Tocada pelo Demônio

1

Com todo esse tempo que tenho para refletir, percebi que tudo começou com aquela história. A partir daquele dia minha vida mudou completamente. Eu nem imaginava as coisas horríveis que eu estaria sujeita a passar depois daquilo. Eu posso dizer que conhecer aquela história foi o ponto inicial do que viria a seguir. Talvez também não. Talvez acontecesse de uma forma ou de outra, mas como eu acho que foi assim que tudo começou decidi contá-la.

São impressionantes as inúmeras histórias de fantasmas que ouvimos quando criança. Geralmente contadas em rodas de amigos ao redor de uma fogueira. Essa foi contada por Rodrigo, um amigo que há muito se mudou e deixou a cidade. Se não fosse por aquela história, eu nunca teria descoberto o segredo de minha família. Por isso achei importante relatá-la nos mínimos detalhes.

Foi durante uma viagem de verão. Fomos para um rio aos arredores de nossa pequena cidade onde uma magnífica cachoeira fazia sucesso. Éramos cinco: Eduardo, Camila, Rodrigo, Patrícia e eu. Nós tínhamos nadado e nos divertido muito durante o dia. O clima estava agradável e a mata sussurrante se encabia de dar a sensação de aventura.

Mais tarde, quando o sol desceu entre as árvores e os primeiros pontos luminosos surgiram no céu, voltamos para nossas barracas onde comeríamos milho assado na fogueira.

A noite estava fria. Muito diferente do calor revigorante do dia. As folhas das árvores farfalhavam e os grilos cricavam à beira do rio. Foi então que Rodrigo começou:

– Vocês já ouviram aquela história do marido traído que volta da morte para se vingar de sua esposa?

Todos disseram que não, menos eu.

– Já ouviu? – surpreendeu-se Rodrigo, um pouco desapontado.

– Já – menti, meneando a cabeça afirmativamente.

Eu estava morta de medo. Não queria ouvir história nenhuma. Apenas assar meu milho e falar de coisas alegres. No entanto, Patrícia acabou com minhas esperanças de enganar Rodrigo.

– Ela não ouviu não. Pode contar, Rodrigo. Ela está mentindo porque está com medo.

Eu tive vontade de beliscar ela, mas fiquei na minha. Rodrigo cutucava a fogueira com um graveto fazendo cinzas incandescentes dançarem no ar. Pelo sorriso em seu rosto vi que fazia suspense só para tornar a história mais assustadora.

– Essa história aconteceu mesmo – começou Rodrigo, falando calmamente – Meu pai...

– Espera um pouco! – interrompeu Camila. Ela estava com a cabeça apoiada no ombro de Eduardo e quando se levantou percebi que ele ficou um pouco frustrado. Não eram namorados, mas eu sabia que Eduardo gostava dela. Era o tipo dele. Magra e baixa com cabelos curtos e cacheados de um castanho natural.

– Aonde você vai? – indagou Eduardo, irritado por ter sido interrompido.

Camila já ia longe em direção à nossa barraca quando olhou sobre o ombro e gritou:

– Vou buscar um cobertor! Não começa sem mim!

Na parte detrás do short branco e curto, dava para ver uma marca redonda. Isso por ter vestido o short com a calcinha molhada.

– Aah, vai – falou Patrícia, ao meu lado – Conta logo. Deixa que ela venha.

– Tá. Mas não me interrompam – advertiu Rodrigo.

Neste instante Camila chegou com um cobertor enorme nos braços. Sentou-se ao lado de Eduardo e embrulhou o corpo. Ele disse algo no ouvido dela que acho que ninguém ouviu, mas foi engraçado ou obsceno porque ela ficou vermelha e sorriu.

– Foi bem assim – continuou Rodrigo – Tinha um homem muito, muito, mas muito feio mesmo...

– Igual a você – disse Eduardo, rindo. Camila deu um beliscão no braço dele e ele sossegou.

– Esse cara era tão feio – continuou Rodrigo, fuzilando Eduardo com os olhos –, que todos tinham medo dele. O rosto dele era... Como é mesmo o nome...

A fogueira crepitou nessa pausa.

– Deformado! O rosto dele era todo deformado. Entenderam?

Fizemos que sim com um leve aceno de cabeça. Pude sentir Patrícia chegando para mais perto de mim no tronco de árvore que nos servia como banco.

– Então, – continuou Rodrigo – esse cara deformado, tinha muito dinheiro. Era podre de rico. Eu não sei em que ele trabalhava, mas dava muito dinheiro...

Esfreguei meus braços nus para esquentar. O frio estava penetrante apesar da fogueira está bem alta. Eu podia sentir meus mamilos enrijecidos sob a blusa fina de algodão. Contudo, não estava apavorada.

– ... e tinha uma mulher muito bonita mesmo. Daquelas que vemos em calendários de borracharias.

Todos riram

– Essa mulher ficou muito interessada no dinheiro desse homem feio e por isso casou-se com ele – continuou Rodrigo – Mas essa mulher tinha um amante. Daqueles caras bem fortões, sabem? Então eles combinaram que quando o homem feio chegasse do trabalho eles o matariam.

– Credo... – sussurrou Patrícia.

Eu podia sentir os pêlos da perna depilada dela roçando na minha. A sensação era desagradável. Eu queria me afastar, mas tinha medo de que ela percebesse e se sentisse ofendida. Eu não gostava muito de Patrícia, mas a tratava bem por ser amiga de minha melhor amiga Camila.

– Pois é – disse Rodrigo, olhando para a fogueira – Eles machucaram muito ele. Mas o cara ainda estava vivo quando eles...

– Eles o quê?! – perguntaram Patrícia e Eduardo em uníssono.

Rodrigo deu um sorriso malicioso fazendo suspense.

– Amarraram os pés dele a um bloco de cimento e jogaram em um lago da cidade...

– Meu Deus... – murmurou Patrícia.

Eu queria que ele parasse de contar a história. Não tinha mais graça. Todos estavam tão compenetrados nela que tinham deixado os sabugos de milhos de lado. Nem Eduardo – sempre tão brincalhão – fazia gracinhas. Camila estava calada, mas isso era normal. Ela era assim quase o tempo todo então não fazia diferença. De onde eu estava só via os cabelos cacheados dela e os olhos brilhando por causa da luz da fogueira.

– Mas isso não é o pior - prosseguiu Rodrigo, cutucando a fogueira. A ponta do graveto pegou o fogo então ele bateu diversas vezes no chão para apagar. Deixou o graveto de lado, cruzou as mãos e continuou:

– O pior foi que passado alguns dias, a mulher começou a ter pesadelos com o falecido. Nos sonhos, ele aparecia todo apodrecido com a pele roxa e coberto de algas. No rosto, vermes rastejando entre as frestas das feridas... Muito nojento mesmo.

Senti ânsia de vomito nessa parte. Eu consegui imaginar perfeitamente aquele rosto deformado coberto de vermes. Acho que todos podiam ouvir as batidas aceleradas do meu coração. Eu estava apavorada. Nem sei por que Camila sentia frio, porque eu estava suando.

– Num desses sonhos – prosseguiu Rodrigo, fúnebre – O homem disse bem assim para a mulher – Rodrigo pigarreou e mudou a voz para ficar parecida com a do monstro – “Estou voltando, meu amor... Mas estou voltando bem devagar, porque os pedaços do meu corpo ficam caindo pelo caminho...”.

E assim acabou a história. Ninguém disse nada por segundos. Acho que todos estavam repassando a história na mente.

Depois de um tempo fomos dormir e no dia seguinte fizemos nossa viagem de volta. No carro de Patrícia, ninguém mencionou a história - o que acho que foi um alívio para todo mundo. Contudo, aquela frase final não saía de minha cabeça: “Estou voltando, meu amor... Mas estou voltando bem devagar, porque os pedaços do meu corpo ficam caindo pelo caminho...”.

2

Dias depois tive uma conversa com minha mãe na cozinha. Era uma linda manhã e a luz do sol penetrava pelas janelas da frente. Ela fazia bolo e o cheiro pairava no ambiente.

Eu estava pronta para ir à escola, mas antes, surpreendi minha mãe com uma pergunta.

– Mãe?

– Mmmm... – murmurou ela, enquanto remexia a colher na panela.

Respirei fundo, tomei coragem e perguntei:

– Você já viu um fantasma?

Minha mãe parou de mexer a colher no mesmo instante. Ela se virou lentamente para mim. Tinha o semblante assustado. Seus olhos fitavam os meus de uma forma estranha.

– Por que está me perguntando isso, filha?! – falou, energicamente. Como se eu tivesse perguntado com quantos caras ela havia transado.

– Ah... Não sei, mãe – fingi que estava mexendo em minha trança -Vi um filme outro dia e... achei que esse negócio de fantasma poderia existir.

Minha mãe voltou-se para a panela. De costas para mim, falou:

– Isso não é assunto para se falar dessa maneira, Leila – fez uma pausa e depois acrescentou num tom de luto: – Hora nenhuma para falar a verdade.

Fez-se um silêncio constrangedor. Levantei-me da cadeira, fui até minha mãe e beijei-lhe a bochecha.

– Te amo, mãe.

E saí pela porta.

Eu já sabia que causaria essa reação em minha mãe. Porque eu a fiz se lembrar de algo que doía em nós duas. A morte de meu pai. Meu pai tinha morrido quando eu tinha oito anos. Eu recebi a notícia um mês depois porque minha mãe não tinha coragem de me contar. Ela me disse que ele tinha sofrido um acidente de caminhão enquanto fazia uma de suas viagens. Eu não me lembro bem como me senti na época, porém, lembro-me de um grande vazio. Um vazio que me atormentava toda a noite.

Também lembro de um quarto. Um quarto repleto de instrumentos estranhos, fotos bizarras, poeira, ratos e um quadro. Eu não me lembro bem o que tinha no quadro, mas sei que ficou na minha memória por muito tempo.

Hoje eu sei por que tenho a lembrança desse quarto. É o quarto que minha mãe sempre manteve trancado — por motivos inexplicáveis — durante toda minha infância. Aos meus dez anos de idade, exatamente dois anos após a morte de meu pai, descobri o que minha mãe escondia nesse quarto.

Foi em um dia de inverno. Minha mãe tinha saído para comprar leite e pães e me deixou sozinha. Como eu já era uma mocinha, ela me deixava sozinha às vezes. Eu já vinha rondando a porta do quarto trancado há muito tempo. E toda vez que minha mãe se distraía ou dormia, eu rodava pela casa inteira procurando a chave. Para minha decepção, eu nunca encontrava.

Entretanto, nesse dia, por questão de descuido ou por ter esquecido mesmo, ela deixou seu molho de chaves pendurado em um prego na cozinha.

Eu lia um livro no sofá despreocupadamente. Ainda não sabia que ela havia esquecido o molho, mas como todas às vezes, eu esperava ela sair para só assim procurar.

Minha mãe beijou o topo de minha cabeça e se despediu. Disse que não demorava e que qualquer coisa que eu ligasse para ela. Eu falei que eu ia ficar bem e continuei a olhar para meu livro — porque naquele ponto eu nem lia mais.

Assim que ela saiu pela porta, contei até dez e saí disparada pela casa. Olhei em todos os lugares que eu estava acostumada a olhar: no quarto dela, nos enfeites da estante da sala, atrás de quadros, nas gavetas; até que passando pela cozinha, meio de relance, vi o molho reluzindo na parede. Não contive o entusiasmo e dei um grito de alegria. Peguei o molho e corri pelas escadas saltando de dois em dois degraus. Fiz a curva do corredor meio que derrapando e quando cheguei à porta do quarto, parei. Parei por que repentinamente e inesperadamente senti medo.

Fiquei lá por instantes olhando para a madeira trabalhada, o buraco da fechadura que muitas vezes tentei olhar, mas por causa da escuridão não conseguia e, algo estranho aconteceu. Senti nos meus dedos dos pés uma lufada de ar fria. Calafrios percorreram minha espinha e por um segundo pensei em desistir daquilo, mas eu não podia. Não depois de tanto tempo tentando.

Segurei o molho de chaves na frente dos olhos. Foi fácil distinguir a chave certa das demais. Ela era grande, diferente das outras e levemente enferrujada. Introduzi-a no buraco e esperei – talvez esperando que outra coisa estranha acontecesse, mas isso não ocorreu. Tomei ar e girei a chave. Escutei um Clic! E como mágica, a porta se abriu sozinha com um rangido assustador.

Um cheiro podre veio ao meu nariz. Tossi. O mau cheiro era semelhante a jornais velhos que tivessem secado ao sol, mesclado com cheiro de coisas mortas. E mais uma vez tive vontade de correr, contudo, a curiosidade era maior.

Olhei para o interior. Estava tão escuro que eu só consegui ver a silhueta do que aparentemente eram móveis cobertos com plásticos. Presumi que fosse plástico porque minha mãe tinha a mania de fazer isso. Dei alguns passos para frente e parei no vão da porta. Meus olhos tinham se acostumado um pouco com a escuridão então pude enxergar uma estante velha repleta de livros do lado esquerdo. Eu podia sentir a poeira sob meus pés e arrependi-me de não ter colocado as sandálias primeiro. Tateei na parede do lado da porta procurando o interruptor, mas para meu azar descobri que não tinha. Semicerrei os olhos e vi que no centro havia uma mesinha com o que parecia um abajur daqueles bem antigos. Fiquei torcendo para que estivesse funcionando. Focalizei o abajur e caminhei com passos rápidos até ele. Procurei um botão, manivela, qualquer coisa, mas constatei que bastava enroscar a lâmpada. A luz acendeu de uma vez e fiquei momentaneamente cega. Coloquei as mãos nos olhos e esperei. Quando abri novamente fiquei chocada com o que vi.

Não era apenas um quarto. Era também uma espécie de laboratório. Do lado direito, uma bancada metálica ostentava diversos aparelhos estranhos como: tubos de ensaios – esses com líquidos viscosos -, bisturis, tesouras, bandejas metálicas e o mais assustador de todos: um vidro com o que parecia um cérebro, de animal eu esperava. Nem cheguei perto do cérebro. Em vez disso, fui em direção a estante. Eu era aficionada com livros e esperava que lá estivessem minhas respostas. Não dava para ver os títulos então tirei um na sorte mesmo. Levei-o para perto do abajur, soprei a camada de poeira e o abri. Dei um gemido de pavor. Não era um livro normal. Havia mais desenhos do que palavras. Desenhos grotescos, mas de uma prática impressionante. Um deles mostrava um antebraço aberto onde eu podia ver todos os tendões e veias. Virei a página e levei a mão a boca de horror. Esse mostrava uma mulher nua, deitada sobre um pentagrama – de bruxaria, eu pensei –, e em seu tórax, diversas palavras de uma língua estranha. Eu não queria ver mais nada. Estava apavorada e ao mesmo tempo muito zangada. Como minha mãe podia manter tais coisas absurdas dentro de casa? E o mais importante: Por quê?

Coloquei o livro no lugar e estava prestes a ir embora quando notei um quadro. Um quadro imenso ao lado da estante. Eu não conseguia enxergar a imagem então peguei o abajur e o levei até próximo ao quadro. Depois disso, lembro-me de deixar o abajur cair e logo depois desmaiar. Seja o que fosse que estivesse naquele quadro, foi demais para minha mente de dez anos agüentar.

Acordei muito tempo mais tarde em minha cama com minha mãe ao meu lado. Ela não falava uma palavra, apenas afagava meus cabelos e murmurava uma canção de ninar. Quando fiz menção de perguntar-lhe o que tinha acontecido, ela levou os dedos aos lábios e fez Sheee para que eu não falasse. Nunca, perguntei novamente. E também nunca, encontrei novamente aquela chave.

Contudo, as coisas mudaram há três dias atrás. Quando negligentemente, liberei a... Coisa.

3

Eu me negava a aceitar que meu pai tivesse feito algo horrível quando era vivo, pois ele era muito gentil comigo. Entretanto, aquele quarto e... aqueles instrumentos, livros, e por último e o mais assustador... Aquele quadro misterioso.

Por isso decidi que arrombaria aquela porta quando minha mãe não estivesse. Eu não era mais uma menininha assustada e frágil de dez anos de idade. Eu deixaria que a maturidade dos meus dezesseis anos desse-me coragem. Assim que minha mãe saiu – que não me lembro pra que, mas também não importa – subi até o quarto com uma chave de fenda e um martelo.

Nem hesitei, introduzi a chave de fenda no buraco da fechadura e martelei o cabo com o martelo. Depois de umas cinco ou seis pancadas a porta se abriu. Aquele mesmo cheiro podre me trouxe uma dose de nostalgia e medo. Vi-me novamente em frente aquela porta. Pijama rosa e descalça. Mas eu não teria medo agora. Entrei de uma vez – tomando precaução de manter o martelo comigo – e dirigi-me para onde antes estivera o abajur.

Lembrei-me de supetão que o havia deixado cair quando criança. Exatamente perto do quadro. Olhei em volta. A escuridão não me deixava ver mais do que sombras. O quarto não tinha janelas. Detalhe que não reparei quando criança. Por isso era escuro daquele jeito. Eu esperava que a lâmpada não se acendesse por causa da queda, mas a proteção do abajur protegeu a lâmpada. Apenas um pedaço do vidro tinha se quebrado, e a lâmpada permanecia intacta. Ela acendeu e a luz fraca e mortiça iluminou uma boa parte do quarto.

Estava tudo como era antes. Do lado direito, a bancada com os instrumentos metálicos: tubos de ensaios, bisturis, e instrumentos diversos. Detive os olhos no vidro com o cérebro. E, por Deus, era humano! Senti-me enojada e decepcionada. Eu sabia que muitos especialistas mantinham órgãos humanos guardados para estudos posteriores, mas meu pai era um simples caminhoneiro! Por que ele mantinha aquilo ali? Com que propósito? Senti raiva de minha mãe por aceitar aquilo. Minha mãe sabia com certeza.

Concentrei-me no que viera fazer... O quadro. Levei o abajur até o quadro próximo a estante, ergui-o acima da cabeça e vi.

Era uma coisa inescrupulosamente profana e ao mesmo tempo leviana. Eu não sabia se o que eu estava vendo era verdade, ou apenas um desenho. A princípio parecia apenas um desenho feito por um bom pintor, mas olhando – e repulsando – melhor, constatei que era uma foto e... Não era possível.

O que eu via era uma mulher magra, nua, e de cócoras. O braço direito estava junto ao corpo com a palma da mão levantada com os dedos mindinho e anular fechados enquanto os três restantes estavam abertos. No antebraço, uma inscrição fora feita em carne viva. O braço esquerdo pendia para baixo com os dedos da mão no mesmo gesto da esquerda e no antebraço, outra inscrição – numa linguagem desconhecida para mim. Na cabeça da mulher estava colocada uma cabeça de bode, cabra... sei lá, com chifres enormes e em cima desta, uma vela vermelha acesa. Asas negras – feitas artesanalmente, presumi – saíam por trás das costas da mulher e sumiam para fora do quadro.

E o ato mais pecaminoso e lascivo que eu já vira: um pênis ereto sobressaía-se passando pela vagina – coberta de pêlos – e subia até a virilha. Com isso, entendi que a mulher na verdade não estava de cócoras e sim sentada no colo de um homem, porém não se via as pernas do mesmo. Talvez quem tenha tirado a foto soubesse como editá-la para que só aparecesse a mulher e criando assim aquela imagem horrenda e ambígua. Com os dois sexos juntos, parecia que a mulher demonstrava, propositalmente, uma dualidade demoníaca.

Fiquei paralisada por segundos, minutos, ou talvez horas, sem sentir nenhuma sensação. Fora, uma sensação que eu já conhecia. Aquela ardência que trespassa pelo meio de minhas pernas e sobe para meu abdômen geralmente durante a noite. Inconscientemente, me vi fechando os olhos. Imagens surgiram na minha mente. Cenas sexuais que eu já mais vira. Um misto de sensações boas e ao mesmo tempo sujas correram por meu corpo. Vi-me praticando sexo das formas mais antinaturais, animalescas e violentas que existem. Pessoas; homens, mulheres, crianças, todas juntas. Então senti uma explosão que se iniciou do meio de minhas pernas e correu por todo meu corpo. Gemi de prazer – como nunca fizera antes.

Então voltei à consciência. Algo escorreu de mim e desceu por minhas pernas. Enfiei a mão por dentro da calcinha e quando a levei aos olhos, vi que estava suja de... sangue! Comecei a gritar histericamente. As lágrimas rolaram de meus olhos. Senti dor, muita dor. Eu tinha sido violada por alguma coisa... suja, demoníaca. Alguma coisa que definitivamente não era deste mundo. Olhei novamente para o quadro. A causa de tudo aquilo.

Novamente senti algo me tocando, resisti mentalmente. A Coisa recuou por um instante, mas depois voltou com mais força. O martelo em minha mão cantava. Cantava em uma língua estranha. Sussurrada e melodiosa. Então, involuntariamente, minha mão segurou o martelo pelo cabo e esfregou-o na parte da frente de minha calça.

Gritei e joguei o martelo contra o quadro.

- Fique longe de mim! Não me toque!

Eu estava chocada demais para reagir de qualquer forma possível. Agora eu entendia por que tinha desmaiado quando pequena. Aquilo era demais para meu consciente racional aceitar. E agora eu não sabia como levaria minha vida adiante. Eu não poderia mais fingir que aquilo não acontecera. Mas, o mais terrível de tudo era que aquela mulher no quadro, era minha mãe...

Sr Terror
Enviado por Sr Terror em 14/05/2011
Reeditado em 21/05/2011
Código do texto: T2969606
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.