podia usar os músculos, que sentido haveria em tê-los? – Perguntava-se em silêncio.
            - Ouça, Eclos, um se aproxima. – Observou Dollos. Protegidos pela negritude, viram se aproximar um grande roedor. Uma espécie de capivara com longa cauda. Eclos não tinha paciência para aqueles jogos. Preferiria matar o animal à moda antiga: com o uso da força bruta. Dava-lhe tédio enorme aquele ritual. Dollos esticou a corda, fez mira precisa. O roedor, alheio ao que o esperava, buscava desenterrar um tubérculo qualquer. O arqueiro comprimiu os olhos, prendeu a respiração. Era um dos melhores da tribo e não permitira que aquele lhe escapasse. Nisso, poucos segundos antes do disparo, ouviram poderoso estrondo. A terra chegara a tremer. Levantaram seus olhos assustados. Uma enorme forma ovalada rompera os céus deixando atrás de si um rastro luminoso de brilho intenso.




            - O que é isso? – Perguntou Eclos. A essa altura, aturdido pelo ruído, o roedor se safara tendo Dollos desarmado o arco.
            - Não sei! – Respondeu ao amigo. Boquiabertos e estupefatos, viram que a imensa estrutura desenhara uma curva elíptica em direção ao oceano, que podiam divisar poucos quilômetros adiante, do alto da colina em que se achavam. A colossal forma, feita ao que puderam ver de metal prateado, mergulhou no mar levantando enormes ondas. Rapidamente se moveram para o local usando toda a versatilidade que lhes dava a sua condição. Da praia puderam observar que o disco luminescente, após afundar nas águas, novamente emergira.
            - Precisamos avisar aos outros. – Velozmente retornaram para a tribo que vivia no interior de uma gruta milenar a muitos metros no subsolo. Reuniram o grupo e contaram a sua assombrosa história. Imediatamente a revelação foi motivo de júbilo. Os mais velhos bradaram:
            - Vamos comemorar e beber! Uma nova era, conforme profetizado, há de se iniciar.
            Trataram de dançar e de festejar, até exaurirem todas as forças caindo de sono. Sendo caçadores noturnos, após saciados, dormiam durante as horas diurnas. Ao anoitecer do dia seguinte, para não serem vistos, um grupo avançado aproximou-se da praia de onde puderam observar a estrutura que agora se encontrava instalada sobre as areias. Observaram milhares de homens, mulheres e crianças habitando barracas prateadas, felizes e satisfeitos, sorrindo pelo retorno ao lar ancestral milênios depois.
            - Finalmente voltaram. – Disse sorrindo Saulos, líder da tribo e um dos mais velhos e sábios. - Permitamos que se instalem. Amanhã faremos nosso primeiro contato.
            Os humanos não demoraram a perceber que poderiam viver ali tranquilamente. Milhares de anos atrás, prevendo o fim próximo, devido ao acirramento das disputas pelos últimos recursos naturais, e na iminência do início de um conflito nuclear, algumas potências ocidentais se uniram para lançar no espaço, em segredo, aquela nave. Cerca de 5 mil pessoas hibernariam pelo tempo que fosse necessário, somente retornando após os computadores detectarem condições propícias de sobrevivência.
            As famílias estavam felizes e contentes com o novo ¨começo¨. Os líderes organizavam-se para estabelecer as bases da nova civilização. No entanto, naquela segunda noite, quando se preparavam para dormir, viram descer por sobre as colinas, em um ataque acelerado, criaturas que acreditavam apenas existir nas piores lendas dos antepassados. Rápidos e fortes, utilizando-se de poderosas asas, tendo aparência ossuda e acinzentada, os vampiros ergueram do chão dezenas de pessoas e os levaram para seu abrigo subterrâneo. Enquanto, inutilmente, muitos buscavam abrigo sob as frágeis tendas, Saulos, em um forte brado, lançou-lhes saudações:
            - Humanos, há muito esperávamos que fossem verdadeiras as lendas sobre o seu retorno. Fiquem à vontade no mundo que agora é nosso. Queremos que vivam. Crescei e multiplicai-vos para nos saciar a sede pelo vosso sangue. Basta de roedores, de insetos e moluscos. Sejam bem-vindos ao lar...




(* Nota do Autor - Texto criado para atender a comunidade Orkutiana Contos Fantásticos. Tema: Mundo Pós-Apocalipse)