Luxuria - Pecado Mortal

Maria, seu nome soa como prece. Seu corpo leva a loucura.

Maria das Graças. Negra das ancas largas de rebolado enlouquecedor. Já fora convidada para ser musa de marchinha, mas nunca se interessou. Gostava de ser apenas Maria, a lavadeira. Nascida e criada na Cantagalo, Maria ainda pequena assistiu ao nascimento dos primeiros barracos nos idos dos anos 30. Comunidade pequena, onde todos conhecem a vida de todos, Maria era vista como moça de família, temente a Deus. Seu único pecado era ser casada com um bêbado que gostava de vida fácil e muitos goles de água ardente.

Foi isto que primeiro atraiu a atenção do Padre Vitório. A honradez daquela ovelha. O fervor com que fazia suas preces. Mas o que mais chamou sua atenção era como seus lábios carnudos se mexiam enquanto murmurava uma oração, ou quando eles ficavam ressecados e a língua corria sobre toda a sua extensão, o sorriso fácil que sempre tinha para todos, logo após o término da missa, a covinha que se formava no lábio inferior, quando estava concentrada ouvindo ao sermão. Depois, foram as pequenas gotas de suor sobre a boca, os seios que subiam e desciam, apertando o tecido do vestido simples, protestando por estarem presos e longe do toque de seu amante. Ela era a encarnação do pecado, com seu rosto de anjo.

Padre Vitório a via entrar todos os dias na igreja. Os cabelos crespos encobertos por um véu surrado. O ritual diário de ajoelhar-se fazendo o sinal da cruz. A luz da rua, formando uma aura sobre seu corpo.

Depois o caminhar. Lento, provocante, fazendo com que o coração batesse ao ritmo de seu quadril. Esquerda, direita. Até perceber que não respirava mais. Ela se aproximava, trazendo o cheiro de rosas e suor.

- A benção padre.

- Deus te abençoe.

De forma apressada, ele saia em direção à sacristia. Os demônios da luxúria turvando sua mente. O hálito dela, queimando a pele ressequida de sua mão.

Mas eram as noites que mais o atormentavam. Era quando o cansaço vencia a vigília das orações que a mente corria atrás de sua Maria. Maria com seu corpo de Ébano, adentrando ao quarto, trazendo o cheiro do suor e do pecado. Sem pudor, arrancava sua batina, esfregando o corpo no seu. A língua descrevendo um caminho de fogo seguia até seu pênis que pulsava em desespero. Os lábios carmim sugavam seu sexo, arrancando gemidos de prazer. Seus corpos enroscados em uma luta sem vencedor, seios balançando com o movimento frenético dos quadris. Maria oferecia-se para seu deleite, uma potranca de quadro, gargalhando com as lágrimas de culpa que escorriam pelo rosto do homem, regogizando-se com os grunhidos que escapavam a cada estocada. O gozo trazia a realidade. Nestas noites, o sêmen fresco escorria em suas pernas, e as lágrimas inundavam o travesseiro.

E aquela tortura diária afetou o sentido do padre. Seus sermões, cada vez mais inflamados, falavam do pecado da carne, de como o demônio rondava os inocentes. Seu olhar febril corria por sobre os fiéis e sua voz de trovão, proclamava o apocalipse:

- Temam meus filhos! O demônio está em todas as partes. Ele se esconde por trás da inocência. Ele nos testa diariamente. Mas Deus está com aqueles que não refutam o seu poder!

E na primeira fileira, lá estava ela. Maria. A cada palavra, um estremecimento transpassava seu corpo, era como se o êxtase religioso, a fizesse chegar ao êxtase sexual. Suas mãos se uniam, pressionando o tecido do vestido entre suas pernas, um orgasmo em nome do Divino. Os lábios entreabertos sugavam o ar como se fosse difícil respirar.

- O corpo de Cristo. A mão trêmula seguia em direção a língua que se ofereceu, atrevida. A Hóstia é recebida com um suspiro de prazer e adoração. Seus olhos se encontraram. Os dela, duas esferas castanhas e brilhantes. Os dele, escuridão com um segredo no fundo das íris.

Os dias se transformaram em semanas e as semanas em meses. E a aflição do homem santo, apenas aumentava. Como também as marcas da autoflagelação em sua carne. Pediu sua transferência de paróquia.

Já escurecera quando terminou de embrulhar seus parcos pertences. Uma refeição frugal o aguardava, mas foi interrompida por batidas na porta da frente. Pela urgência com que o som chegava aos seus ouvidos, percebeu que era algo importante.

- Quem é?

- Sou eu padre, Maria.

O desespero tomou conta de seu coração. Porque ela não podia deixá-lo em paz? Entreabriu a porta. Ela estava encolhida num canto. Seu olhar varria a rua, como se fugisse de algo.

- Por favor, me deixe entrar.

Afastou-se para que ela passasse, prendendo a respiração quando seus corpos roçam de leve.

- O que houve minha filha? Já é tarde.

Ela pede para passar a noite ali. Diz estar com medo do marido, que novamente chegou bêbado em casa, ameaçando-a com uma faca. Mostra a marca no pescoço e o filete de sangue que escorria.

Perguntou por que não havia chamado a policia e um sorriso, que não alcança seus olhos cansados é a única resposta.

Pegou gentilmente suas mãos levando-a em direção aos fundos da igreja. Ela podia ficar ali por esta noite, mas amanhã, eles iriam juntos prestar queixa.

Lá estava ela, como em seus sonhos. A fraca luz da rua iluminava pedaços de seu corpo. Dormia em sua cama, enquanto ele se recolhe na igreja. Mas não conseguiu resistir ao desejo de observá-la dormindo. Aproximou-se devagar, sentando na beirada do colchão. Ela respirava suavemente e seu cheiro de fêmea impregnava o pequeno quarto. Com total reverência começou a contornar com as mãos suas formas. Primeiro as pernas, passando pelos quadris e a cintura fina, aproximando-se dos seios que estremecem. Assustado olhou para o rosto que o observava com terror.

- Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome. Venha…

O restante da prece se perdeu num turbilhão de desespero. Nada podia salvá-lo agora. Nada podia mudar o que estava em sua alma. Nada podia afastar seus olhos daquela boca.

A polícia foi informada que o corpo de uma mulher havia sido encontrado no terreno baldio na entrada da favela. Havia marcas de violência sexual, e a causa da morte foi asfixiada. O médico-legista não conseguiu identificar o que havia sido usado. O padrão era de marcas profundas como se fosse um colar de contas.

Descobriram sua identidade que os levaram direto ao marido. O histórico de violência, alcoolismo e a faca com resquícios de sangue foi o suficiente para eles. Afinal a polícia não tem o hábito de perder tempo em briga de marido e mulher, ainda mais de favelados.

A nova paróquia era nos confins do nordeste. A vida seguiu seu rumo, entremeadas de missas, confissões e trabalhos de evangelização. Quando a noite caía e enquanto murmurava sua prece, o primeiro sinal de sua presença já se fazia sentir. Era um cheiro de rosas, suor e carne podre. Em meios às lágrimas de desespero, sentia as mãos geladas tocarem seu ombro, e o corpo rijo encostar-se ao seu.

- A benção, padre.

Patricia Soares
Enviado por Patricia Soares em 21/04/2011
Código do texto: T2922394
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