O 13º cliente
 
Lucas Ferreira estava nervoso naquela sexta feira, não pela data, pois não ligava muito para superstições, mas ele sabia que estava cometendo um grande erro. Olhou para as duas portas à sua frente e bateu ansioso para sair logo dali. Vigiou os dois lados da rua enfileirada de casarios históricos, receoso que alguém pudesse reconhecê-lo, mas àquela hora da noite, Dores do Indaiá já estava deserta.
Uma sensação de alivio o tomou assim que a porta pesada de madeira Pau D’Arco e umbral largo se abriu, ele adentrou naquela casa de meia luz, sendo recebido pela bela mulher balzaquiana que logo o abordou com um costumeiro sorriso.
- Sr. Lucas, seu safado. – disse a cafetina beijando-lhe o rosto, um beijo que o aproximou do perfume chamativo da mulher, uma mistura de almíscar com bergamota
- Ora, minha doce Manu. – respondeu Lucas, enquanto Tamires, uma prostituta amazonense, de coxas apetitosas que ele conhecia muito bem, lhe servia uma dose de uísque. – Não já lhe disse que sempre retornaria para seu adorado clube de cavalheiros?
- Professor, professor. Já lhe falei que adoro seus eufemismos? – perguntou Manu – Então, querido, o que procura? Sei que quer se divertir, mas o que? Jogo? Bebida? Sexo?
Lucas fez uma reverencia. Como se saudasse uma rainha. Ele lecionava história e geografia em Divinópolis, mas sempre que queria dar vazão aos seus desejos mais pecaminosos, pisava fundo na estrada rumo a Dores do Indaiá, sua cidade nataL. Nasceu numa época em que falar e pensar era proibido e muitas pessoas haviam morrido por essa causa. Hoje ele podia desfrutar de liberdade de pensamentos, e de fato o fazia, pois sempre foi um eterno sonhador
- Pelo visto, você não perdeu o seu taco, não? - Olhou para Tamires seus olhos viajaram por toda a beleza exorbitante da morena jambo que o rondava e então seus dedos percorreram a pele quente e insaciável da bela jovem ao seu lado. Beijou-a e voltou-se para a cafetina. – Na verdade gostaria de algo, digamos, diferente para esta noite.
- Lucas, seu cachorro! – vociferou a mulher – Tenho uma ideal para você. – Tamires lançou um olhar selvagem na direção dele, empinou seu nariz e numa virada de corpo saiu rumo à outro homem que acabara de entrar.
- Pelo visto, sempre temos carne nova na casa. – observou Lucas sem se importar com a atitude de Tamires.
- Não é a toa que sou a melhor naquilo que faço. – Respondeu a pálida mulher ruiva, de lábios vermelhos e bem torneados. Ela usava um espartilho vinho, rendado formando pequenas ondas no busto farto que combinava perfeitamente com todo o resto do seu corpo. Sua meia calça negra modelo arrastão, presa no quadril avantajado por uma sinta liga, era vista por baixo da anágua de voal transparente, que se alongava até a altura da polpa da bunda, tornando-a uma figura misteriosa e ao mesmo tempo sedutora.
- Rebeca! – bradou ela, com uma voz sensual.
- Rebeca, hein. – falou o professor. – Um nome atraente. – ele observou.
- É, afinal, você é cliente especial, então vai ser o primeiro. Mas veja que coincidência, hoje é sexta feira 13 e você é o 13º cliente da noite. – revelou Manu – terá uma noite inesquecível! Isto é, se você puder pagar, é claro.
O mineiro meteu a mão dentro de um dos bolsos do sobretudo que usava, porém nada encontrou. Mas, do bolso do paletó, ele retirou um bolo de notas de cem, contou algumas e disse com um sorriso:
- Acho que isso deve bastar.
- Sem dúvidas meu bom amigo. – disse a cafetina, enquanto dava uma risada sacana.
Uma prostituta morena com lindas curvas, vestida em um corpete árabe vermelho, uma mini saia jeans e um salto Luis XV, apareceu na porta da sala. Estava usando uma máscara branca, que cobria seu rosto, aquilo a deixava ainda mais sensual. Era uma máscara como as que as atrizes usavam em óperas teatrais. Com uma voz instigante ela perguntou.
- Chamou senhora?
Manu pegou uma pequena taça de licor e a tomou de um só gole.
- Este cavalheiro vai ser seu cliente por esta noite.
Rebeca olhou dentro dos olhos meigos do homem de pele clara e cabelos negros com suaves entradas na região temporal, bem vestido, ele trajava um elegante sobretudo marrom que escondia sua camisa chambre suja de giz. Uma antiga caneta Montblanc no bolso podia ser vista. Ela gostou do que viu e estendeu-lhe a mão.
- Então, meu querido. Vamos?
Lucas sorriu levemente. Pegou um copo de uísque da mesa e tomou um gole.
- Sim minha querida, mas para que a máscara?
- Um presente meu para você professor. É assim que elas se portam na primeira vez. Pense nisso como um ritual e verá o quão excitante será sua noite.
Lucas era só sorrisos e excitação, seguiu a bela Rebeca por todo o extenso corredor de teto rebaixado por sanca que embutiam pequenas lâmpadas dicróicas,dando um tom avermelhado ao espaço que abrigava os quartos, ninho das ninfas, onde as prostitutas ofereciam seus serviços aos clientes.
- É aqui! – disse a mulher.
- Quarto treze. – observou Lucas – Que coincidência não? Ou seria sorte? – Ele comentou enquanto olhava para a intrigante e deliciosa mulher.
A meretriz apenas concordou com um sorriso amarelo. Os dois entraram no quarto. Rebeca dirigiu-se para uma mesinha de mármore, onde havia um balde cheio de gelo e uma garrafa de champanha. Ela pegou duas taças e as encheu.
- Por que você não toma um banho antes? – perguntou para Lucas.
O moço sorriu. Realmente estava com calor. Tirou toda a roupa e se enrolou em uma toalha, depois entrou no banheiro e foi tomar banho. A água quente do chuveiro era muito agradável e relaxante. Enquanto se banhava pensava em como iria se divertir aquela noite. Sua imaginação o levava a fantasias incríveis com a bela mulher que provavelmente estaria deitada na cama a esperá-lo, nua, suas curvas torneadas e convidativas. Ela seria dele a noite inteira. E ele ansioso por ver aquele rosto. De certo se trataria de uma linda mulher. Como ele queria tê-la logo.
- Você não vai ser má comigo, não é mesmo? – ele perguntou enquanto o vapor tomava todo o banheiro. As gotas quentes caiam sobre seu corpo. Mas a única resposta que ele teve foi o completo silencio.
Ansioso ele desligou o chuveiro, se enrolou na toalha e tentou sair, mas se viu trancado. A maçaneta girava em vão enquanto ele já ficava nervoso com a estranha situação.
- Que brincadeira é essa? Rebeca? – cada vez mais confuso ele se assustava. Olhou ao seu redor e viu que a janela do banheiro era cercada por uma grade. Ele não conseguiria sair dali. – Maldita cadela, abra esta porta!
Uma risada aterrorizante foi proferida, vindo por detrás da porta. Lucas sentiu-se acuado e pensou em sair logo dali.
- Manu, que brincadeira é esta? Não gosto disso! Entendeu? Malu? – Ele gritava sem resposta. Foi quando houve uma queda de energia e ele ouviu a porta ser destrancada de repente. Um clique que ele tanto pediu agora havia o assustado. Ainda inseguro abriu a porta e saiu enrolado na toalha. A escuridão o impedia de enxergar qualquer coisa que houvesse ali.
Risos assombrados, sons de correntes, chicotadas e gritos de sofrimento eram ouvidos, entravam invasores de seus medos. Lucas tropicou em algo, correu seus dedos sobre a superfície e deduziu ser a cama. Usou-a para se localizar, imaginou onde estaria a porta de saída e dirigiu-se até ela. Ouviu a voz de Rebeca perguntando aonde ele ia e deu um giro de 360º. Mas ele não podia ver nada. Uma série de risos tomou conta do ambiente, gargalhadas zombeteiras. Ele amaldiçoou cada uma das mulheres que fazia segundo suas maquinações aquela inoportuna brincadeira.
Continuou a caminhar em direção a porta e sentiu um cheiro estranho, um odor terrível que agora degradava todo seu olfato. A ânsia de vomito o tomou por completo. Ele correu em meio à escuridão que o cercava e bateu sua canela contra algo que parecia ser um móvel de madeira, uma espécie de mesa no chão. Mas era comprida, e ao mesmo tempo estreita e baixa demais para ser uma mesa. Gemeu de dor e sentiu-se um desgraçado por estar vivendo tal situação.
Lembrou-se de sua nova namorada, a qual havia deixado de lado naquele dia, e odiou a si próprio por estar ali. Sabia que a amava e o quão era cafajeste por estar a traindo mais uma vez. Sheila era uma boa moça, religiosa disposta a se casar virgem devido a doutrina de sua igreja. Lucas logo iria viajar para cidade dos pais dela a fim de conhecê-los. Desejou em seu intimo estar em Divinópolis, dedilhando no seu violão Di Giorgio musicas da MPB.
Caminhou temeroso, apalpando o ar e sentindo seu coração pulsar descompassado. De repente ouviu o barulho de pessoas se movendo, o som dos saltos batendo contra o piso de taco daquele prostíbulo. Mais gritos de terror como se homens estivessem sendo torturados naquela noite. Sussurros congelaram sua alma, vozes quase fantasmagóricas arrepiaram os pêlos de seu corpo e praticamente acorrentaram seus pés ao chão. Lucas Ferreira mal conseguia se mover.
- Quem está aí? Quem está aí? – Ele repetiu agoniado enquanto o pavor dominava seu cérebro.
- Está com medo? – Uma voz perguntou parecendo sair de trás dele. Lucas saltou, girou o corpo tentando reconhecer a voz disfarçada que o assombrava. – Manu? Rebeca? Quem é a vadia que está me assustando?
- Está se divertindo? – Ela perguntou. Ele pensou em responder quando se sentiu seguro. Os mamilos rígidos da mulher roçaram em suas costas e ele sentiu a máscara dela encostar fria em sua nuca.
- O que diabos você está fazendo? – Ele perguntou.
- Meu trabalho! Pela 13ª vez hoje. Ela respondeu enquanto as luzes se acenderam e ele se viu cercado pelas prostitutas que estavam nuas ao seu redor.
- Manu, o que está acontecendo? – Ele perguntou uma ultima vez. E então sentiu uma pancada na nuca. Caiu desmaiado e ainda zonzo olhando para o lustre que girava acima de sua cabeça e viu a dama mascarada o fitando. Seus olhos eram tão belos quanto os... Foi aí que ele a reconheceu.
A máscara caiu ao lado do professor de história e geografia. Sua namorada estava o encarando com um sorriso sádico no rosto. Ela virou-se para as prostitutas que o cercavam e deu ordem para que o carregassem até a mesa da sala.
- Mas por quê? – Ele perguntava enquanto sentia uma forte enxaqueca invadir sua cabeça.
- Porque foi aqui que te vi pela primeira vez. Há meses vejo você entrando e saindo deste lugar. Há meses dei ordem para que Manu fingisse ser a patroa e cuidasse de homens infiéis como você. E agora darei o que merece seu imbecil. Elas o seguraram pelas mãos e braços enquanto Rebeca chegou com uma enorme tesoura de podar grama. Manu e outra prostituta olharam uma para outra e se beijaram depravadamente enquanto Rebeca, a mulher que ele namorava há seis meses segurava a tesoura de poda. Ela então olhou para as duas e fez sinal positivo com a cabeça.
Ambas, nuas e atrevidas começaram uma dança sensual exibindo seus corpos encostando-se em Lucas, beijando-o e o masturbando enquanto ele tentava se concentrar ao máximo para impedir que seu membro respondesse a todo aquele joguete de sedução, mas a irrefreável vontade masculina falou mais alto e ele sentiu-se excitado pelas duas mulheres formosas que o seduziam. Debatendo-se e prevendo o que viria a seguir ele tentou em vão se livrar das prostitutas que o agarravam até que as lâminas da tesoura se encontraram e mais da metade de seu pênis caiu por sobre a mesa. Sangue e sêmen esguicharam por sobre sua barriga e ele urrou de dor, desmaiando logo a seguir.
A escuridão que veio em seguida agora o havia levado a um terrível pesadelo. Ele se sentia abafado, um calor infernal tomando seu corpo e uma sensação de aprisionamento. Estava dentro de uma cela gritando para sair, chamava por Sheila que era o nome que Rebeca usava para seduzir suas vitimas. Acordou assustado, sentiu o mesmo odor de antes e então abriu os olhos. Por reflexo tentou se levantar quando bateu com sua cabeça por sobre a madeira. Ouviu o som de algo bater contra o objeto onde estava preso e então olhou para o lado. Estava cercado de pedaços de carne apodrecidos e fétidos que logo ele descobriu se tratar de órgãos genitais de outros homens. Por um pequeno buraco que lhe permitia enxergar além do caixão onde estava preso, viu Rebeca com uma pá cheia de terra e uma coroa de flores. Ao ouvir as batidas desesperadas e os gritos de socorro do Lucas, uma lágrima brotou dos olhos dela e então ela jogou a terra sobre a fenda fazendo com que a terra cobrisse sua visão e caísse sobre seu olho.
- Você é como meu pai, um maldito mulherengo! Vá se ferrar animal! – Ela disse lembrando-se do dia em que sua mãe havia feito o mesmo com seu pai e a vagabunda com quem o havia pegado numa maldita sexta feira 13.
Lucas agora dará aulas no inferno!

Fim!

Leiam o excelente Lucas Ferreira MG, que recebe esta nossa singela homenagem. Como é bom saber que Minas Gerais está tão bem representada por escritores como você amigo!

Receba com carinho esse texto, um carinho todo especial é claro... rsrsrs.


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Sidney Muniz, João Murilo e Lee Rodrigues
Enviado por Sidney Muniz em 13/01/2012
Reeditado em 13/01/2012
Código do texto: T3438967
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