O dia que fui parar no pronto-socorro- Relato verídico (o horror da vida real)

Nota adicional sobre o relato:

Geralmente um texto desta extensão me consome de uma semana a dez dias entre concepção, escrita, revisão e publicação (embora este seja minha primeira experiência em "relato verídico".). Este eu precisei escrever na pressa e (como dizem aqui na Bahia) nas coxas. Vou fazer uma viagem no começo da semana que vem e precisava "exorcisar" o que me aconteceu antes que alguns detalhes me fugissem da memória (minhas mãos estavam coçando para escrever). Acabei escrevendo-o e revisando em 4 horas em um furor literário de escrita automática: hoje (15-01) de 7:00 às 11:00 e finalizado, (mal) revisado e publicado de 14:00 às 15:00. O concebi como um relato fiel ao que me aconteceu e procurei no ato da escrita fugir de qualquer artifício, embelezamento e floreio estilístico (o humor tragicômico foi intencional e refletem minha visão).

Alguns leitores atentaram ao fato de eu ter colocado vários risos durante o texto e relendo-o admito que o efeito (para quem esperava uma “crônica” nos moldes clássicos) foi, digamos,“deselegante estilisticamente”, “pouco fluente” ou talvez “informal demais”, mas eu estava preso à falta de tempo e tinha duas opções: escrevê-lo de “uma sentada” (ou quase) e publicá-lo antes da viagem sem revisão, ou escrever no retorno com o risco de perder a pegada e os fatos . Escrevi-o como se escreve um email (ou MSN, daí os risos) e o publiquei com um certo descontentamento no que diz respeito a revisão (ou publicava desse jeito ou nada rsrsrs ); em nenhum momento pensei estar escrevendo um conto ou crônica, encarava-o unicamente como um relato fiel sobre as mazelas hospitalares e decidi publicá-lo neste espaço por falta de outro mais adequado..

Por Ramon Bacelar

Na madrugada do dia 5 de Janeiro, após 6 fatias de pizza em um jantar de confraternização da firma, acordo à 1:00 h com um mal estar e uma leve dor de estômago; desço a escada da minha kitinete e vasculho a cozinha por algum anti-ácido mas não encontrando decido por um Dorflex. Às 3:30 acordo com uma dor no lado direito da barriga semelhante a uma facada interna e, nunca tendo sentido uma dor tão intensa, acordo minha mãe e peço que me leve ao pronto socorro. Em uma tentativa de aliviar as dores lhe peço, antes de ir ao hospital, um pouco de água morna a fim de liberar a pizza mas o procedimento acaba por intensificar as dores (talvez pelas contorções estomacais) e em determinado momento sinto um calor intenso no lado direito da barriga (dizem que em determinado ponto de nossas vidas nos deparamos com aquela sensação de “morte certa”. Naquele momento associei a onda de calor a uma hemorragia interna: tchau galera, estou partindo desta para uma melhor, adeus mundo cruel dããããããããã rsrsrssrr).

Chego ao hospital e após uns vinte minutos de dores e esperas (me senti como um contorcionista bizarro “fazendo meu show” para uma platéia assustada rsrsrsrssr) adentro o pronto socorro. Após uns 15 minutos de espera me aplicam na maca um soro-composto com cinco remédios, incluindo um analgésico que não faz muito para aliviar minhas dores: cochilo pouco e acordo sempre pior e minha mãe ao meu lado enxugando suores (eu suava em bicas) na testa e na mão cujo suor ficava marcado na maca com uma impressão digital.Pedia mais analgésicos que aliviavam por pouco tempo e me davam uma meia hora de sono para depois acordar com novas dores (não sou médico mas tinha a impressão que os analgésicos eram inadequados para as dores que eu sentia).

Madrugada adentro o quadro era basicamente o mesmo: cochilo, analgésicos, suores, contorções, mais dores, mais analgésicos e em meio ao burburinho noturno o plantonista sugere a possibilidade de uma crise de vesícula (até então nunca tinha tido qualquer problema) e que o hospital estava lotado tendo que aguardar na maca dura e eu, um faquir involuntário, um Bob esponja a contragosto...fazer o quê? Só me restava esperar e me contorcer rsrsr

Após onze horas de maca sou transferido para um quarto “de verdade”, bem... mais ou menos: o quarto ficava em uma das extremidades do hospital que passava por uma severa reforma, logo há de se concluir que silêncio nesta área não era “prioridade”: uma feira de cacarecos misturada a uma banda militar de 7 Setembro desafinada (existe banda militar que não esteja desafinada?) dá uma boa idéia da paz celestial que reinava no local (felizmente essa barulheira era esporádica).

Continuei com dores e novos analgésicos que não surtiam muito efeito (Buscopan e Profenid na veia), dentre outras medicações. Em um momento me “lembrei” que estava sem comer nem beber mas como sabia que a possibilidade de uma cirurgia de emergência não estava descartada preferi não insistir, além do mais, com esta experiência aprendi que em um estado de dor intensa (reforço que nunca passei por isso) a mente não se ocupa com mais nada a não ser ELA, você perde a noção de tempo e espaço, não sabe se é dia ou noite (sensação intensificada pelo filme escuro da janela do quarto), não “tem tempo para ter fome e sede”, você entra em uma espécie de “transe “ ou “estado alfa às avessas”: só nos resta “curtir a dor” e esperar a ação dos analgésicos.

Em menos de vinte quatro horas minha irmã e namorada entraram no rodízio de auxílio e neste ponto já sabia que precisava fazer novos exames e a possibilidade de água e alimento sólido (minha alimentação era intravenosa) eram remotas. Acho que foi mais ou menos neste ponto que as precariedades hospitalares e contrariedade de informações começaram a ganhar forma: enfermeiros me perguntavam como estavam os vômitos e enjôos que eu nunca tinha sentido (!!!); aplicações de Dramin na veia ( não sei se para “prevenir” enjôo ou se estava sendo administrado erroneamente para “combater” os vômitos inexistentes!!) ; a lentidão do atendimento (era preciso chamar os enfermeiros pelo menos três vezes “pessoalmente” pois a campainha de alerta só servia para acordar os doentes.), tanto dos enfermeiros quanto da cozinha para troca de água (seria injusto não mencionar a simpatia, cuidado e atenção dos enfermeiros, nisto não tenho que reclamar. A lentidão se refere mais a escassez de funcionários.).

Em algum ponto da minha internação, no meio a uma das minhas piores crises, lá pelo terceiro dia, me chegam dois enfermeiros, aparentemente estagiários inexperientes, e me fazem as perguntas de praxe:

-Como têm passado?

Eu respondo me contorcendo:

-Dores, muitas dores.

Ele anota na prancheta e pergunta:

-Só isso?

-Você acha pouco seu FILHO DA PUTA!!! (brincadeirinha, não falei isso mas deu uma vontade danada...eram inexperientes.)

O outro olha pro colega e fala mais ou menos isso:

-Tá achando pouco. Se fosse com você...não ta vendo que o bichinho está sofrendo?

Eles se despedem e eu fico com minha dor.

Acho que nessa mesma madrugada a enfermeira me acorda e me administra uma medicação via oral para uma radiografia. Pela parte da manhã entro na Crise das Crises, a pior de todas; a minha irmã à distãncia, mais pálida do que eu e de olhos assustados, me observa trincar os dentes, suar frio e me contorcer sem nada poder fazer a não ser avisar que vai melhorar quando o remédio fizer efeito. O médico me visita no auge da dor e lhe digo que tomei de madrugada DOIS comprimidos de Lacto Purga, ele olha assustado para mim e pergunta:

-Você se auto-medicou?

Eu respondo que a enfermeira me medicou pela madrugada e ele não sabe o que responder , além de me falar que fui medicado erroneamente e que o remédio só serviu para intensificar as dores.

Engraçado como um padrão se repete em distintas situações: Seja em um problema com alguma operadora de celular , cartão de crédito, leasing...a culpa é sempre do OUTRO (quando não tentam colocar a culpa na vítima!!!). Corrigir o erro para que outras pessoas não sofram é MENOS IMPORTANTE que mostrar ao lesado (que já tem problemas demais para se envolver com o dos outros rsrsr) que o “culpado foi ele meu Senhor, e não eu” (médicos X enfermeiros) e nesse bafafá só me resta implorar ao médico um analgésico mais forte , coisa que ele prontamente faz, me administra um à base de morfina e pela primeira vez no hospital meu inferno particular se transforma em um paraíso... como é bom não sentir dor rsrsrsr.

***

Cheguei no segundo dia de internação ainda com muitas dores porém com um maior espaçamento entre elas; acredito que o médico estava tentando evitar uma cirurgia emergencial e para isso se fazia necessário esperar a ação da medicação. Neste meio tempo ficava mais claro que o problema poderia ser cálculo na vesícula talvez agravado pela orgia gastronômica da noite do dia 5. Também se cogitou alguma inflamação estomacal, gases, “perda de líquido” e uma úlcera perfurada. Não consigo me lembrar com absoluta clareza a ordem dos exames e pataquadas hospitalares, mas me lembro que quando soube que precisava fazer uma ressonância magnética me deu um frio na espinha: se tem uma coisa que eu nunca poderia fazer nos estágios mais intensos das dores era “respirar fundo e inflar os pulmões ao máximo” justamente o que eu “precisava” fazer na ressonância...E agora José? Deito na maca para a ressonância e descubro pela primeira vez que a ausência de travesseiro intensifica as dores durante a respiração. Entro em um tubo branco (me senti um ator de quinta categoria num daqueles filmes de Ficção Científica de baixo orçamento rsrsrs) e no meio do exame o enfermeiro me avisa que será preciso refazer o exame (será que eu não “respirei fundo nem inflei os pulmões?”). Refaço e felizmente não sinto muitas dores.

Como relatei anteriormente, a partir do terceiro dia minhas crises atingem o auge graças a medicação errônea, mas a partir da medicação à base de morfina as dores começam a diminuir consideravelmente (embora neste ponto ainda não sabia se estava realmente melhorando). Neste meio tempo me chega a informação (uma das poucas que me chegaram já que a precariedade hospitalar não se refere só ao atendimento, mais sobre isso na frente.) que vou precisar refazer parte da ressonância.

Minha namorada me acompanha junto com um enfermeiro que não entende porque estou refazendo a ressonância e lê em meio ao garrancho das letras dos médicos a palavra “vômito”, eu digo que não vomitei desde que dei entrada no hospital e que estou tomando Dramin na veia, e ele sem saber o que falar:

-Está assinado pelo médico.

Fazer o que?

Refaço o exame e felizmente consigo finalizá-lo (morfina eu te amo!!!!).

Nessa altura já estava chegando ao quarto dia sem comer nem beber e como estava melhorando, a fome e sede começavam a apertar e a esperança de uma alta antes do fim de semana uma realidade. Uma enfermeira de prancheta abre a porta e me informa sobre a endoscopia:

-Endoscopia?

Eu estava sendo “preparado” para uma endoscopia sem saber!Mais uma vez tentam colocar a culpa um no outro (médicos X enfermeiras segundo assalto bléééin!!!) e eu falo que não fui avisado e que estava esperando a posição do médico a respeito da cirurgia ou possibilidade de alta!! Como consolo me avisam que vão suspender o jejum e em meio a salivação a mesma enfermeira, poucos minutos depois, me avisa que será uma “refeição líquida fracionada”: refeição líquida fracionada = 4 dedos de suco sem açúcar em um copinho descartável” eu mereço!!!!

Espero a chegada do gastro e me avisam mais de uma vez que só esperavam a liberação do plano (a culpa agora é do plano rsrsr), mas a noite a minha intuição ganha forma: mais uma noite no hospital, sem comer nem beber, sem exames e sem informações precisas.

Na manhã do dia seguinte me avisam que a endoscopia não irá demorar (como? depois de 24 horas de espera sem jejum nem informação?) e eu retruco que desde as 7:00 após o banho estava sem soro e medicação e a enfermeira chefe me diz que não tem problema (mesmo não entendendo como interromper uma medicação intravenosa não insisto já que tínhamos chamado três vezes a enfermeira, das 7:00 às 10:00 e como de praxe não fomos atendidos, provavelmente por excesso de pedidos neste horário). Ás 10:30 me pegam para a endoscopia e a enfermeira do novo turno pergunta porque estou sem soro e lhe falo que não fomos atendidos e ela recoloca as mangueirinhas, e antes de me enviar a endoscopia lhe informo que a enfermeira chefe falou que não era necessário ir para o exame com o soro ( com medicação suspensa!!), ela não respondeu (mas certamente acreditou em mim por causa do soro rsrsrsr). Ao meio do caminho descubro a verdade (mentira tem perna curta rsrsrsr): o atraso de “apenas 24 horas” aconteceu devido ao fato do gastro não ter aparecido (DEU O CANO) e precisaram encontrar outro gastro e assistente ( estava sem comer há quase 5 dias) e abrir a sala ao sábado para o exame.

Chegando lá a assistente pergunta:

-Há quanto tempo tem vomitado sangue?

Eu falo que não vomitei nenhuma vez, quanto mais sangue, ela olha para a prancheta sem entender. Pergunto sobre o gastro e ela me responde que já está “no meio do caminho” (não tinha chegado no hospital rsrsrsr).

15 minutos de espera, o gastro olha para mim e pergunta:

-Há quanto tempo tem vomitado sangue?

Vou falar o quê?

Felizmente correu bem e voltei ao quarto.

Nesta noite apresentei uma melhora rápida e acentuada e o médico me falou que provavelmente na segunda dia 10 receberia alta.

E aqui estou eu, firme e forte, mas saudades mesmo só do apoio dos parentes e amigos e da sopinha de macarrão que comi após quatro dias e meio de jejum rsrsrsrs.

FIM (por enquanto rsrsrs)

Ramon Bacelar
Enviado por Ramon Bacelar em 15/01/2011
Reeditado em 17/01/2011
Código do texto: T2730974
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