A mansão.

Eram cerca das onze horas da noite, toca o telefone sem parar, ainda meio adormecida Sofia levanta-se e vai atender estranho que do outro lado apenas, ela escutava um soluçar de alguém que parecia meio perdido e sem saber o que fazer.

Pergunta quem é, escuta um choro constante:

- Aqui é a governanta do teu tio Patativa, chama teu o teu pai, por favor.

Diz ela, em breves soluços, corre ao quatro do seu pai e ele ainda dormindo, olha para sua mesa e vê a garrafa de licor sobre a mesa e quase vazia.

Ela o chama, mas ele não acorda, abana-o sem parar e logo ele estremece, falando:

- O que foi que aconteceu, já nem um homem podem é dormir a vontade.

Sem desistir a Sofia, fala

- Paizinho anda ao telefone é urgente, é a governanta do tio e ela está a chorar.

Num gesto preocupado, ele salta da sua cama e corre para telefone;

- Estou Dona Salomé, que aconteceu, está tudo bem?

Ele fica escutando apenas soluços, preocupado volta, a chama - lá.

Dona Salomé responde:

- José, o seu irmão acabou de falecer, eu ia levar o seu leite e seu café para a noite como ele gosta e o vi petrificado na sua secretaria sobre seus manuscritos, pode vir já para aqui, eu não sei o que devo fazer.

Sofia viu as lágrimas a caírem pelo rosto do pai, nunca o tinha visto a chorar mesmo quando a sua mãe o abandonou e fugiu com o motorista do tio. Ela sofreu, mas nunca ela o tinha visto a chorar. Limpando seus olhos, ele falou para a Sofia:

- Veste uma roupa e faz a mala que vamos ficar uns dias na casa do tio, leva roupa escura que eu depois explico tudo, Corre filha, temos que voar para lá depressa.

Sofia até gostava de estar na casa do tio, era uma bela mansão grande, cheia de mistérios e ela ainda não tinha descoberto tudo dali. Então aquela biblioteca era fantástica, tinha de tudo, até os livros místicos lá existia.

Preocupada com o seu tio ela imaginava tudo, menos que ele morresse ou que estivesse doente ou algo assim. Já na garagem entrou correndo para o carro seu pai já esperava e ainda eram duas horas de viajem e ele estava aflito, os dois eram muito ligados, embora tivessem vidas diferentes, mas muito ligados, gêmeos de nascença. Às vezes eles brincavam com ela, estilos diferentes de roupas e as trocavam para ver ate onde ela conseguia destingir quem era quem.

O tio sempre a pegava em seu colo e a chamava de pequeno biscoito de manteiga, ela adorava tudo isso, sempre ele lhe comprava tudo o que ela queria, bastava lhe pedir afinal, ele era seu padrinho de batismo.

Parecia que seu pai estava lendo a sua mente, de mansinho ele falou:

- Sofia está a lembrar-se dos bons momentos que passaste com o teu tio?

Sofia olha assustada e resmunga:

- Que conversa paizinho, o tio não morreu para falares em passado.

Olha fixamente para seu pai, o vê de novo chorando e pergunta:

- Paizinho que foi que aconteceu? O tio esta bem? Que queres falar e não tens coragem.

Respirando fundo, José aproveita e conta a fatalidade que aconteceu com o seu tio.

Permaneceu um silencio mortal até chegarem a mansão, foi devastador, cá fora já estavam alguns empregados, já os esperando.

José corre para seu escritório, onde ele escrevia os seus livros, vê-o desfalecido sobre sua secretaria e liga para o seu medico, conta-lhe tudo o que aconteceu e logo enviam o medico legista.

Ele estava muito doente, ninguém sabia da gravidade da sua doença, recusou tratamento e sabia que era dia menos dia que seu coração ir-se-ia se apagar, conversou com o seu advogado e tratou de tudo caso algo de ruim surgisse. Passou os direitos autorais, fez testamento, tratou de deixar um livro que apenas seria editado após a sua morte, esse livro falava de sua sobrinha Sofia e do seu irmão.

Deixou em testamento que eles teriam que mudar-se para a mansão, que jamais poderiam a vender e nem mudar nada dentro dela, apenas a conservar. Exigiu que mantivesse os empregados dela e que claro que teriam uma boa quantia para poder face as todas as despesas.

Sofia era simples, toda aquela mansão a fazia sentir fria e impessoal, o seu pai se tornou um homem severo, desconfiado, até diria que até mesquinho. Sempre andava a fazer o inventario da casa, com medo que algo faltasse ali, já nem conversava com sua filha, apenas se viam na hora das refeições e pouco mais.

Era chegada a hora de editar o livro que era a maior prenda de Sofia, o amor que seu tio declarou a si, contando como ele fazia seus contos, histórias e claro muitos deles imaginando-a como a estrela principal das suas histórias.

Foi um sucesso, um incrível sucesso, mas a cada dia a Sofia estava mais triste, perdida pela imensa mansão, o lugar que se tornou favorito, ia muitas vezes até a capela onde estava depositado seu amado tio e padrinho. Por vezes ia conversar com ele, o imaginava ali, parecia que escutava pequenos sons, estalidos, alguém que a tocava e ela olhava e nada via, apenas sentia um grande calafrio.

Sofia começou a emagrecer, ficando meio pálida, vagueando pela mansão, tinha momentos que ela via partes dela mexerem, falarem, mas nada a importunava, já nem dali queria sair, isolando-se a cada dia mais e mais.

Começou a trancar no escritório do seu tio, escutavam a maquina batendo rápido, folhas e folhas era gasta em pilhas em cima de pilhas, ela escrevia sem parar, pareça frenética, estranha e misteriosa. Aquela mansão estava os consumindo por dentro, um pela escrita e outro pela avareza.

A governanta a dona Salomé estranha tudo isso, sorrateiramente vai ao escritório e os lê, eram fantásticos os escritos de Sofia, meu Deus eram iguais ao seu tio, chama o editor do tio e lhe mostra todos aqueles manuscritos, ela já tinha escrito três livros. Com sabedoria nunca antes vista, ela escrevia sobre a morte e depois dela e sobre a vida de sua mansão que ela falava todas as noites, que seu tio estava do seu lado a orientando-a e ajudando-a a escrever.

Foi um fenômeno, um estrondo até esgotou a sua primeira edição em uma semana, todos queriam conhecer os livros psicografados da Sofia. Sofia crescia sem querer ver o mundo exterior, nem ir às aulas, nem fazer amigos, parecia que ela Sofia de um tipo de autista, o mundo apenas era dela e ninguém mais acessava, muitos diziam que ela estava ficando louca, falando sozinha ou ficando em profundo silencio por dias e dias.

O mundo se desprendia com algo que jamais poderia acreditar a vinda de um morto, de um escritor conceituado e reconhecido por todos. Um escritor entre fabulas, mundos paralelos e muita aventura.

Os livros eram maravilhosos e mudava qualquer visão retrógada dos jovens e os mais velhos, alguns saíram da dependência química, outros da bebida e outros vícios mais, mas o que mais encantavam neles a forma que eles falavam de Jesus, do seu amor e dos seus ensinamentos para se conectar com Deus e o mundo.

As redes sociais eram o meio rastilho de pólvora, todos falavam do fenômeno da Sofia com exemplo de vida, mas Sofia estava adoecendo a cada dia mais, vagueando pela solitária casa, escutando seus gemidos, escrevendo coisas sobre ela, sobre o submundo, sobre os que não se conseguem conectar com Deus, isso a foi devorando por dentro e ela olhava seu pai e o via caminhando a largos passos para essa total escuridão.

Televisão, rádios, grupos, todos queriam apenas uns minutos com a Sofia, ela era linda, parecia um anjo de luz, irradiava muita luz a sua volta, mas aos poucos ela foi ficando mais frágil e doente, dizia-se cansada, muito cansada.

Seu pai apenas queria tirar proveito de toda aquela situação, forma de enriquecer ainda mais dado a sua mesquinhez o consumir a cada dia mais e mais. Ele apenas queria que Sofia escrevesse e cada dia mais, o que ela sentia e pensava já nem lhe importava mais, aquela casa o consumia demais, ele estava ficando louco, perigosamente louco, dizia que os empregados o queriam matar e si e a Sofia. Falava já sozinho, não dormia quase e andava apenas nos lugares escuros, seu olhar era de ódio, falava mal do irmão, dizia palavrões e fazia cenas obscenas com as meninas que iam dos colégios visitarem a mansão.

Chegou um dia que Sofia recusou comida, chamou o advogado e deixou em testamento todo o seu patrimônio para pesquisa das ciências ocultas, formação de novas mentes, embora enquanto o seu pai fosse vivo deveria ser respeitado e mantido ali, com todo o conforto e auxilio medico.

Sofia três dias depois faleceu, seu pai não chorou nem uma lagrima nada estava apenas ali, olhando, com seu olhar evasivo e meio louco. Naquela noite ele começa a gritar pela casa correndo, gritando, estarrecido de medo, as sombras estavam o cercando, eram sombras aterradoras, elas o enlouqueciam, com gritos loucos e gemidos do além dos horrores.

Começou a ver todos os falecidos da sua vida, com rostos desfigurados, correndo atrás dele, rindo, tocando-o e ele ali sozinho, sem ninguém para defendê-lo, lembrou-se dos livros de Sofia, do que ela mais queria pedir a Deus que acontecesse a sua conversão, ser temente ao Pai, a Deus. Entre aquela escuridão, o terror, a loucura, ele pede perdão a Deus, perdão por ter feito descaso da sua menina e dos seus manuscritos, as sombras gemiam ainda com mais força, um vento frio assolava seu rosto e corpo. Cansado chorou, parecia um menino perdido, tão carente e lhe passou todos os lindos momentos da vida a sua frente, era como um filme quis fechar os olhos para o final do filme, mas não podia algo os seguravam abertos.

Corando de vergonha corre para o escritório de seu irmão e da sua filha, arregalou seus olhos, estava ali a Sofia e seu irmão Patativa, os dois sorrindo, estendendo seus braços e abraçando num abraço quente e cheio de amor. José desfalece, Sofia e seu tio o sentam na sua cadeira e juntos esperam algo.

A luz se torna intensa, desce um anjo, José sai do seu corpo, assustado olha para ele e fica estarrecido, Sofia sorri e o tranqüiliza:

- Paizinho, eu te amo, vai com o nosso amigo que te vai ajudar-te, ele precisa de te curar e logo estaremos juntos. Confia paizinho.

Desta vez ele sorri e abana sua cabeça e flutua até as estrelas, ele estava em paz e tinha feito as pazes com o seu pai.

Abre a porta do escritório, Salomé olha e o vê sem vida. Grita assustada, outra morte, não eu vou embora agora mesmo.

Bate a porta e o deixa ali sozinho. Sem olhar para trás, sem medo ela segue sorrindo para outro caminho... Aquela casa era estranha mesmo pensou ela, caminhando pelo trilho da floresta...

Betimartins

Betimartins
Enviado por Betimartins em 11/12/2011
Código do texto: T3383105
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