Meia hora pra almoçar
 
  Estou em frente ao meu computador nesse dia monótono de trabalho. O que eu queria fazer agora era juntar minhas coisas e sair. Ir direto para casa. Subir o morro, sentir o peso de meu corpo sobre meus joelhos, sentir o sol escaldante sobre meus ombros, seus raios queimando minha pele clara e tão sensível ao sol. Mas não posso. Estou aqui, cercado, onde a morte às vezes ganha vida. Ao lado do quarto onde os cadáveres repousam por alguns minutos, exalando seu cheiro fétido. Estou em meu ambiente de trabalho.
  Não é um lugar infernal, tampouco angelical, ás vezes o sangue escorre pelo chão, o vômito escapa pelas bocas dos enfermos. Chegam pessoas agonizando, feridas, entre espasmos, ataques epilépticos, acompanhadas pelo desespero de seus familiares. Elas babam, sangram, gemem, gritam, elas morrem.
 A morte cavalga por aqui, num belo corcel negro empunhando sua arma letal, e pronta para roubar um derradeiro beijo, levando consigo as almas que ela tanto almeja. Seus olhos frios espreitam até mesmo aqueles que aparentam ser os mais saudáveis.
 O tempo passa devagar, olho para o céu e vejo algumas nuvens, mas em sua maior parte predomina um azul cintilante, que contradiz com a situação a qual me encontro. O vento sopra inexpressivo lá fora e às vezes encontra meu rosto, refrescando-me desse intenso calor que abafa esse ambiente.
  A fome me chega aos poucos causando uma leve sensação no estomago, olho para o lado e vejo uma formiga caminhar em direção a minha mesa. Ouço as vozes do médico conversando exasperadamente com um paciente enquanto os murmúrios de um pequeno bebê chegam embaralhados aos meus ouvidos. Sussurros como uma multidão de almas também são tragos pelo vento, mas são apenas os pacientes na sala de espera queixando-se da demora pelo atendimento.
 Ainda faltam dezesseis minutos, continuo a acariciar o teclado com meus dedos que obedecem instintivamente os pedidos de meu cérebro. Sinto que não vou chegar a lugar algum. Uma dose de ansiedade invade meu ser e desacelero. A preguiça vem, mas não me domina, e aqui estou lutando contra ela.
  O som de um carro passando na rua, tocando alguma musica barulhenta com uma letra sem cultura alguma, chega perturbador, mas logo foge de meu alcance, enquanto motores roncam nesse ambiente pouco propicio para localizar-se a policlínica da cidade. O tempo parece esfriar um pouco e a fome aperta. Sinto a garganta seca e um pouco gélida, como se um halls estivesse entalado no fundo dela. Meus olhos ainda sentem o peso de uma noite mal dormida, encurvo-me e espreguiço, respiro fundo e retomo minha atividade. Penso um pouco ainda refletindo sobre o que estou escrevendo e onde quero chegar.
  Não entendo essa necessidade de escrever sobre algo tão melancólico. Esse meu pequeno intervalo de solidão. Essa agonia que me invade, essa vontade de desabafar em qualquer pedaço de papel. Essa ânsia de matar a minha fome. De sair correndo. De fugir. Esse terror que está dentro de mim pulsante, sempre a espera de um tropeço para dominar meu eu, assim como faz com tantos outros.
  Mas eu, não o dou à mínima, pois não sou assim tão fraco como ele pensa. Agora vejo que minha hora chegou. Levanto-me e preparo-me para sair, ouço o bip do microondas como se fosse meu relógio cuco e desperto; é hora do almoço.
 
Sidney Muniz
Enviado por Sidney Muniz em 18/01/2012
Reeditado em 18/01/2012
Código do texto: T3447747
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