Minha Morte

Acordei sufocado, angustiado... Tentava respirar, porém meus pulmões pareciam fechados. Meu Deus! Eu abria a boca na tentativa desesperada de um sopro, de um vestígio de ar. Instantes de uma agonia intensa, mas que aos poucos fora se aliviando e, enfim, respirei profundamente. Um medo inquietante da morte me tomara naquele momento. Percebi o quando ela poderia ser cruel.

Devido à asfixia, nem percebi onde eu havia acordado. Olhei tudo em volta. Um ambiente inóspito... sombrio... aterrador... Era noite e eu estava no meio de um vale árido e podre, completamente rodeado por montanhas, estas tão secas quanto o chão rachado em que eu pisava. À minha frente, uma imensa fenda aberta, um rio estéril, onde a única água era uma poça de lama. A podridão que tanto incomodava meu olfato provinha de lá.

Eu não sabia em que direção seguir, não sabia sequer como tinha ido parar ali. Eu tinha sede, meus lábios estavam lascados de tanta sede. E por mais que eu hesitasse, o único lugar onde eu poderia matar minha secura era justamente o lugar que mais me provocava asco. Desci até a lama e, mesmo não agüentando o odor fétido, ajoelhei-me às margens e saciei minha sede. Enquanto fazia isso, por um segundo, levantei minha vista e minha ânsia de vômito tornara-se insustentável: cadáveres mutilados e em decomposição emergiam da lama.

– Meu Deus! – Levei as mãos à cabeça em desespero, ao passo que expelia toda a água imunda que ingeri.

Fiquei completamente atordoado, tentando entender o que diabos eu estava fazendo naquele deserto medonho. Foi então que me dei conta.

– Estou morto. – Pensei em voz alta e chorando.

Eu realmente estava morto. Tive um câncer que já havia tomado conta de quase todo o meu corpo. Os médicos deram-me seis meses de vida. Mas, como eu poderia já ter morrido?! Não fazia uma semana que eu recebera a notícia. Não era justo eu ter morrido tão rápido.

Após entender que eu havia morrido, passei a me questionar por que teria eu ido parar naquele inferno. Afinal, sempre procurei ser justo, era bom com meu próximo e todas essas coisas de “bom samaritano”. Sem pensar, amaldiçoei a Deus por eu estar ali.

Comecei a vagar pelas sombras daquele vale, buscando uma luz ou uma alma perdida que pudesse me encontrar. Pensamentos de desgraça me tomavam e eu tinha uma vontade imensa de morrer. Mas isso já havia acontecido. Eu tinha ódio de mim mesmo e não entendia o porquê.

Fome e sede... Dia após dia, vagando pelas trevas, sem um rumo... O mal da minha fome e da minha sede é que elas não podiam me matar, doíam em mim, corroíam minhas entranhas, mas não podiam me matar. Eu amaldiçoava aquele lugar e as pessoas que viveram comigo na terra, porque eu achava que elas eram culpadas pela minha desgraça.

Certo dia, nem sei como, consegui chegar ao topo da montanha mais alta daquele lugar. De lá se via o abismo, negro e sem fundo, eu queria me atirar, mas um medo mundano ainda me tomava. Mesmo já estando morto a uma eternidade, eu tremi diante do abismo. Então, caí prostrado ao chão, em prantos, angustiado.

– Meu Deus, me perdoa, mas me diz por quê! Por que eu vim parar neste inferno? Por que eu não mereço estar em paz?

E por um instante, uma tranquilidade infinita me tomou. Minha fome e minha sede se foram. Eu levantei a cabeça e estava novamente à beira do rio, mas ele não estava mais seco. Era caudaloso e cheio de vida.

Olhando ao longe, também às margens do rio, avistei uma árvore. Linda, frondosa. Mas, havia algo de estranho nela.

– O que é aquilo pendurando no galho?

Aproximei-me para averiguar. Foi então que entendi tudo. A visão da minha morte veio a mim.

Eu estava amargurado. Com ódio do mundo e de Deus. O câncer estava me matando aos poucos. Estava me castigando com uma dor insuportável. Eu não aguentaria mais seis meses daquilo.

Alguns dias após receber a má notícia, eu sai de casa e dirigi sem rumo, completamente desnorteado. Acabei jogando o carro num precipício, mas eu saí ileso. Eu queria desistir de fazer a loucura, mas uma voz, insistente, provocante, incitante... Ela não me deixava parar. Eu tinha que por um fim a tudo, a todo aquele suplício. Peguei uma corda que havia no porta-malas e segui caminhando mata adentro. Andei por horas até avistar o rio, até encontrar a árvore.

Durante alguns minutos fiquei ajoelhado, olhando aquelas folhagens, deixando a tal voz me dar forças. Levantei-me, fiz um laço na corda e amarrei-a no galho mais alto da árvore. De cima dele, pus o laço no pescoço... fechei os olhos... e pulei.

Meu pescoço não quebrara com a queda e eu sufoquei... Sufoquei por minutos infindos pendurado naquela corda. Meu peito formigava e meu pescoço doía violentamente, era a angústia da morte sem ar. Eu tentava respirar, buscar fôlego de onde não vinha, era inútil. Eu estava morrendo... agonizando... olhando meus pés balançarem sobre o chão árido daquele vale tenebroso.

Júlio A S Crisóstomo
Enviado por Júlio A S Crisóstomo em 26/01/2011
Reeditado em 27/04/2012
Código do texto: T2752654
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