Pena de Morte - Capitulo X - Entre as Cobras

Olhando para o telhado do arruinado museu, o clone pôde ouvir os disparos da submetralhadora. Sorriu esperançoso, ainda que nem isso, tampouco o bando de nanoinfectos que os havia abordado o trouxesse alguma certeza de que Daniel e os outros estivessem realmente mortos. Porém riu confiante de que á uma altura daquelas, seu maior inimigo e os que o acompanhavam nada mais eram que corpos mutilados sendo devorados pelas criaturas carnívoras, ou quiçá tiveram tido uma sorte um pouco maior, estariam repletos de furos do calibre da FN P90. Seu semblante mudou ao olhar para o painel do VCX-47 e ver que o outro furgão ainda estava em seu encalço, mantendo a mesma distancia de sempre.

- Como se precisasse de vocês, soldadinhos de gelo! – Disse ao olhar para a tela do computador de comando do ônibus, o que o fez enxergar seu próprio reflexo. Seus olhos estreitaram-se e um sentimento de ódio o invadiu por completo. Lembrou-se de Daniel, ou seria dele mesmo? Eram idênticos, mas até onde essas semelhanças iriam afinal? O que realmente os diferenciava um do outro? – Em um reflexo de ira, gritou ensandecido, enquanto uma outra sensação tomava-o.

- Eu não tenho nada a ver com isso! Não posso sentir nada por ela! Não posso! – Pensamentos complexos, perguntas que chegavam invasoras de seus instintos, ao mesmo tempo em que uma idéia o consumia. Uma idéia que ele estava maquinando...

O telefone tocou num bip agudo que o despertou de seus questionamentos. Ele pegou o comunicador do ônibus sabendo de quem se tratava.

...

O velho magro e de baixa estatura, olhava apreensivo através das lentes asféricas, que deixavam seus olhos menores. Poucos sabiam que aquele homem de uma inteligência incomum, não tinha realmente aqueles olhos azulados, mas sim um par de castanhos comuns, que se escondiam por detrás do material cristalino. Á sua frente estava uma espécime de mamba-verde-ocidental encarando-o fixamente, seus olhos quase o devorando, enquanto que ele fitava-a de volta.

Além das lentes, aquele outro material transparente separava-os um do outro. Ele levou a mão e tocou a superfície lisa e fria que os isolava. Num reflexo o animal deu um bote, atacando-o com suas presas à mostra, e em sua ira chocou-se estupidamente com o vidro, enquanto o cientista sorria daquele ataque frustrado. Rindo sozinho olhou a sua volta, vislumbrando o fruto de todo seu trabalho, as salas de vidro do laboratório possibilitavam-no que visse tudo dali. Ele estava dentro do serpentário, ali estranhamente o homem sentia-se mais vivo, enquanto nas salas ao lado a possibilidade de uma nova vida o cercava. Sentindo uma leve irritação nos olhos, olhou ao redor e um filme passou em sua mente, em forma de flashes, imagens de toda sua pesquisa, de cada passo, cada fracasso, cada conquista. Anos de pesquisa, e depois de tudo nada parecia fazer realmente sentido. Ele corria atrás de uma cura. Mas até onde seu egoísmo o levaria, afinal, um dia ele teria que fazer uma escolha. Lembrou-se de sua família, da esposa dedicada, do olhar maduro de seu jovem filho. Eram nestas horas que ele se perguntava o que Deus pensaria a seu respeito.

Aquele local havia sido fundado aos 23 de janeiro de 1901, na antiga Fazenda Butantan, com o objetivo de produzir soro para peste bubônica, no entanto nos dias atuais, a fachada do prédio exibia as seguintes iniciais.

CPCND - Centro de Pesquisas Científicas do Novo Estado, local antes conhecido apenas como Instituto Butantan. Porém poucos sabiam que abaixo daquele prédio havia algo muito maior. Antigamente o lugar era popular apenas por ser uma instituição publica estadual subordinada a secretária de saúde do Governo Paulista. Um centro de pesquisa biomédica responsável pela produção de mais de 80% do total de soros e vacinas consumidos no Brasil. No entanto havia uma história maior por detrás disso tudo.

O doutor Mariano Flores ainda encarava a serpente fina e cumprida através do vidro. O réptil originário do oeste da África , possuía grandes escamas verdes contornadas de negro, e tinha cerca de um metro e noventa de comprimento, enquanto as escamas de sua calda eram contornadas de amarelo e negro. Mariano tinha a chave para contornar o caos que destruía toda a vida terrestre. Ele havia feito tudo, o seu antecessor ordenou a coleta de DNA de amostra de todos os espécimes de animais, plantas... Tudo. Tinha carta branca para fazer o que fosse necessário para tornar a vida novamente algo real, mas ainda estava indeciso se aquela era a melhor escolha e até onde realmente ele conhecia sua própria pesquisa. Um cientista como ele sabia que aquilo que tinha em mãos não era um dom de Deus, mas sim uma maldição. Ouviu o som de passos vindo em sua direção e virou-se para o corredor á sua frente. O jovem que vinha à sua procura havia chegado há pouco tempo no laboratório. Andava ainda inseguro, em meio aos olhares que o visitavam e á tantas descobertas, segredos guardados a sete chaves a mais de um século. O doutor olhou para ele e

lembrou-se do homem que serviu de inspiração para sua caminhada, “Doutor Danilo Pontes”. Mariano tinha 22 anos, idade por coincidência que Flavio, o assistente que acabara de chegar tinha naquele momento. Seu tutor o havia passado tudo, revelado toda história daquela organização.

“15-05-2010”

Eles precisavam de uma justificativa para reformar o Butantan, na verdade precisavam transferir as pesquisas do projeto DNA2, do laboratório secreto UFRJ, denominado para o laboratório subterrâneo que se encontrava abaixo do Butantan, local este que futuramente veio a ser conhecido como CPCND. As pesquisas iriam passar para o nível dois, após o sucesso do nível um. O presidente da época, Luiz Inácio Lula da Silva dava o primeiro passo para evolução. Depois do biodiesel, Lula entendia que era hora de curar a humanidade de si própria. Após a cura de seu câncer, Lula se reelegeu com um percentual esmagador de votos em cima do candidato Aécio Neves. Lula via as inúmeras possibilidades de cura que aquilo trazia, e depois de enfrentar quimioterapia e todo o processo de cura para sua grave doença ele queria dar um presente para a sociedade. Tornar a cura desse tipo de doença algo acessível e menos doloroso para a nação, não apenas Brasileira, mas mundial. Em sua maior qualidade que talvez também fosse seu maior defeito Lula insistia em tratar o Brasil daquela época como um país de primeiro mundo. Mas foi justamente essa idéia que o transformou na maior potência mundial.

O incêndio começou no inicio da manhã daquele sábado fatídico. O fogo queimou cerca de setenta mil espécies conservadas em formol. Para toda a população a informação era que haviam sido queimados cem anos de história, mas aquele era apenas o começo de tudo. Era apenas uma forma de desviar a verba necessária para construção do laboratório subterrâneo e de se isolar o local que continuaria as pesquisas nano, e principalmente daria seqüência ás fases dois e três do projeto conhecido até então como Projeto DNA2. Tudo havia sido planejado há muito tempo. Retiradas de verba, como um suposto desvio de R$ 35 milhões de reais durante a gestão de Isaias Raw, pesquisador que estava na presidência do instituto. O próprio Mensalão nada mais foi que uma distração. Tudo fazia parte de um plano infinitamente maior, um plano que Danilo não queria fazer parte. A voz do jovem chegou aos ouvidos de Mariano trazendo-o de volta para o presente.

- Senhor, o secretário quer que desça até a base. – Disse Flavio num tom quase inaudível.

...

João e os outros se esgueiraram pelo corredor lateral fugindo das luzes que invadiam o lugar, enquanto ouviam disparos de algum tipo de submetralhadora.

Não muito distante deles outro grupo de nanoinfectos atacava os soldados vorazmente.

- Eles não vão detê-los por muito tempo! – Sussurrou Mara enquanto. Verônica, no colo de João continuava em estado de choque, balbuciando frases sem sentido. Em seu subconsciente ainda permanecia presa dentro do touro, suplicava por sua vida, gritava como se suas mãos tivessem acabado de tocar a pele quente e falsa do touro de bronze. A Amazonense olhou para suas mãos e gritou. O agente viu que as mesmas estavam em carne viva, tal qual grande parte de seu corpo. Era evidente a situação em que a amazonense encontrava-se. João podia sentir a pele fria da mulher, ver a palidez de sua face, sentia também a respiração curta, rápida e irregular, enquanto ela tinha cada vez mais a visão turva e o pulso rápido e fraco. Além de, sobretudo encontrar-se semiconsciente.

- Merda! Precisamos ajudá-la! – Disse Mara enquanto se agarrava ao braço de Felix.

- É por aqui... – Disse João apontando para a sala estreita onde os corpos dos primatas taxidermizados ficavam. Uma grande maioria deles se encontrava pelo chão, destroçados possivelmente pelos nanoinfectos que o haviam perseguido. João pensou em correr, mas se conteve ao sentir o cheiro fétido no ar e ouvir a respiração pesada da criatura que se aproximava. Recuou e levou o dedo indicador a boca fazendo sinal de silencio para os outros. Eles se esconderam em uma das vitrines, naquele corredor lateral, á quatro metros de seu destino. Mais nanoinfectos se aproximavam deles. Daniel olhou ao redor procurando algo, enquanto Felix abraçava Mara, ambos agachados. As criaturas os farejavam e se aproximavam deles. João tapando a boca de Verônica e agarrando-a firme de forma que ela não os trouxesse até eles. O som dos passos sobre o entulho cada vez mais fortes. Daniel e Mat seguraram suas armas e entreolharam-se com um aceno positivo com as cabeças, prontos para o combate quando um grito sibilar surgiu em meio aos sons dos disparos que jaziam mais á frente. As criaturas pararam, Daniel pôde ver o dedo polegar do pé, metade dele parecia ter sido decepado. O pé queimado e descalço do monstro parou centímetros antes que a criatura pudesse vê-los. João sentiu algo fervilhar dentro dele, como se um monstro quisesse fugir de seu interior, porém o improvável aconteceu e movendo-se estranhamente e ligeiramente os nanoinfectos entreolharam-se, rugiram uns para os outros como se realmente se entendessem e correram em direção aos disparos. Daniel conseguiu contar cinco deles enquanto apontava a arma pronto para abatê-los. O agente esperou cerca de trinta segundos, e correu atravessando o corredor. Os outros se entreolharam confusos e então o seguiram descrentes.

- Isso aqui é um beco sem saída! – Disse Mat olhando as carcaças dos primatas no chão e dentro das gavetas. Felix olhava aquilo tudo confuso, enquanto Daniel parecia ainda estar desequilibrado com tudo aquilo que havia acontecido. Felix largou Mara, ela apoiou-se na estante que cercava todo aquele lugar.

- Afinal, por que nos trouxe até aqui? – Perguntou Felix olhando desconfiado para o agente.

- Meu Deus! É uma espécie de laboratório! – O tom de surpresa de Mara que tocava as paredes laterais chamou a atenção de todos.

- Eu ainda não sei como abrir, Mara. Há uma gaveta que abre uma passagem secreta, mas abri por acaso. Sair foi mais fácil. – Mara sorriu e fechou seus olhos encostando-se ainda mais na parede, e andou de lado enquanto suas mãos percorriam a madeira, até que a detetive parou.

- É essa! – Ela disse.

- Posicionem-se ao meu lado. – Disse João.

O agente puxou a gaveta e a parede moveu-se giratoriamente, levando-os para a estranha sala secreta.

- Que diabo é isso? – Perguntou Felix olhando para os potes enquanto João colocava Verônica no chão. Daniel olhava para aquilo tudo, e reconhecendo o local, lembrou-se da primeira vez que havia estado ali.

“- Essa é a nossa Vitória, senhores. A trouxemos para cá, onde tudo começou. Você será responsável pela segurança do laboratório Daniel. Seu currículo é impecável. – O homem o disse enquanto Daniel olhava na direção da jovem, que estava presa em uma sala isolada. As paredes de vidro que a cercavam não o impediam de enxergar a beleza fascinante dela.

- Vitória... – ele balbuciou sem mesmo perceber o que dissera.

- Sim, Daniel. Um nome perfeito não acha? Você está á frente do futuro Daniel. Pense no que o Brasil construiu. Isso não é cinema, ficção, não é mais um sonho da humanidade... É a realidade do sonho! Anos de pesquisa... O tempo todo fizemos isso em sigilo enquanto o mundo achava que estava á nossa frente. Mas como contar que tínhamos a chave de tudo aqui, num laboratório secreto de um museu no Rio de Janeiro? E agora? Quem é o primeiro mundo? Quem? – Daniel olhava para Vitória, que permanecia no canto da sala, seus olhos voltados para baixo, como uma criança crescida. Sua pele loira, e seus cabelos até os ombros, já a tornavam linda. Mas quando seus olhos direcionaram-se aos dele Daniel teve a certeza que viu a imagem mais bela de sua vida. Seus olhos pareciam ser de vidro, raros, perfeitos, olhos de uma serpente sedutora. Na cor violeta, o lembraram os olhos da atriz Elizabeth Taylor. Daniel logo soube que aquela não seria sua tediosa difícil missão.”

...

Enquanto descia pelo elevador, Mariano Flores se perguntava o que o secretario queria dessa vez. Era mesmo uma droga aquele prédio ser o centro de tudo. Mas hoje em dia a defesa nacional não precisava de armas de fogo para combater o caos e sim de mecanismos mais eficazes. Eles precisavam de resistência, de proteção... A guerra agora era contra o clima... E principalmente contra fragilidade do corpo humano.

Graças a Mariano Flores eles estavam prestes a ter tudo isso em mãos. O elevador parou de repente e num leve balançar as portas abriram-se, revelando aquele conhecido corredor. Mariano saiu do elevador andando imponente na direção da porta de metal que ficava a trinta metros dele, ignorando as lentes das câmeras que o acompanhavam. Passou por algumas portas, salas de operações, viu alguns soldados de gelo injetando algo em suas veias. Sabia bem o que eles usavam ali. Continuou a caminhar na direção da porta de metal. Levou seus olhos até um fleche de luz avermelhada, e disse seu nome em voz alta.

- Doutor Mariano Flores... – Um bip soou agudo e uma luz verde piscou sobre a porta enquanto uma voz metálica anunciava o reconhecimento de voz.

- Reconhecimento de voz completo. Doutor Mariano Flores, chefe de pesquisa do novo estado. Entrada permitida. Seja bem vindo, Senhor.

A porta abriu-se e Mariano se surpreendeu ao ver os dois homens á sua frente.

- Boa tarde Doutor! – O homem o cumprimentou.

...

- Afinal o que você estava pretendendo seu idiota! Te dei uma ordem!

- Sei disso senhor, mas fiz aquilo com o intuito de eliminar logo aqueles enxeridos. Eu... – O clone dizia ao ser interrompido.

- Você nada! Escute aqui! Se pensa que pode me desafiar está muito enganado. Prometo que estouro seu cérebro e cancelo toda e qualquer possibilidade de liberdade que você possa obter. Posso te dar tudo seu idiota. Um novo rosto, uma nova vida. Viverá como um humano. Não é isso que quer? – A voz firme do homem o deixou apreensivo.

- Claro que sim. Prometo não decepcioná-lo novamente senhor. Eliminarei logo o restante. Tenho algo especial para eles.

- E Verônica? Sofreu muito? – Perguntou a voz.

- Ela com certeza já está morta... – O clone respondia.

- Como? Ela ainda está viva? – Perguntou irritado, interrompendo-o.

- Estava debilitada demais. É apenas um estorvo para eles. Já deve estar morta.

- Tenho certeza que logo todos estarão. Mas não por mérito seu. Mate ao menos esses políticos incompetentes. Preciso de novos representantes. Ou melhor, não preciso mais disso, dessa divisão toda. Quando terminarmos será apenas um estado. Um país. Será apenas uma nação! Minha nação!

...

Deitada no chão, Vitória tremia enquanto Mara, sem sucesso tentava acalmá-la. Felix e Mat vasculhavam o lugar. João voltou-se para Daniel.

- Afinal como vamos sair daqui e pegá-lo de novo? – O agente perguntou.

- Boa pergunta. Disse Mat. Felix agora prestava atenção em Mara, que tentava a todo custo salvar a vida de Verônica.

- Afinal que lugar é esse? – Perguntou Matheus.

Daniel olhou a sua volta e encheu seus pulmões com o ar seco que impregnava aquele ambiente. Sensações múltiplas o tomaram. Sentiu o mesmo ar entrar como uma bola em seu estomago, causando uma leve dor que o incomodou naquele instante o fazendo sentir uma forte náusea; isso fez que ele levasse a mão até a boca tapando-a impulsivamente.

- Sala de testes, nível um. – Respondeu o condenado olhando para um pote de vidro onde dois fetos de primatas jaziam presos pelo cordão umbilical, em meio ao formol que os preservava. Daniel olhou ao redor. Nos vidros havia uma identificação adesiva, cada qual com um número de série abaixo do nome científico. Ele os lia mentalmente...

- Projeto DNA dois... Teste 0001012... Teste 0001013... Teste 00001014...

- Mas como você sabe disso? – Perguntou João, confuso, interrompendo-o.

Naquele momento Daniel lembrou-se de todos seus crimes. As mortes, os gritos, a dor, toda a tortura que ele assistiu e executou naqueles meses que se seguiram. Lembrou-se dos olhares julgadores quando ele chegou ao tribunal. Milhares de pessoas acusando-o. Gritos ensurdecedores o amaldiçoavam. Uma pedra bateu contra sua cabeça, e o sangue minou quente e viscoso, descendo avermelhado, beijando sua orelha e alcançando o pescoço. Olhou para o lado interessado em descobrir o rosto do atirador, mas sem fúria alguma, apenas para ver de onde havia saído a pedra. O acusado surpreendeu-se ao ver o garoto empunhando um estilingue enquanto as lágrimas brotavam dos olhos quase inocentes daquela criança. Quase... Pois o ódio era algo singular e único naqueles olhos castanhos que se estreitaram, como de um felino encarando sua caça. Os olhares dos dois cruzaram-se por meros oito segundos que duraram uma eternidade. Uma eternidade a qual ele estaria preso para o resto de sua vida. Daniel entrou no tribunal, seu ex-parceiro conduzindo-o de um lado. Lentamente ele seguia enquanto as correntes de seus pés arrastavam-se levemente pela cerâmica. O barulho do ranger dos elos o acompanhava para lembrar á todo momento que ele estava preso. Os flashes ofuscando seus olhos enquanto repórteres narravam sua chegada. Ele adentrou no enorme salão assim que as duas portas se abriram, como se ele estivesse acabado de chegar ao inferno.

Foi recebido por uma sonora vaia, enquanto o mesmo coro de “assassino”, “doente” e “culpado”, entoava na sala agora de portas fechadas. Os cordões de isolamento que o separavam dos demais, não era suficiente para impedir que mãos cerradas o acertassem vez em quando, socando-o. Daniel chegou até a cadeira do réu e sentou-se ainda sobre o sussurrar denunciador da multidão que ali encontrava-se.

O som de três batidas ocas chegou aos ouvidos da multidão ensandecida, seguido por um grito rouco e alto que melhor seria definido como uma ordem.

- Ordem no tribunal! – Bradou o juiz, três vezes seguidas, enquanto batia com o martelo de madeira sobre a mesa até que o povo aos poucos se aquietou. Daniel respirou, mesmo sabendo que logo não importaria mais nada. Aquele era o dia do veredicto final. Sentado olhou para fileira onde a esposa de Pedro estava sentada e viu a pequena Mara. Pedro o olhou e fez sinal negativo com a cabeça.

- Não farei nada! – Ele sussurrou. O julgamento não levou mais que uma hora. O Juiz ergueu-se com o martelo em mãos e olhou na direção de Daniel.

- Daniel de Paiva Lima de um passo á frente. – Daniel viu a cara de satisfação de Claudio Quintana, um dos mais severos e notórios juízes do Brasil. O Juiz olhou para o publico que o esperava ansioso - O júri condena Daniel de Paiva Lima á pena máxima de trinta anos. – Dizia o juiz quando as portas se abriram repentinamente.

- 30 anos? – Disse o homem entrando com seu terno, a cor num tom sóbrio. Era cinza, bem cortado e feito em lã fria, ainda usando gravatas Aramis, sapatos de cromo alemão e camisas feitas em algodão egípcio. Um traje feito sobre medida. Todos os olhos voltaram-se para a figura de olhar imponente. Inclusive os olhos de Daniel que o fitaram arregalados e surpresos. – Mas o que realmente é isso? Para que julgar um homem que matou tantos sendo que no fim ele é condenado á uma pena tão óbvia? Para que? Eu pergunto... – Disse o homem enquanto a multidão respeitosamente o ouvia.

- O que sugere? – Perguntou um dos membros do júri ao levantar-se. – O presidente quase não conseguiu disfarçar o contentamento pela pergunta já prevista por ele, mas apenas Daniel notou aquele reflexo, pois os que o assistiam estavam cegos de ódio, um sentimento compreensível.

- Chega de passar a mão sobre a cabeça da escória da sociedade. Enquanto nossos filhos estão por aí andando desprotegidos. Assassinos como Daniel de Paiva... – Ele disse apontando o dedo para Daniel que deixava claro o ódio por aquele homem que ele esteve prestes a matar. – ...Assassinos como ele... Estão soltos... Estão comendo as nossas custas, as suas custas, às custas dos impostos que pagam diariamente enquanto muitos morrem de fome pelas ruas de nossa pátria... E eu lhes pergunto... É isso que querem? – O presidente deu uma pausa proposital e ouviu um sonoro “Não!” em resposta. Mesmo que desafinado, era unânime. Naquele momento ele teve a certeza que todos aceitariam qualquer coisa que ele propusesse.

- O que você pretende seu idiota? – Daniel disse tentando desvencilhar-se das correntes e correr de encontro a ele, mas na tentativa sentiu um estalo na altura de seu joelho, o que fez com que certa bambeza tomasse suas pernas, a dor chegou domando seu corpo e ele caiu de joelhos em meio as vaias da multidão.

- Só há uma maneira de fazê-lo pagar. Apenas uma maneira... – Dizia o presidente como se estivesse em um discurso sobre um palanque em plena campanha eleitoral... “A morte!” – Os jornalistas que entraram logo atrás do presidente começaram a fotografar e filmar a multidão, que em coro pedia pela cabeça do condenado. - Quem, aqui concorda comigo? – Perguntou o presidente. O Juiz olhou para toda aquela comoção, e em seguida para o júri, que estranhamente estava com as mãos levantadas aderindo à idéia da punição. O presidente virou-se para Daniel lançando-o o mesmo olhar prepotente de quando o havia deixado dependurado a 90 metros de altura, na Catedral de São Sebastião e ouviu o som oco e seco do martelo que batia forte contra a madeira, condenando-o a até então abolida; “pena de morte”.

Muito se noticiou sobre o veredicto, questionou-se a legalidade dele, e a discussão a nível nacional trouxe questões humanistas, mas o povo brasileiro queria justiça. E a lei acabou sendo aprovada novamente pelo presidente Glauco Antônio Araújo, que foi o responsável pela volta da Pena de Morte ao país no ano de 2075. Daniel havia sido condenado a aguardar a mesma por tempo indeterminado e para isso foi levado a um laboratório do governo. Esse período ele foi condenado á viver em confinamento em uma cápsula de solitária experimental que receberia futuramente o nome de Nanomera. O caos que governava o mundo fez com que todos voltassem as atenções para algo ainda mais sério; a busca para sobrevivência. O condenado lá ficou, revivendo os melhores e piores momentos de sua vida repetitivamente, sonhando... Sonhos inalcançáveis, até o dia que adiantaram sua execução.

Daniel estava de volta à sala. Olhou para João ainda aguardando uma resposta. Ele gaguejou brevemente e olhou para Mara e Verônica. Os olhos de Verônica começaram a revirar-se, enquanto seu corpo tremia e o suor lhe escorria pela pele.

- Por que eu sei? – Ele respondia para o agente, porém olhando para Verônica. – Digamos que este lugar simboliza a coisa mais real em minha vida! Em toda ela. O motivo de tudo o que fiz está ligado a isso. – Daniel olhou de relance para as pt’s analisando as probabilidades e continuou. – Esse é o verdadeiro significado da evolução humana. DNA2... Essa sigla que está estampada nos vidros é o que nos trouxe até aqui. O Motivo de você tanto querer me matar. – Neste momento Daniel enlouqueceu e pegou um pote lançando-o contra a parede em sua cólera. O feto de pele enrugada e mal formada caiu aos pés de Felix, que instintivamente deu dois passos para trás olhando incrédulo e rancoroso para aquilo que o lembrava o que ele era realmente. Daniel em sua ira pegou outro pote... e outro... e outro, lançando-os contra as estantes, até que olhou para Verônica e ela estendeu a mão para ele... O rosto dela imerso em melancolia. Felix olhou para Daniel, Mat assistindo a tudo aquilo sem ação. Mara segurava a cabeça de Verônica sobre sua coxa, agachada, alisando os cabelos da amazonense. O condenado sacou suas duas pt’s e apontou para mulher decidido.

- Está louco? – Perguntou Felix apontando a arma para ele. Mat segurou a espingarda, também pronto para atirar. – Não faça isso Daniel!

- Ela tem que morrer! – Disse Daniel. – É o único jeito de encontrarmos ele. O único jeito. Se chegarmos antes dele onde estão os membros salvaremos todos eles.

- Do que está falando Daniel? – Perguntou Mat. Mara tentava enxergar algo enquanto Verônica murmurava frases sem sentido, gemia e transpirava.

- Meu Deus! – Disse João. – Você quer matá-la para que assim Mara consiga nos revelar qual foi o truque do clone. Onde estão os outros membros, não é? Quer que ela veja através dos olhos dele? – João raciocinou em meio a tensa situação.

- Não faça isso Daniel! Você já nos provou que não é tudo que pensamos. Que há algo por trás disso tudo. Uma trama ou sei lá o que. Mesmo que eu não saiba o que é. Confiamos em você! – Disse Mara tentando acalmá-lo.

- Então confie em mim e deixe-me matá-la, vou acabar logo com o sofrimento dela. – Ele disse enquanto Mara balançava a cabeça negativamente. Daniel segurou as duas armas mais firme. Felix e Mat prepararam-se para atirar em Daniel, quando Daniel ouviu...

- Eu confio em você! – O grito chegou ao ouvido deles tão rápido como o estrondo dos três trombando contra uma prateleira. Um amontoado de potes despencou no chão quebrando-se enquanto o liquido escorria impregnando a sala com aquele cheiro enjoativo. João estava caído sobre Felix e Mat.

- É aí que você se engana Mara. Eu me tornei tudo o que vocês disseram que eu era quando os matei. – Ele disse ao apertar o gatilho. O cheiro da pólvora chegou quase tão rápido como as balas que perfuraram o peito da Amazonense. Mara gritou assustada, sentindo as gotas quentes de sangue que respingaram contra sua face.

- O que você fez? – Mara perguntou aturdida enquanto sacudia Verônica, sentindo toda a dor que a Amazonense estava passando. Ouviu a tosse engasgada pelo sangue que brotava da boca dela, até que num ultimo espasmo ela desfaleceu. – Daniel colocou suas pt’s na cintura novamente.

- Fiz o necessário, Mara. Agora faça o que tem que fazer e descubra o que ela sabe. Esse era o único jeito dela dizer. – Felix e Mat olhavam para Mara desamparada no chão. Pense Mara, quanto tempo mais ela viveria com aquele sofrimento, toda a dor, a agonia, o desespero. Ela estava á beira da morte. Só precisava de alguém capaz de matá-la. – Daniel disse friamente.

- Como você pode saber? Você é um lunático! Um maldito assassino! Eu te odeio Daniel! – Ela disse enquanto Felix caminhava em sua direção. Mara ouviu o som dos passos dele.

- Não se aproximem de mim! Nenhum, de vocês! – Felix pensou em falar algo, mas sentiu que não adiantaria. Mara inspirou e expirou por três vezes consecutivas enquanto uma tempestade de sentimentos a tomava.

Daniel pegou o cantil, umedeceu levemente suas mãos e passou sobre o rosto, enquanto os olhares repreensivos de Mat e Felix o condenavam.

- É... Parece que reconquistei minha fama. – Disse sentando-se ao lado da estante, enquanto bebia um pouco de água. – Mara ainda podia sentir o calor do corpo de Verônica. O toque sobre a pele da jovem líder fez com que ela pudesse enxergar novamente a real situação em que a mulher encontrava-se. As mãos de Mara percorriam ligeiramente a pele do corpo de Verônica, sentindo cada queimadura, cada ferida pela forte insolação, até que as mãos da detetive chegaram aos olhos e Mara conectou-se abruptamente com o passado.

Lá estavam eles partindo da catedral, quando ela ouviu as palavras do clone.

“- Senhoras e senhores, estamos indo agora para o meu passeio predileto. Lá descobriremos o porquê da queimação no estomago.” – Ela logo lembrou-se do momento em que havia se conectado com Daniel e de repente eles se desconectaram assim que Daniel soube de onde o clone estava falando, no entanto agora ela pôde ouvir e entender o que o assassino pretendia.

O clone riu sarcasticamente e olhou para todos no ônibus.

“- Espero que tenham mordido a isca. Cansei de obedecer ao mestre. Eles tem que parar de entrar na minha cabeça! Preciso matar este imbecil logo! – O clone dizia olhando para o painel do ônibus. – Neste momento Mara conheceu o medo que a Amazonense sentia a cada olhar lançado pelo assassino. A pele de Verônica ardendo, assim percebeu que eles estavam sem o fator 3001 há tempo demais. De repente o ônibus deu meia volta ao comando do assassino que sentou-se ao lado da mulher e sussurrou em seu ouvido.

- Esqueci de mencionar querida... O passeio será algo mais romântico. Do tipo; apenas eu e você! – Mara ouvia tudo que ele dizia para Verônica, enojada pelo tom sarcástico que ele exibia em seus gestos e voz...

O VCX-47 parou novamente, Mara sentiu o leve balanço da condução e a porta abriu-se revelando algo que Mara vislumbrava pelos olhos de Verônica. Era a Catedral de São Sebastião. Ela podia notar a escadaria que ante-vinha a igreja.

A catedral inaugurada no ano de 1979, em estilo moderno, apresentava formato cônico, possuía 106 metros de diâmetro e 96 metros de altura. Quando ainda era alvo de fiéis tinha capacidade para 20000 pessoas em pé. A edificação era de uma beleza surreal, até mesmo em ruínas, ao olhar para ela Mara pode visualizar o encanto daquele lugar. Suas linhas retas e sóbrias, e os vitrais coloridos, rasgados nas paredes até a cúpula a tornavam algo fantástico.

Assim que a revolução do sol teve inicio, fanáticos religiosos, acreditavam que aquele nada mais era do que um sinal da volta de Cristo. Em tamanha comoção que incendiou corações, pagaram votos a São Sebastião, convictos de que teriam o perdão de seus pecados carnais e a salvação da vida eterna. Carregavam cruzes enormes nas costas por quilômetros, partindo de suas comuns até a catedral e lá fincavam as cruzes, que variavam de tamanhos. Com o tempo a fé deles cada vez mais se abalava, até que a insanidade os levou o raciocínio de forma que a grande maioria depredou a igreja excomungando o próprio santo. Daí em diante o local tomou forma de um enorme cemitério. Mara observou o clone que amarrou a todos preparando aquilo que ele chamava de a grande celebração.

...

Mariano olhou para os dois homens à sua frente. O secretário estava sentado na cadeira enquanto o outro apenas apoiava-se sobre a mesa, apenas uma de suas pernas acima do granito retangular. O cientista achegou-se dos dois, enquanto o olhar daquele homem que ele tanto desprezava continuava inquisitivamente o perturbando.

- Boa tarde Senhores. – Ele disse puxando uma cadeira contra si e sentou-se. O homem velho desencostou-se da mesa enquanto o longo minuto de silencio parecia se estender além do normal. Andou pela sala e virou-se na direção do aquário onde uma cascavel agitava seu chocalho.

- Animal idiota! Mal sabe o poder que tem. Ao invés de se manter em silencio para atacar, faz questão de agitar esse chocalho ridículo e denunciar seu próprio plano. – O homem virou-se novamente para o secretário e o Doutor lançando-lhes um sorriso. – Esse lugar me lembra as antigas campanhas eleitorais. – Mariano o acompanhava receoso enquanto o ouvia atenciosamente. – Cobras comendo cobras, senhores. E tudo pelo voto do povo, que na verdade era uma arma letal. O povo tinha uma importante ferramenta nas mãos, mas cá para nós; os idiotas nunca souberam usá-la. – O velho gesticulava enquanto falava. – Bem, e agora, mesmo que isso não seja mais necessário, quero criar algo além da democracia. – Ao falar isso lançou um olhar quase venenoso. – Deus criou o mundo em sete dias... Mas criou apenas um homem e uma mulher. Eu criarei milhões em um dia. Criarei mais do que se pode imaginar. – O secretário erguia as sobrancelhas e concordava positivamente, balançando a cabeça e fazendo um bico de surpresa com a boca. Aquilo chegava a ser engraçado, mas o secretário não era o alvo daquele discurso. O homem continuava... – Jesus ressuscitou um, dois homens, um pássaro? – Ele sorriu em deboche. – Ressuscitarei milhares? Lhes pergunto; qual era o propósito de Deus ao destruir àquele que ele próprio chamou de “minha imagem e semelhança” com esse calor infernal? Transformar a terra em seu infernozinho?... O homem deu uma pausa e aproximou-se do doutor. – A vida é cheia de delongas... Ele disse virando-se para o cientista e num tom aparentemente amistoso disse:

- Doutor Mariano. Não posso mais esperar! Estamos prontos? – O velho perguntou apoiando-se em sua bengala.

- Estamos indo bem senhor, porém não quero correr riscos. Estamos á um passo da perfeição senhor, e...

- Blá...blá...blá... Não me enrole Doutor, fui muito claro. Cobras comendo cobras por aqui. Vamos ser honestos. Você ainda está aqui, pois é o maior cientista do mundo. Quantos não querem seus serviços? Mas aqui é o Brasil, a maior fonte de água potável do planeta. Eles nos venderam toda tecnologia em troca de nossa ajuda... Entregaram a chave que nos faltava. Confesso que até mesmo sem eles conseguiríamos tudo, visto que Danilo deu um passo muito maior do que sonhávamos ao criar um clone humano, enquanto eles ainda procuravam entender o porquê da morte prematura de sua ovelhinha Dolly. – O homem sorriu debochadamente. Sabe por que ele conseguiu isso Mariano? – Perguntou.

- Me diga você. – Respondeu rispidamente o doutor.

- Gosto de sua firmeza. Não nasci para lidar com chorões... Falava justamente disso mais cedo com o secretário. Você é um dos meus, Doutor. Mas, voltando ao assunto. Danilo via na clonagem algo muito além da produção de indivíduos geneticamente iguais, ele queria um ser geneticamente melhor que o ser original. Foi uma pena ele ter fracassado. O projeto DNA2, foi realmente esplêndido. Vitória parecia ser perfeita, mas como Dolly não resistiu por tempo suficiente. Aí surgem os nanoinfectos, para todos uma aberração, para ele uma dádiva. A nanotecnologia trouxe-nos um leque de possibilidades. As lacunas foram preenchidas casualmente por criaturas que se formaram através de uma epidemia, um simples acidente. Os tijolos básicos da natureza reconstituindo o organismo de Auto-defesa. Adeus Aids, Câncer, e tantas outras doenças. Richard Seed iria gostar de ver o que sua teoria causou em mim. – O velho olhou para suas mãos fechando-as com força e sorriu. – Gosto de viver, Mariano, e você? E seu filhinho? Apenas onze anos... De uma esperteza sem igual. Acha que ele quer morrer? Quanto tempo ele suportará sem a droga que controla a Síndrome de Hutchinson-Gilford? Uma criança de 11 anos que aparentaria ter 70? Você tem apenas mais cinco anos para conseguir reverter o quadro dele, que pelo visto é muito pior do que o meu já foi... Mas ele tem fé em você Doutor, assim como também tenho. Mariano, tenha fé em mim e terá meu laboratório, e todo o tempo que precisar para encontrar a cura para ele. Você ainda tem dois dias para conseguir deixar tudo em ordem. Sei bem que está adiantado com as pesquisas, e que o restante do trabalho está praticamente finalizado. – Concluiu o homem segurando a bengala agora no ar.

- Entendi o recado. Te darei o que prometi. Agora se me dá licença, vou terminar logo com isso. – Disse Mariano que à quase uma semana vinha tomando medicamentos que o mantinham acordado. Olhou para o relógio de pulso e torceu para que Felix conseguisse trazer Mat o mais rápido possível. Ele precisava do DNA dele para terminar logo aquilo.

...

O Silêncio tomou conta da sala, barulhos de disparos se aproximaram. Mara ouviu uma voz.

- Mas eu ouvi... Os disparos vieram desta sala estranha. Isso são o que? Mas que diabo de animal era esse? – Perguntava a voz curiosa.

- É sua imaginação! Vamos embora! Eles só podem ter fugido, recebemos ordens para seguir o clone. O plano está quase no fim.

Eles saíram de lá e o silencio tomou o local novamente. Dentro da sala secreta os fugitivos respiravam aliados, enquanto Mara ainda permanecia em transe.

“Verônica não estava mais no ônibus, ela estava no colo de Mara. As imagens passavam rápidas pela mente da detetive, que sentia cada ansiedade, cada dor. Ela então sentiu uma imensa falta de ar. Seu peito começou a doer. Enquanto ouvia os pensamentos da Amazonense, suplicando ajuda, a alma dela parecia chorar angustiantemente. Os olhos encontraram os de Daniel que pegou as duas pt’s e apontou em sua direção. Mara assistia a tudo. Num ato de coragem ela ergueu a mão na direção de Daniel, porém de sua boca não conseguia sair nada. Entretanto Mara podia entender cada palavra. Uma sensação estranha tomou Mara que desconectou. Ela olhou uma ultima vez para o corpo de Verônica ensangüentado no chão e depois voltou-se para Daniel.

- Você tinha razão. – Ela disse cabisbaixa. Ela não suportaria. A dor estava a deixando louca. No momento em que estendeu o braço ela implorava para que você acabasse logo com o sofrimento dela. As ultimas coisas que ela pensou em dizer antes de morrer... – Uma lágrima minou no olho esquerdo de Mara, seus lábios tremeram nitidamente e ela chorou... – Ela quis dizer; Graças a Deus! Obrigado! Imagino que não seja tão fácil para você fazer tudo isso Daniel. Sinto muito mesmo! – Desculpou-se Mara.

- É, realmente não é. – Ele respondeu. – Descobriu onde eles estão?

- Temos que sair daqui, agora. Acho que eles vão ser crucificados. Alguns deles estão amarrados em cruzes, os braços abertos, como Cristo. Em frente à Catedral. – Mara revelou.

- Crucificados? Mas eu não fiz isso... – Daniel disse surpreso.

- Talvez ele esteja inovando, Daniel. Você mesmo disse que ele havia mudado a ordem das execuções. – Felix disse pensativo.

- Tem algo errado. Peguem suas armas. Vamos sair! – Disse Daniel.

...

- Merda! – Disse Diego apertando o gatilho. A bala penetrou na cabeça do nanoinfecto. Diego estava irreconhecível. Suas íris estavam avermelhadas e quatro dentes maiores que o normal impediam que sua boca se fechasse completamente. Olhando para o chão ele viu a maioria de seus soldados mortos. Destroçados em meio ao caos em que estava. Pegou a submetralhadora FN P90 de um dos soldados mortos e seguiu adentro do Museu.

...

- É por aqui. Disse João, puxando uma alavanca. A prateleira girou e eles saíram. Daniel fitou o corpo de Verônica e a sala secreta por uma ultima vez. Mara segurava-se aos braços de Felix. Mat e o Agente seguravam suas armas apontando para o vazio daquela sala. Eles seguiram em direção ao corredor. Daniel ia à frente.

- Isso ta quieto demais! – Disse o agente. O silencio parecia preocupá-los muito mais do que o som das balas. Eles andavam sorrateiramente quando dois nanoinfectos apareceram subitamente. As criaturas não se diferenciavam muito umas das outras. Sempre a pele queimada, parte do corpo em carne viva, pelas feridas que eles próprios faziam para saciar sua fome, ou de suas crias, os dentes podres e afiados, olhos avermelhados como se tivessem sido mergulhados em fumaça, e um cheiro fétido como se tivessem saído de um chiqueiro.

As criaturas com apenas alguns fios de cabelo brancos na cabeça, moviam-se muito rapidamente. Daniel olhou para eles, as barrigas tão fundas como as de uma pessoa que estivesse desnutrida. Os nanoinfectos colocaram suas garras e presas à vista atacaram. Mat e João dispararam simultaneamente enquanto eles desviaram agilmente das balas em saltos incríveis. Mara se agarrou à Felix, que segurava sua arma sobre a mira. João e Mat atirando enquanto as criaturas ofensivamente se aproximavam. Salto por salto elas se escondiam dentro das vitrines que se aprofundavam nas paredes laterais fugindo da visão de todos e se aproximando cada vez mais de seus alvos.

- Eles são muito ágeis. – Disse João enquanto suas mãos apontavam a arma para um lado e para o outro a fim de acertar um deles. Mat com a Winchester à altura de seu cotovelo também tentando acertá-los, entretanto até aquele momento apenas haviam desperdiçado suas balas.

- Para vitrine Felix! – Disse Daniel apontando para vitrine a esquerda deles. Felix conduziu Mara e ambos se esconderam ali. Daniel fez sinal com uma das mãos. Mat e João olharam incrédulos. Ele repetiu o gesto e ambos entraram nas vitrines cada um de um lado. Os nanoinfectos saltaram mais uma vez três vitrines à frente, quase formando um “x” no ar. Neste momento Daniel carregou suas armas e fechou seus olhos por um segundo. Abriu-os e deitou-se no chão. Felix estava na vitrine ao lado dele. Olhou-o num misto de receio e admiração e de repente ouviu o barulho de pés pisando por cima de algo como um pet de refrigerante, algo plástico. Olhou pelo vidro da vitrine e viu o reflexo dos dois seres horrendos caminhando atentos, e ao mesmo tempo famintos pela carne de Daniel. Ambos andavam de uma forma que não chegava a ser humana, tampouco mecânica, era como se fossem lobos expondo seus dentes, ferozes e esfomeados, enlouquecidos pelo cheiro da carne crua á sua frente. As criaturas se olharam e abriram suas bocas. Saltando de encontro ao corpo de Daniel que abruptamente abriu seus olhos e disparou. Uma das criaturas sentiu o impacto e rugiu de dor, caindo ao lado dele baleada. A outra recebeu o impacto do projétil que saiu da Winchester em direção a face do nanoinfecto que caiu quebrando o ultimo pedaço de vidro da vitrine onde João estava. Daniel pensou em levantar quando a criatura que ele acertara saltou sobre seu corpo enfurecida. Daniel sentiu o corpo fétido cair sobre ele após o agente acertar o monstro duas vezes. As balas o perfuraram lateralmente e ele caiu por sobre o corpo do condenado.

Felix sorriu ao ver os dois corpos no chão. Olhou para Mara e se sentiu orgulhoso. Naquele instante ele percebeu a importância dele na vida daquela que ele tratava tal qual fosse sua filha. Ele não era apenas um clone. Ele era um pai. Felix levantava-se quando o vidro revelou outra imagem. Daniel levantava-se batendo a poeira e fazendo careta pelo fedor que estava impregnado em sua roupa especial quando o viu à sua frente. A submetralhadora apontada para ele que não teria tempo de sacar as armas. Diego riu da situação vendo o prêmio de consolação daquele massacre que havia acabado com sua equipe. Seus olhos vermelhos e presas o deixavam tão horrível quanto as criaturas que estavam caídas próximas a Daniel. A rajada de balas veio ao encontro do corpo de Daniel e penetraram na pele dele sem piedade. O sangue espirrando e o corpo tremendo de pé, a cada projétil que perfurava sua pele era como se ele dançasse com a morte. Um único gemido de dor para tantas balas e ele escorregou no ar. Diego olhou para ele frustrado. Daniel apontou a arma e disparou em meio a sua cólera. A bala encontrou o meio da testa de Diego que caiu com o baque agressivo para trás. Daniel segurou Felix antes que ele caísse ao chão. Abraçou-o pelas costas, enquanto suas mãos se banhavam do sangue do amigo que acabara de saltar à sua frente para dar a vida por ele.

- Chefe! – Disse Mat, correndo de encontro a Felix. João estava sem ação, vendo o sofrimento nos olhos de Daniel enquanto Mara seguia o som mórbido do silencio apalpando o ar e indo de encontro ao corpo de seu pai.

- Detenham ele... e Daniel encontre o Doutor. – Felix dizia em meio a uma crise de tosse. O sangue brotando de sua boca em meio a saliva. Mara chegou até ele e o tocou.

- Nãoooo!!! – Ela gritou enquanto as lágrimas surgiam como chuva indesejada. Daniel se abaixou deixando o corpo do amigo apoiado sobre seu colo.

- Acalme-se pai! – Mara disse ao ver todo o sangue que brotava da barriga de Felix. Ela podia sentir o quanto ele sofria. Ele sorriu e a pediu perdão.

- Quero que me perdoe Mara... – Ele já não falava, apenas sussurros quase inaudíveis. Mara aproximou seus ouvidos da boca dele enquanto Felix lhe entregava um embrulho que acabava de tirar do bolso com extrema dificuldade.

- O que é isso? E por que está me pedindo perdão? – Ela perguntou confusa, em meio a seu choro.

- Abra apenas quando estiver preparada – Ele disse e por fim sua cabeça tombou de lado enquanto sua face se fantasiou da morte. Seus olhos entreabertos e sua boca ainda molhada de sangue. Daniel levou a mão direita até os olhos de Felix e os fechou por completo enquanto Mara via o embrulho. Era uma toalha de criança. Uma linda toalha bordada com suas iniciais. Ela a pegou ainda indecisa e enfiou em um de seus bolsos.

- Precisamos ir. – Disse Daniel erguendo-se e enxugando suas lágrimas. Mara assentiu. Os quatro seguiram para fora do museu, por sorte nenhum outro nanoinfecto atravessou o caminho deles. Ao sair Daniel olhou para o ônibus e ao seu lado viu o furgão.

- Mara, está pronta? – Ele perguntou com uma voz suave. Mara respondeu positivamente e levou as mãos até seus olhos. Ambos estavam à frente da catedral de São Sebastião e para surpresa deles os corpos não estavam sendo crucificados. Três membros estavam nus amarrados em cruzes de três metros de altura. O detalhe intrigante é que a parte inferior de seu corpo, as pernas e pés estavam livres. O sol escaldante queimava suas peles e se não bastasse a intensidade dos UVA’s, abaixo de seus pés uma fogueira era montada. Daniel e Mara assustaram-se ao ouvir o primeiro grito de dor. O fogo encontrando os pés de um dos membros que tentava a todo custo ergue-los tirando-os do calor, mas aquilo era algo quase impossível. O clone olhou para os três corpos assim que acabou de atear o fogo e se despediu deles, falando em tom caipira.

- Eita festinha retada essa ein cumpadis! Farto só a canjica, porque o quentão ta chegando! Boa tarde procês! – Ele saiu dançando e gesticulando como se tirasse um chapéu da cabeça. A porta do ônibus se abriu e ele entrou. Mara e Daniel puderam ver o restante dos membros sentados e horrorizados com a cena que acontecia lá fora. Os gritos chegavam como suplicas de socorro. Daniel e Mara abriram os olhos. O condenado olhou para João e Mat.

- Fogueira... Entrem no furgão agora e sigam para a catedral. Pelo amor de Deus! Tentem chegar rápido. Eles estão amarrados às cruzes e abaixo deles... Abaixo deles o fogo está aumentando.

- Deus do céu! – Disse João. Ele e Mat correram em direção ao furgão aberto e entraram. Daniel guiou Mara até o carro. Antes de entrarem João perguntou:

- E vocês?

Daniel olhou para Mara e respondeu.

- Nós vamos atrás desse desgraçado!

...

Este na Verdade é o conto Pena de Morte Capitulo X

Logo publico o titulo original...

À todos que me leêm um forte abraço e que Deus lhes abençoe e ilumine sempre.

Sidney Muniz
Enviado por Sidney Muniz em 01/12/2011
Reeditado em 05/12/2011
Código do texto: T3367085
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