O fogo do Inferno

Continuação de “A Morte”.

É, pessoal, acaba aqui. Foi divertido – pelo menos, para mim. Espero que vocês tenham gostado. Não preciso dizer, outra vez, que escrevi tudo isso em retribuição àqueles que me inseriram em seus contos, né? Faby Crystall, você é grandiosamente infernal, e isso é uma coisa boa, nos dias de hoje. João Athayde de Paula: conheço pouquíssimos indivíduos tão legais e sábios quanto você. Mauro Alves, desculpe, mas você me pareceu ser a isca perfeita, e você arrasa. Mishelley (Michele Dichel), espera um pouco que não me esqueci de você, tá?

Faby não podia acreditar. Tinha certeza de que havia ganho. E faltava tão pouco para salvar o Mauro...

- Por que você não morre, Andhromeda? – perguntou, recuando um passo – Por que você não ficou no Inferno? Lá é tão legal, você ia gostar depois de um tempo...

- Poupe-me, vampira. Aqui na Terra tenho tudo que me apraz. Não vou ficar naquela pocilga.

Andhromeda caminhou decididamente em direção à vampira, cada passo seu deixava uma pegada fumarenta para trás.

- Mas você vai, Faby.

Ela sorriu. E seu sorriso se ampliou, indo de orelha a orelha. Literalmente. A carne do rosto secou, os olhos se consumiram e só as órbitas, profundas e negras, restaram, com um brilho luzindo lá no fundo da caveira. Os cabelos, antes cheios e pretos, tornaram-se serpentes, cujos corpos coleavam ao redor do crânio de sua dona.

- Você vai, e vai sozinha – gargalhou a caveira, batendo os dentes.

Uma mão descarnada se ergueu, apontando um dedo longo e impiedoso diante do rosto da vampira.

- Não!

- Sim – disse a caveira, conjurando chamas pretas ao corpo de Faby Crystall.

A vampira urrou em agonia, caindo sobre os próprios joelhos. As mãos se ergueram tentando apagar as chamas que consumiam o belo rosto. Os globos oculares explodiram, a pele crestou e a carne começou a fritar na própria gordura. Um cheiro como o de porco assado começou a encher a casa.

- MAUROOOO!!!!!

Levou um minuto e meio, dois, no máximo, para que tudo estivesse acabado. Da vampira sobrava apenas uma mancha gordurosa, preta, no piso empoeirado. Espirais de fumaça subiam dela.

A caveira fitou com seus olhos vazios a ruína de sua inimiga. Aos poucos, sua forma humana foi retornando. E ela não passava de uma garota comum, de rosto cheio e olhar penetrante.

- O fogo do Inferno, minha cara – disse, sem sorrir - Não se preocupe, depois de um tempo, você vai acabar se acostumando.

Mauro estava aterrorizado. Algo muito ruim havia acabado de acontecer.

Sua vampira-chefe estava morta. Ele ainda ouvia os gritos ecoando dentro de sua cabeça. Dava tapas sobre os ouvidos tentando arrancar aquele som terrível de dentro da cabeça.

Caiu de quatro no chão e viu as próprias lágrimas formarem uma pequena poça.

- Não, não pode ser – murmurava repetidamente.

Tinha que ser um pesadelo, um horrível pesadelo. Ele ia acordar, a qualquer momento. Precisava acordar ou acabaria enlouquecendo.

A porta se abriu e ele não se preocupou em ver quem ou que era.

- Hora de voltar para a sua casa, Mauro – falou uma voz feminina, simpática.

Ele não respondeu. Devia ser ela.

- Você não pode continuar aqui. Vai lhe fazer muito mal. Ande, levante-se do chão.

Ele deu um tapa numa mão que tentou pô-lo em pé. Levantou-se sozinho. Olhou para a porta atrás da garota.

- Você a matou? –perguntou – Você a matou, mesmo?

- O que você acha?

- Eu acho que a matou.

- Deve ser porque matei, então.

Andhromeda se aproximou, olhou no fundo dos seus olhos e disse:

- Faby Crystall está no Inferno, neste exato momento.

- Tem certeza?

- Uhum.

- Então, está bem.

Mauro não pensou duas vezes. Ultimamente não pensava duas vezes para fazer coisa alguma.

A janela pareceu libertadora, com a lua cheia brilhando atrás dela.

Mauro Alves correu e varou a janela, quebrando com o corpo o que sobrava da moldura de madeira. Caiu no jardim com um baque surdo; havia despencado de uma altura equivalente ao sétimo andar de um prédio. Ele ainda estava vivo quando viu os lobisomens chegando, galopando em sua direção, bocas salivando.

Não fazia diferença. Queria ir ao Inferno. Por sua vampira-chefe, valia a pena ir até lá.

Epílogo

Estava feito. Tudo lá, nos mínimos detalhes, em formas e cores negras como as do fogo do Inferno.

Andhromeda efetuou o logout de sua escrivaninha no Recanto das Letras e desligou o computador.

Será que eles iam acreditar no que ela escrevera, ou será que iam achar que era tudo mais uma invencionice sua?

Tanto faz.

Deixou o pequeno quarto que escolhera para si dentre os infinitos que havia na enorme casa negra. Desceu por uma escadaria que não tinha corrimão e que se inclinava vertiginosamente no espaço, entre outras centenas de escadas que levavam aos lugares mais terríveis do Universo, todas tão distorcidas quanto o seu próprio universo interior.

- Ronaldo! – chamou, quando chegou a sala de estar – Onde está o seu João?

O ex-promotor de justiça e zumbi indicou com um dedo podre a figura em pé, delineada sob a luz do luar, bem na entrada da casa, além dos escombros da porta-dupla.

- Seu João? – perguntou ela, aproximando-se do individuo que acabara de retornar dos mortos – Tudo joia?

Ele encarou-a, em dúvida.

- O que são essas memórias? – perguntou ele – Essas formas luminosas que me enchem a cabeça, esses cânticos tão doces?

Andhromeda sorriu. Exclamou:

- O senhor esteve no Reino de Deus Todo-Poderoso! Que demais! Eu nunca estive lá, infelizmente.

- Eu morri, então?

- Sim. Infelizmente.

- Mas eu estava no Céu! O que estou fazendo de volta na Terra?

Andhromeda coçou a cabeça, sua expressão dizia “opa... que mancada a minha...”.

- Quando poderei voltar para lá? – perguntou João, todas as suas lembranças celestiais começavam a evanescer rapidamente – Quando? Diga-me, por favor.

Com o semblante grave, ela respondeu:

- Nunca mais.

- Como assim?!

- O senhor agora é um imortal. Ou mais ou menos isso... é meio complicado.

- COMO ASSIM?!

Andhromeda achou que estava sendo mais difícil para o escritor entender do que ela imaginou que fosse ser.

- O senhor agora é um feliz colaborador das... Empresas Trevas Ilimitadas.

- Você não espera que eu engula essa história, espera?

- Qual é, seu João! Não me diga que estava pensando em se aposentar?

Ele lhe lançou um olhar oblíquo. Seus olhos agora cintilavam malignamente.

- Acabei de nascer de novo, não é?

- Sim, você nem precisa mais se chamar João, se quiser.

- Gosto do meu nome. Vou ficar com ele.

Andhromeda deu de ombros.

- Cara, você pode fazer o que quiser. Só peço que não me mande ao Inferno. Meu cabelo ainda não se recuperou da última vez.

# FIM #

Andhromeda
Enviado por Andhromeda em 08/05/2011
Código do texto: T2956565
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.