Arena do Destino

Ela já havia perdido a noção de tempo, mal sabia se era dia ou noite. Apenas permaneceu na espera em sua cela, no exílio de seus pensamentos. O torneio era algo sangrento, onde muitos eram mortos e expostos como animais, tudo assemelhava-se as arenas de Roma, mas com um toque de modernidade, pois era transmitido para outros países, para quem pagasse um alto valor para assistir. Um meio ilegal e cruel de enriquecer as custas de outras vidas.

Laura teria de sobreviver, sair daquele lugar horrendo cravado em sua memória, pois fora o lugar que forjou uma caçadora fria. Mas em pouco tempo, tudo havia mudado, conheceu alguém que lhe reascendeu os sentimentos humanos a tanto esquecidos, que a todo custo relutava, ocultando-os, como um segredo sombrio em si mesma. E em quatro rounds sua vida e seu destino seriam decididos na ponta de uma espada.

Seus olhos compenetrados aguardavam a abertura das portas de ferro, a luz ofuscou os seus olhos e os gritos da plateia que clamavam pelo seu sangue ecoavam como um cântico de morte. Milhões de seres pálidos a fitavam desejando cada gota do seu sangue, e lá estava ela em seu trono, a rainha escarlate, sua antiga mestra. Uma mulher bela de longos cabelos vermelhos luminosos e olhos de azeviche.

A sua frente seu adversário, um homem de estatura mediana e corpo musculoso que empunhava uma espada larga nas mãos. Usava um colete de couro curtido que lhe cobria boa parte do dorso, os olhos negros como carvão emanavam puro ódio de sua máscara.

- Que comecem os jogos... – disse sua mestra.

O homem avançou, pressionando o cabo da espeda até que seus dedos ficassem brancos. Ela, que possuia olhos bem treinados, graças a sua habilidade em combate podia prever seus movimentos. A espada cortava o ar, atravessando rente aos seus ouvidos, zunindo enquanto a lamina se aproximava. Laura segurava nas mãos dois gládios, espadas curtas usadas por gladiadores do passado. Bloqueava os golpes com facilidade, sentindo o impacto da força do homem em seus músculos. Mais golpes, e sua força era drenada lentamente. Teria de acabar com o combate o quanto antes. O guerreiro recuou a espera de um movimento ou reação de sua oponente. O tempo havia cessado, tudo parecia um pouco lento, como se ambiente houvesse ganhando uma aquosidade momentânea. Laura esperava o momento certo de abater a sua caça, e esse momento chegou. Os músculos se contraiam enquanto o guerreiro corria em sua direção, com um único golpe, ela acertou os músculos de sua perna, fazendo-o tombar. O guerreiro já sem sua máscara, com os dentes cerrados e dor, apoiava as mãos na perna ferida, na tentativa de suprimir o sangue que vertia do corte profundo. Laura desviou os olhos para sua mestra, que lhe ordenou meneando a cabeça, que o executa-se. E assim Laura o fez, decepando a cabeça do perdedor, perpetuando na expressão do executado o olhar de puro pavor.

As espadas já haviam provado do sangue de seu primeiro oponente, quando segundo entrou e ela sabia o que ela era, uma vampira. Aparentava ser muito jovem, a pele pálida e os olhos completamente negros, não negavam, uma cria de sua mestra. Laura lembrou-se de suas caçadas, de como organizava suas armadilhas, enfraquecendo seus oponentes para depois elimina-los, mas agora era muito diferente, teria de entrar em combate direto com uma imortal. Os primeiros golpes vieram rápidos, um soco potente no estômago a tirou o ar dos pulmões, uma das espadas saltou de sua mão, permanecendo apenas uma, a qual ela segurava com força. Bloqueava os golpes o quanto podia, mas sentia o cansaço de seu corpo, teria de desprender mais energia para eliminar sua oponente. As pernas duras da vampira a atingiram, arremessando seu corpo a alguns metros á frente. Com o rosto colado na areia, sentia o odor de sangue coagulado na terra seca, protagonista de varias mortes. A vampira a alcançou e a observou enquanto arrastava-se na arena e com um sorriso sarcástico nos lábios.

- Quem diria, a caçadora de minha mestra, reduzida a isto. E eu nem comecei a me divertir de verdade... - zombou a vampira de olhos negros.

Ela pensou. A lamina de sua espada, era a sua salvação, embebida em sangue de um morto, o sangue que pertence á morte. Esticou os braços rapidamente, alcançando o corpo decapitado ao seu lado, mergulhando a lamina na areia embebida em sangue morto. A vampira atiçava o público para que honrassem a sua batalha, vangloriando-se da vitória que ainda não lhe pertencia. Aproximou-se de Laura, que aparentava estar beirando a inconsciência, de olhos entreabertos. A vampira ergueu a mão livre, para perfurar o corpo da caçadora. Mas Laura, despertando de um sono falso, estocou a vampira com a lamina dos mortos. Os olhos negros injetados estavam repletos de dor, o corpo se contorcia em uma posição fetal, agonizando, envenenado. Laura levantou, segurou o cabo da espada e apoiando um dos pés no dorso de sua inimiga, retirando a lamina maldita, desta vez não olharia para sua mestra.

- Não deveria cantar vitória antes do termino desta luta... – com um golpe certeiro, unindo seu corpo a espada a cabeça da vampira tombou, diante dos pés de sua criadora. E o público dividiu-se entre vaias e aplausos.

E o próximo adversário entrou, um homem de longos cabelos negros, preso por correntes grossas e uma coleira com espinhos. Estava sujo e maltrapilho, com diversas chagas purulentas espalhadas pelo corpo. Homens o encaminhavam ao centro da arena, segurando bastões de ferro que emitiam eletricidade nas pontas, eles o seguravam com força enquanto o torturavam com as suas armas. Atrás de Laura um painel se abriu, com diversas armas a sua escolha, machados de duas mãos, lanças e espadas todas feitas de prata. E a escolhida foi uma lança. O homem tentava se livrar das correntes, inutilmente, pois elas também eram feitas de prata. Laura, desconfiava da real identidade de seu oponente. Então os guardas começaram a atiça-lo com as suas armas elétricas, o prisioneiro se contorcia de dor, urrando e bufando como uma fera enjaulada. Por alguns minutos o rosto do homem maltrapilho se revelou, e ela teve a certeza de quem realmente era, Ansur. O homem que a protegera por anos, a ela e seu irmão, que sempre esteve ao lado em horas de extremo perigo.

A face do homem alterada pela dor, ganhou características animalescas, os olhos de um brilho âmbar e uma espessa pelagem negra começaram a surgir. Presas pontudas e garras afiadíssimas despontaram, e em uma dança macabra seu corpo ganhou a forma de uma fera imensa, um lobo. Como Ansur, poderia ter sido transformado em um escravo, como poderia ter ocultado a sua identidade por tantos anos, ocultando um lobo na pele de um humano. A fera também lhe parecia familiar, era a fera que a atacou, em uma noite no armazém, quando capturou o seu irmão. Então a fera demonstrou toda a sua força, rompendo as correntes que o aprisionavam e a coleira que quase o sulfocava. Em um rompante de fúria, ele atacou os guardas que o aprisionavam. Com as patas lançou um contra a parede, fazendo o sangue explodir pelas narinas. O outro em uma tentativa inútil de correr, teve a cabeça decepada, rolando entre as areias da arena. O próximo, teve o dorso atravessado pelos punhos do animal, fazendo com que todas as vísceras escorressem ainda quentes entre as suas pernas. E o último homem a morrer, foi mastigado como carne crua e sangrenta. Aquela era a visão mais aterradora que Laura podia vislumbrar, toda a violência e selvageria presentes em um único e poderoso ser.

A rainha escarlate, sorria, satisfeita com aquele espetáculo horrendo, deleitando-se com cada instante de agonia de seus soldados. Laura se deteve, por alguns minutos seus sangue congelou e o medo lhe envolvia a alma, esperou que seu oponente a reconhece-se, mas sabia que a fúria em seus olhos já havia dominado e extinguido o que ainda havia de humano naquele extraordinário ser. Então a rainha ordenou o inicio de mais um combate.

A fera espumava uma densa saliva entre as suas presas, revelando toda a ira em seus olhos. Correu até a sua oponente, que desviou no último minuto, rolando entre as patas do animal. Em mais uma investida rápida, ele a derrubou violentamente contra o solo, abocanhando seu braço que estava protegido por uma braçadeira de metal. Suas presas pressionavam com força seus músculos, e por alguns poucos centímetros não perfuraram a grossa camada protegida por couro batido. Laura golpeou um dos seus olhos, fazendo a fera recuar, sangrando e uivando.

Não havia tempo, ela teria de ser rápida. Matar ou deixa-lo viver. Havia uma maneira, uma única forma de libertar Ansur. atravessar o coração da fera com aquela lança de prata. A duvida surgia, corroendo a sua humanidade, matar ou morrer na garras daquela fera horrenda. Mas era Ansur, como poderia conviver com isso, com a terrível lembrança de um combate, onde a morte de seu protetor seria o seu triunfo. Antes que o lobo investisse novamente contra ela, uma ideia súbita lhe veio a mente. Posicionou a lança a sua frente, e enquanto a fera corria ao seu encontro cravando as unhas nas areias secas, ela esperou. O tempo cessou por alguns milésimos de segundos, e sua mente libertou-se do medo, afinal era uma caçadora e ele era a sua caça. No momento derradeiro em o lobo saltou sobre ela, a lança já havia perfurado o peito do animal. Que caiu em seus últimos momentos de vida. A lança estava cravada, e o corpo do lobo tomou novamente a forma humana, lentamente as feições de Ansur retornaram. Laura ajoelhou sobre o corpo do homem nu, tocando o seu rosto castigado por anos de escravidão. Aproximou os lábios de seu ouvido, com lágrimas que há muito tempo não vertiam de seus olhos, gotas de pura tristeza.

- Ansur, me perdoe...

Ele esboçou um tímido sorriso em seus lábios, e os olhos cansados se fecharam lentamente, até que estivesse em um sono que jamais despertaria.

O lobo enfim estava livre...

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Faz parte do projeto solo, GUARDIÕES DA SOMBRAS.

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 15/05/2011
Reeditado em 16/05/2011
Código do texto: T2972295
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