Entrega á Domicilio

O homem que o contratou pelo telefone, fora bem claro;

- pegue o pacote durante a noite, á frente do edifício Martinelli. Entregue no endereço que esta na caixa, e vá embora.

O dinheiro da entrega, já havia sido adiantado. Poderia ter pegado e deixado para lá o pacote, mas não seria o certo a fazer. Eram quase seis horas da tarde, deveria ir para casa, colocar os pés suados sobre o sofá, ouvir a mulher ralhar com ele por isso, jantar uma comida insossa e dormir um pouco mais tarde do que de costume. Mas teria de fazer a sua última entrega. Uma caixa grande e esquisita, com um embrulho de papel um pouco engraçado, com um enorme laço de fitas vermelhas no topo. O endereço ficava um pouco longe, em uma área isolada e afastada do grande centro. Uma grande casa, de muros altos, similar a uma fortificação, com cercas elétricas e cães que ladravam no portão sem parar. Apertou a campainha e uma voz metálica o atendeu;

- O que quer?

- Uma entrega, devo deixar aqui mesmo... – antes de terminar a sua fala, a voz o interrompeu, deixando-o sozinho.

Imediatamente o portão abriu, e um homem vestido de terno e gravata bem alinhado, o atendeu, com uma expressão estranhamente pálida em uma cara ossuda, os lábios finos e inexpressivos mantinham-se sérios, como haveriam de ser um segurança em uma casa como aquela. Pegou o pacote sem cerimônias. O entregador desconcertado arriscou uma pergunta, para garantir uma gorjeta ao final de um dia duro de trabalho.

- Devo esperar, senhor? Uma gorjeta talvez – soltou um sorriso amarelado.

O segurança inexpressivo, o olhou com desdém, fazendo-o sentir como um verme pronto a ser esmagado pelas botas de alguém.

- Deve... Espere pela sua gorjeta. – e partiu fechando a porta de ferro a frente do entregador.

Foram alguns minutos de espera, até que o portão se abriu novamente e a mesma face inexpressiva o atendeu.

- Minha senhora, que vê-lo... Siga-me.

Achou estranho, alguém usar a expressão tão antiquada de Minha Senhora. Deveria ser alguém importante, ricamente importante. Seguiu por corredores sinuosos, e escadarias sem fim, encontrando um salão, que imaginou que ficava abaixo daquela suntuosa construção. A sua frente uma mulher belíssima, segurava a caixa nas mãos delicadas. Por alguns minutos o ar lhe escapou dos pulmões, embasbacado com a visão da deusa rubra a sua frente, que usava um vestido vermelho de cetim, fitas que trespassavam os seios e caiam leves até os pés, deixando boa parte do volume de suas coxas a mostra, assim como todo o resto do seu corpo voluptuoso, que era beijado pelo cetim vermelho. Era uma rainha vermelha de cabelos cor de fogo, de boca tão vermelha e carnuda quanto uma maça madura. Mas os olhos, aqueles olhos negros que o fitavam com desprezo, não eram humanos. E todo o encanto, transformou-se em terror. A voz dela, uma flauta doce e maliciosa, chegou até os seus ouvidos;

- Quem lhe ordenou que trouxesse este presente, homem? – sua mão entrou e agarrou o conteúdo oculto da caixa, trazendo a tona uma cabeça podre e deformada. Sentiu o vomito subir na garganta.

- Não sei... Ele apenas ordenou, um telefonema mais nada... – limpou a boca com as costas da jaqueta.

- Quem lhe ordenou, diga! – sua voz soou ameaçadora. Na verdade imaginara que Jonathan tivesse dado fim ao demônio, mas ele não era forte o suficiente e nem inteligente o suficiente. Mas ousado o bastante para mandar a cabeça e o coração de Asmodeu em uma caixa embrulhada para presente.

- Na...Não sei...apenas sigo ordens... – a voz começava a falhar na garganta, o medo.

A mulher colocou a caixa em uma cadeira de madeira entalhada, segurou a cabeça de Asmodeu pelos cabelos, e a boca escancarada abria-se em um grito surdo. Caminhou na direção do homem tremulo;

- Quero que olhe bem para este pedaço de carne morta. – ergueu a altura dos olhos do homem, de uma forma que os olhos do morto e os dele ficaram próximos demais – E me responda, teme a morte?

O homem apenas meneou a cabeça, sem ao menor tirar os olhos da carcaça que fedia putrefata diante dos seus olhos.

- todos temem... Mas não sabem a beleza que existe na morte – divagava enquanto acariciava a face da cabeça decepada. – Venha tenho algo para lhe mostrar... – com a Mao livre o tocou, fazendo-o estremecer, e guiou-o até uma pequena sala, onde um esquife o esperava. As pernas do homem vacilavam, mas ele a seguiu, como a quem segue o encanto de uma sereia demoníaca.

- Quero que olhe e diga o que vê – apontou para o interior do esquife.

O homem de estatura baixa e cara oleosa, esgueirou-se para observar o conteúdo do esquife. Sentiu-se a beira de um abismo, quando viu o corpo seco que ali estava, com uma fenda aberta no peito de onde um coração viscoso e negro pulsava lentamente. O seus músculos refreados eram testados pela tensão e sua mente pela sua sanidade. A carne seca e tostada parecia estar morta há anos, como às múmias perdidas no tempo. Aquele minuto, em que seus olhos se fixaram na criatura a sua frente, lhe parecera eternos e incontáveis. Mas uma faca de corte rápido riscou a sua garganta, queimando-a como laminas de fogo, fazendo o sangue esguichar antes que suas mãos pudessem estancar o ferimento, em um gesto instintivo. O corpo tombou sem vida, antes mesmo de alcançar o piso frio. E o sangue havia sido derramado sobre o corpo, deixando-o imerso em uma banheira vermelha. Os olhos da criatura surgiram, ainda confusos em suas orbitas ossudas, súbitos encontraram os olhos da deusa rubra, as pupilas fendidas se dilataram, olhando-a desejosos, despertando de tantos anos de um sono solitário. A criatura enfim estava desperta...

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 23/06/2011
Código do texto: T3051660
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