Macabra Realidade (parte III)

Todas as presas saíram de suas celas, gritando, batendo, se empurrando, espalhando o caos e a desordem, fumaça, colchões queimados e brigas, muitas brigas, presas que se esfaqueavam em franca força de um ódio contido e aprisionado em grades.

Em outro tempo (uma semana antes) teriam esquartejado a “Comedora” mas agora ela era heroína das mulheres oprimidas, gritos de euforia se seguem e o alarme soa.

Agora não eram detentas, eram rebeladas, assassinas, prostitutas, traficantes, agora todas eram um único grupo, um corpo destinado à violência e protestos vazios. Ávidas pela liberdade, pela fuga.

Fátima e outras detentas se infiltram pelos diversos setores do presídio e com ajuda de uma detenta se apodera das roupas e crachá de uma funcionária de escritório. E correm como inocente até a entrada principal onde já se posicionavam os policiais da tropa de choque.

- Por favor nos deixem sair ela querem nos matar.

- Negativo senhora, precisamos confirmar sua identidade antes.

- Pelo amor de Deus eu faço da vida delas um inferno, abre elas vão me matar.

E condoído pela súplica da moça ele abre e as duas saem aos prantos. Assim Fátima que até uns dias atrás era uma simples operária se torna uma foragida, classificada como psicótica e perigosa.

*** *** ***

Paulo chega em casa do mercado, satisfeito, sem peso na consciência e ciente e confiante da impunidade, logo Fátima estaria morta na rebelião que vira na TV.

Que gosto doce tinha a vingança, sem abandono, sem ser o corno do bairro, Matias era dejeto no esgoto e Fátima a adúltera seria linchada pelas detentas.

Agora sua vida seguiria em “paz” com a honra lavada em sangue, sim muito sangue, abriu uma cerveja da geladeira e olhava a TV com pensamento longe, pensava em Matias, mas com sarcasmo, com a sandice de um psicótico perigoso, recordava como vivesse naquele minuto os últimos momentos de Matias, desde a entrada na van até o virar refogado que seria servido para Fátima. O olhar de Matias de desespero ficando quieto à medida que mergulhava no torpor do sedativo.

Ria vazio nesta lembrança, como fosse um filme viu-se tirando o desmaiado do carro, arrastando até o casebre e no porão o amarrando na mesa de desossa. A espera dele acordar... não haveria graça fazer isso com ele sedado.

- Onde estou?

- Em seu destino final

- Paulo você ficou louco, o que é isso, me solte imediatamente – disse Mathias com autoridade.

- Eu acho que vc não está em condições de me exigir nada Mathias, você não achou legal comer a mulher dos outros? Fazer o cara de otário? Eu via como você me olhava, como você fazia questão de me espezinhar, de por suas mãos imundas naquela cadela da Fátima.

- Você não está entendendo nada, não é bem isso que você está pensando.

- Ah não? Então como é que é? Era você dentro dela apenas, era só um caso sem importância que este merda aqui nunca saberia de nada.

Fez-se um silêncio quase sepulcral nesse instante até que Paulo tornasse a falar:

- Eu bebi, eu chorei, por fim, me contentei em ser o lixo que ela recebia na cama de noite, mas eu sei o que ela planeja, ela planeja me deixar para ficar com você, seu monte de merda, seu maldito, você por acaso pensa nos outros? – disse já berrando a planos pulmões – Responde seu merda!

- Penso sim.

- Pensa? Pensa mesmo? Que bom Mathias, vou lhe dar algo para você refletir enquanto eu trabalho em você.

Nisso Paulo colocou um enorme espelho aos pés de Mathias, um espelho inclinado de modo que Mathias podia se ver como um todo, o quarto era escuro e apenas um spot de luz incidia sobre a mesa, deixando visíveis apenas as mãos de Paulo e o corpo nu de Mathias amarrado à mesa.

- Vamos começar por aqui Mathias, o pequeno Mathias, nossa como é pequeno, o que será que a vadia viu nele.

- Pelo amor de Deus Paulo, para, eu lhe dou tudo que você quiser, casa, carro, dinheiro, eu não conto à polícia, eu lhe imploro.

Uma gargalhada de sarcasmo ecoou na sala e as palmas de Paulo foram ouvidas:

- Meus aplausos a você Mathias, você agora me respeita, sim você me respeita, você só faz isso porque eu agora não sou o corno e sim uma ameaça.

Dizia isso amarrando um apertado elástico na base do pênis de Mathias.

- Nãão, nãão...

- Agora é tarde para arrependimento, sinta o poder da minha vigança – e com a loucura como aliada e o ódio como comparsa, Paulo sacou um estilete e cortou o pênis de Mathias que urrava de dor e desespero enquanto Paulo gargalhava com loucura.

Arremessou o que foi cortado na parede e rindo continuou:

- Como é doce a vingança.

Feito isso ligou uma motosserra e começou a desmembrar Mathias em um banho de sangue, os berros eram hediondos como a demência que se apossava de Paulo, aos poucos o sangue tomou conta do lugar na mesma medida que os gritos de Mathias foram sumindo.

Com uma faca ele tirou um pedaço de carne da coxa do seu outrora desafeto e disse para o espelho:

- Este é para minha amada esposa – e saiu rindo como só os dementes conseguem nestas horas.

Cuidadosamente descarnou o defunto, limpou o chão e utensílios, estava de luvas de látex para dificultar sua identificação como autor do crime, tudo precisava ser perfeito, matar o desgraçado e condenar ao suplício de uma vida inteira a sua esposa traidora.

Depois de tudo limpo o assassino borrifou água oxigenada por todo o local, e em seguida lavou com muita água e muito cloro, tanto que quase se intoxicou com os produtos usados. Descansou um pouco e agora seria preparar as coisas e para que sua “amada” esposa recebesse sua surpresa.

Ainda rindo com a loucura estampada no rosto diabólico Paulo repetia as palavras que usou para executar seu plano macabro, gesticulava, estava histérico e de certa forma contente, Fátima morta, o amante maldito morto e ele ali “inocente” apenas um viúvo traído e vítima de uma mulher louca a ponto de devorar o amante.

Lembrava agora da mulher, sim a mulher que nunca lhe dera um filho, nem prova de amor, um amor comprado na caatinga de Pernambuco, os pais de Fátima passavam fome e ele se propôs a ser o cuidador da moça, bonita em seus 18 anos, permitiram em troca de seus presentes, afinal seria um futuro melhor que o sonhado por eles em algum momento na vida de pobreza. Como era linda, e inocente, mas nunca o amou e isso o irritava, não era o caso que o enlouquecera, mas ver o amor nos olhos dela por uma pessoa tão medíocre e manipuladora quanto Matias, via a mulher cantando pela casa e nem o sexo esporádico era mais presente, ela estava mudada, tinha um novo homem, um amor, alguém que a faria sair de casa, mas nunca isso aconteceria, cuidou para que ela nunca vivesse tal amor.

Recordava agora seu rosto desfalecido, desmaiada, o beijo que deu em sua boca inerte e a lágrima que escorria ao deixá-la ali ao próprio destino, teve o ímpeto de não fazer isso com ela, mas por fim os ciúmes e o ódio disseram, “ferra mesmo essa traidora do inferno”.

Agora ali inerte vendo a TV as notícias da rebelião e Fátima provavelmente morta, todo esse filme lhe passara à mente, viveria agora como um eremita, em uma condição de casto e desgraçado pela vida, isso ocultaria sempre a face de seu crime hediondo, como foi bom sentir-se vingado, ver a cadela comer o bastardo do amante, sim ele satisfazia com isso de maneira absurdamente torpe. Ainda recordava-se vendo pelas frestas a faminta Fátima devorando seu suculento amado, chorou, copiosamente chorou e gritou:

- Porque você fez isso coigo!

Depois se calou e tudo ficou quieto, adormeceu em frente à televisão.

*** *** ***

Depois da fuga as presas procuraram abrigo mas onde Fátima iria, perguntou à sua colega:

- Você tem onde ir?

- Tenho, mas vai lhe custar um dinheiro ir comigo.

- Tudo bem eu arrumo.

E assim foram, saíram pela rua andando como nada tivesse ocorrido, andaram por várias ruas até chegarem à uma banca onde um senhor negro fumava um cigarro de palha:

- Seu Barnabé – disse a detenta.

- Maria Isabel!!! O que você faz aqui filha! Meu Deus eu to achando que você morreu na cadeia hoje – disse isso abraçando a moça e chorando – mas vão embora daqui aqui seria o primeiro local que a polícia te procuraria, vão até o sítio do meu irmão Custódio.

- Estamos sem grana pai.

- Tome pegue esse dinheiro aqui e tomem um ônibus – disse o velho senhor – mas quem é essa moça que está com você? Melhor ela se virar sozinha.

- Calma pai deixa ela, ela é legal, se não fosse ela eu estaria ainda no inferno.

- Tudo bem vão logo vejo vocês à noite se souber que não vou ser seguido, tomem, peguem a chave do sítio.

Maria Isabel estava presa por ser mula, uma pessoa que traficava maconha para dentro dos presídios, com drogas enfiadas pelo corpo, fez isso pelo dinheiro e pela insistência de seu namorado, estava feliz, tinha fugido, nunca aceitou a vida de detenta, apanhava e era violentada quase todos os dias, mas nunca havia se dobrado, ela olhava Fátima contente, mas intrigada com a história e com a apatia consternada da colega.

- O que foi que houve contigo, machucou?

- Não eu to bem.

- Parece triste, menina se alegra fugimos daquele buraco nojento.

- Estou pensativa, preciso provar minha inocência ou me vingar do desgraçado do meu marido.

- Então certamente você vai voltar para a cadeia por matar o marido, porque ninguém consegue provar que é inocente assim, sem cartucho para queimar.

- Como assim?

- Você foi acusada de matar, pega em flagrante e agora foge de cana, está perdida.

Seguiram o resto do trajeto de ônibus para fora da cidade e por fim depois de caminhar uns 2 quilômetros chegaram ao sítio do tio de Maria Isabel. Nem bem comeram o que havia na geladeira, simplesmente se lavaram, deitaram pela sala e dormiram.

(continua...)

lordbyron
Enviado por lordbyron em 23/05/2011
Código do texto: T2987939
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