O Guardião do Sono Eterno (parte 2 de 3)

Era uma sexta-feira. André, que fora meu melhor amigo de infância, iria dormir lá em casa. Naquela noite, após o jantar, fomos para o quintal. Lá meu pai havia montado uma barraquinha de camping para passarmos a noite.

Já passavam das vinte e duas horas quando minha mãe despediu-se de nós dois e entrou. Ficamos um bom tempo conversando besteiras de criança quando, finalmente, Ele refez a pergunta do campinho. Enrolei um pouco para responder, mas logo cedi à curiosidade dele. André nem piscava ao meu relato, ficou atento e silencioso até eu mencionar o infame pedido de Calisto.

– E você aceitou?

– O que você queria que eu fizesse?! Eu quase não me sustentava sobre as pernas.

– E o que pensa em fazer?

– Amanhã à tardinha, vou ficar na espreita do cão, esperando ele sair, e vou segui-lo. E você vai comigo.

– Só se eu estiver morto. De jeito nenhum eu vou fazer isso. Aquele Calisto é quase tão sombrio quanto o velho Epitáfio. Você é louco?!

– Pensei que você fosse meu amigo.

– E sou. Por isso não vou deixar que você faça uma besteira dessas.

– Dei minha palavra e não tornarei nela. Eu vou; você indo ou não.

André ainda hesitou muito, mas depois que eu insisti em persuadi-lo, acabou cedendo e combinamos como faríamos nossa investigação.

No final da tarde do dia seguinte, estávamos de frente para o velho casarão, escondidos por trás de uma árvore à beira do campinho. André tremia como uma geladeira velha e eu, completamente tomado de calafrios, tentava conter minha ansiedade. Esperamos lá por quase meia hora até que o cão saiu. Duque tinha um ar fechado e um andar firme. Era um animal de porte considerável e cor negra que dava medo só em olhar. Ele seguira pela margem direita da rua, onde ficava o campinho. Quando já estava a uma distância segura, começamos a segui-lo. Fomos ao seu encalço nos entocando atrás de árvores e muretas.

– Aonde esse bicho está indo?

– Sei não André, mas se não tirarmos o olho dele, daqui a pouco vamos descobrir.

Continuamos a segui-lo por mais uns vinte minutos. A noite começava a dar sinais, quando ele virou à esquina do cemitério.

– Cara, o quê que esse cachorro veio fazer aqui? – Assustara-se André.

– Vamos dobrar a esquina para ver!

Não vimos nada. O cão sumira no ar.

– Será que ele entrou no cemitério?

– Como, André? Os portões estão fechados e o Duque é muito grande para passar pelas frestas.

Estávamos abismados com o sumiço do canino.

– André, nós vamos entrar.

– Você ficou maluco? Está de noite. Nem arrastado eu entro no cemitério agora. Além do mais, como vamos atravessar os portões?

– Nós não vamos passar entre os portões, mas por cima deles.

– Não, eu me recuso a fazer uma besteira dessas.

– Medroso!

– Eu não estou com medo. Só não quero arriscar dar de cara com uma alma penada aí dentro.

– Tudo bem, se você não quer entrar comigo, então fique aí fora sozinho.

Subi no portão e passei para o outro lado.

– E então, vai vir ou não?

André subiu ligeiro pelo gradeado do portão e num minuto estava comigo dentro cemitério.

– Júlio, aqui está escuro demais.

E estava mesmo. As alamedas do cemitério São Bento não tinham postes de iluminação naquela época.

Entramos ainda mais e tomamos uma das vielas. Procuramos em meio à escuridão daquele mar de mausoléus e lápides, alumiados apenas pela branda luz da lua.

– Júlio, olha isso aqui.

– O quê?

Era o túmulo do velho Epitáfio. A terra estava revirada e o caixão à amostra.

– Minha Nossa! Quem será que fez isso?

Ficamos aterrorizados com aquilo. E o terror aumentou ainda mais com a voz retumbante que ouvimos por trás de nós.

– O que vocês, moleques, estão fazendo aqui? – Ainda bem que era o vigia do cemitério – Então são vocês que tem vindo aqui todas as noites para revirar o túmulo do senhor Epitáfio, não é?

– Calma, senhor Pedro, não fomos nós não. – Tentei explicar – Nós estávamos...

– Não me interessa saber o que estavam fazendo. Saiam já daqui antes que eu chame a polícia!

Não precisou ele mandar novamente, em um minuto estávamos do lado de fora do cemitério.

– Não sei como eu deixo você me convencer a fazer essas coisas.

– Bem, pior seria se fosse um fantasma. – Brinquei ainda ofegante – Mas o que será que aconteceu com o túmulo do senhor Epitáfio?

– Não sei nem tenho interesse em saber. Vamos embora! Para mim basta de cemitério por hoje.

E assim fomos.

Aquilo que vimos no cemitério deixara-me intrigado. No começo eu estava investigando o comportamento do cachorro por ter sido praticamente obrigado, porém não consegui parar de pensar em como Duque desaparecera daquela forma, em como encontráramos a sepultura do velho Epitáfio e em quem poderia ter cometido tal profanação, daí passei a querer descobrir o que estava acontecendo por vontade própria.

Júlio A S Crisóstomo
Enviado por Júlio A S Crisóstomo em 17/01/2011
Reeditado em 17/01/2011
Código do texto: T2733963
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