O carinha (parte1)

I

"Caralho! O Misfits aqui em Sampa! E de graça! Será o meu dia!", pensou Kevin, imensamente feliz, feliz não, que essas denominações para um estado de êxtase não fazia mais parte do vocabulário que usava pra falar consigo mesmo. Digamos que ele estava ansioso, mas ainda assim, mantinha a sua profunda frieza espiritual, incapaz de qualquer reação, seja ela boa ou má.

Quem conhece Kevin não o reconheceria mais se pudesse entrar em sua mente. "Mas Kevin não iria a um show desses caras!", diriam os seus amigos mais próximos ao ver e ouvir o Misfits.

Kevin sempre foi fã de Caetano e Gil. Com seu violão de 7 cordas versionava canções como ninguém. Quando começava "A tris-teza é se-nhó-ó-ra..." as menininhas da escola de música caíam de amores por ele. Ele realmente amava a Música Popular Brasileira. Não só a música. Tinha os seus ídolos no Teatro, na Literatura, na Pintura (com maiúscula, como ele exigia quando se escrevia o nome de qualquer manifestação artística).

Dono de um senso de humor bonito, sempre animado, educado e receptivo, virava um bicho e o perdia por completo quando alguém brincava com ele, dizendo "E no Brasil tem pintura?", ele respondia, seco, "Tem. Mas só aos olhos de quem conhece o país em que vive." Não dava espaço para críticas preconceituosas aos artistas de sua terra. Sabia que foram eles que tentaram salvar o Brasil, e por conta de pessoas assim, como aquele que fez a piadinha sem graça, é que não conseguiram. Kevin vivia com a arte e pela arte. Era dedicado aos estudos do colégio e a família (que, não fosse o ciúmes de alguns primos tios, o amava em geral) mas eram os seus discos e livros que o faziam sentir-se realmente vivo na solidão de seu quarto. "Sofro calado / Na solidão" canta Caetano na canção que leva no nome o sentimento que desgraçaria com a vida de Kevin.

Kevin não conseguia deixar o seu quarto, "Mas eu estou bem aqui, vóvó" dizia à Dona Armelinda quando a pobre senhora percebia que o neto não saía há dias. Havia muitos discos a ouvir, muitos livros a ler. "Vóvó, quero que a senhora me entenda: Há tanta coisa que eu amo nesse mundo! Os anos de minha vida -que será breve- não serão o bastante para que eu conheça a todas elas, portanto, deixe-me tentar conhecer e desfrutar da maior parte possível! Eu estou bem aqui!", "Que história é essa de vida breve, meu filho? E como pode desfrutar de todas essas coisas que ama se o mundão todo está é pra fora da porta desse teu quarto?", "Não, vóvó. O mundão está todo é na cabeça da gente! Aqui é que está o mundão das pessoas como eu! E eu tenho muito trabalho para torná-lo o melhor mundo possível. Depois que eu criar, aqui dentro, os melhores céus e as melhores terras, eu irei ensinar as pessoas como brincar de Deus e refazer tudo! Uma reconstrução, vóvó! É disso o que precisa esse mundão que tá lá fora! E eu e o meu quarto somos uma peça chave para ele.", "Brincar de Deus, meu filho! Bata nessa boca! Como pode, meu Senhor, um menino tão bom blasfemar com o Senhor desse jeito!? Olhe, Kevinho, você dá é muita sorte por o seu Pai conhecer você como eu conheço, viu." Assim eram as conversas dos dois, quase todos os dias. E os dias iam passando, e eles não saíam. Kevin, com seus livros e discos, suas "Armas Lindas", como os nomeava, fazendo um trocadilho com o nome de sua avó, que completava sua "santíssima trindade".

Poor Kevin, como poderia imaginar que tudo o que amava e o fazia amar os outros estava lhe transformando numa pessoa triste e... Vazia? Que o sentimento que ele sentia não estava "entrando e crescendo" e sim "saindo e desaparecendo" de dentro dele? Ele não poderia saber. Mas Dona Armelinda há muito já desconfiava.

(nota:

não deixem de ler as próximas partes, prometo ser breve. é uma experiência nova para mim uma prosa mais longa, sendo assim, tenhamos, eu e vocês, a paciência que ela está me exigindo, rss, ah, aceito sugestões e dicas. abraço a todos que vieram)

Guilherme Bastos L
Enviado por Guilherme Bastos L em 10/04/2011
Código do texto: T2899882
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