O que você fez Vitória?

Leia este conto e entenda porque devemos aguardar a hora certa de atravessar uma rua ou avenida. Boa leitura.

Vitória voltava para casa depois de mais um dia desgastante no trabalho, como sempre naquele horário as ruas estavam apinhadas de gente, cada pequeno espaço era disputado e esbarrõe e empurra-empurra eram inevitáveis. A certa altura Vitória para em um cruzamento esperando o sinal abrir, ao seu lado um homem também para, um homem comum, rapidamente teria se esquecido dele, mas não naquele dia.

- Agora dá para atravessar – disse o homem.

- Não, não vai – disse Vitória.

Nesse momento, várias pessoas atravessaram, menos os dois.

“Poxa, dava para ter ido.” Pensou ela.

Vitória olhou para a rua, um carro se aproximava, mas achou que conseguiriam atravessar.

- Agora podemos ir – disse ela para o homem ao seu lado.

E eles atravessaram, mas na metade do caminho Vitória percebeu seu erro e parou, ela achou que o homem faria o mesmo, mas ele já estava muito adiantado. O choque foi inevitável. Vitória viu quando o homem fez uma expressão de horror e gritou antes de seu corpo ser atingido e arremessado para o alto já sem uma das pernas, viu seu rodopio no ar já esquichando sangue para todos os lados e viu quando ele atingiu o chão, a menos de dois metros dela, já com o crânio totalmente esmagado e com massa encefálica a mostra. Vitória entrou em estado de choque enquanto contemplava os olhos ejetados daquele homem que pareciam fita-la e acusa-la de leva-lo a morte.

- Maluco, maluco… - gritava o motorista do carro que atropelou o homem – seu maluco… Ah, meu Deus, o filho da puta morreu, caralho.

Logo uma multidão se aproximou da cena.

- Cara, você viu que irado – diziam alguns garotos que presenciaram a cena.

- O motorista não é culpado, a culpa é do cara que atravessou sem olhar – disse alguém.

- Aquela moça por pouco não foi também – ouviu-se uma mulher dizendo.

- Esse povo não sabe a hora certa de atravessar – um homem disse.

Vitória ouvia tudo isso enquando continuava a contemplar o corpo dilacerado.

- Moça, você está bem? – alguém a tocou e ela saiu do transe.

- Eu, eu, eu não sei… - respondeu ela olhando, era um guarda de trânsito que perguntava.

- Esse homem, você o conhecia? Você está parada aí a vários minutos e as pessoas disseram que vocês estavam juntos.

- Não – disse Vitória olhando mais uma vez para o corpo – eu nunca o vi antes.

- De qualquer forma venha comigo, preciso de seu depoimento, e também vamos limpar essa roupa.

- Limpar a roupa? – perguntou Vitória, e foi aí que ela se deu conta que sua roupa estava respingada de sangue e de outra coisa a mais: pequenos pedaços de cerebro.

Vitória chegou em casa tarde da noite, os acontecimentos do dia fervilhavam em sua cabeça, passou horas dando depoimento, ela teria que depor em uma audiencia que ainda seria marcada, era a principal testemunha, não tinha como escapar, ela testemunharia a favor do motorista.

Assim que entrou em casa ela foi direto ao banheiro, despiu-se e olhou mais uma vez para a roupa manchada, desta vez não se conteve, foi ao vaso sanitário e vomitou, depois começou a chorar como uma criancinha.

- Ele morreu por minha culpa – dizia ela – eu o matei, não devia ter dito para atravessar.

Ela permaneceu abaixada no chão, nua e chorando até que se levantou e se olhou no espelho, estava horrível.

- O que você fez Vitória? – perguntou-se ela enquanto olhava seu reflexo.

- O que você fez Vitória? – agora ela estremeceu, olhou para todos os lados, não era ela quem tinha dito aquilo, mas tinha ouvido mesmo isso? Era uma voz tão distante, e uma voz de homem. Vitória empalideceu quando reconheceu a voz, era do homem que havia morrido, sim, ela a havia ouvido uma única vez mas nunca mais a esqueceria.

“Devo estar ficando maluca.” – Pensou ela enquando se abaixava e abria a torneira da pia e lavava o rosto. Mas quando se levantou e contemplou o espelho novamente não pode conter o grito: não era mais seu reflexo que ela via, mas sim um rosto desfigurado, com os olhos ejetados e a cabeça aberta e esmigalhada, era o rosto do homem atropelado.

Vitória fechou os olhos, abriu e olhou de novo e nada mais viu.

Ainda trêmula, ela entrou debaixo do chuveiro a o abriu até o fim, enquanto a água caía ela chorava mais ainda.

- O que você fez Vitória? – ela ouviu de novo.

“Estou louca, estou louca”. Repetia ela.

Mas a voz não se calava.

- O que você fez Vitória?

- O que você fez Vitória?

- O que você fez Vitória?

Vitória não continha os soluços e o choro, tentava se concentrar no banho, mas a voz não a deixava se acalmar, de repente ela sentiu que a água se tornava mais viscosa e horrorizada ela percebeu que também se tornava avermelhada até deixar de ser água e se tornar puro-sangue.

- Ai meu Deus! – ela gritou enquando se afastava dali, mas quando saiu da ducha percebeu que seu corpo estava molhado só com água mesmo.

- Isso tudo vai passar. – ela pegou a toalha e se enxugou evitando se olhar no espelho.

Vitória jogou as roupas usadas no lixo, vestiu uma camiseta e uma calça de lycra e foi para cama deixando as luzes acessas.

Mas assim que se deitou e fechou os olhos ouviu a voz novamente:

- O que você fez Vitória?

- O que você fez Vitória?

- O que você fez Vitória?

- Para com isso porra! – gritou ela – você não precisava me ouvir, podia ter deixado o sinal abrir.

Ela olhou em volta e não viu nada, ela percebeu o absurdo que estava fazendo.

- Preciso de um remédio para dormir, os vizinhos vão achar que estou louca.

- Você não está louca Vitória. – ela ouviu agora bem claramente.

Vitória se levantou num pulo, foi até a cozinha, abriu a porta da geladeira e encheu um copo d`água, quando fechou a geladeira o susto foi tão grande que o copo caiu e se estilhaçou no chão. Lá estava o homem atropelado e desfigurado a sua frente.

- O que você fez Vitória? Você também deveria ter morrido hoje.

- Vai embora! – e Vitória correu para a porta, mas assim que a abriu lá estava o homem novamente.

- O que você fez Vitória? – perguntou ele outra vez – Você também deveria ter morrido hoje – ele repetiu.

Vitória desta vez o empurrou.

- Suma daqui, você está morto! – e saiu correndo para fora.

Enquando corria a voz a perseguia:

- O que você fez Vitória?

Vitória fechou os ouvidos e continuou correndo.

- O que você fez Vitória?

Vitória fechou os olhos e continuou correndo.

Vitória não ouviu o carro se aproximar, Vitória não viu o carro se aproximar.

O impacto foi inevitável, seu corpo estilhaçado foi arremessado para o alto e caiu ao chão desfigurado e sem vida.

Vitória olhou para o próprio corpo destroçado no chão e disse para si mesma:

- O que você fez Vitória?

- Eu disse que você também deveria ter morrido hoje Vitória – ela reconheceu a voz do homem atrás dela e se virou, lá estava ele com o corpo perfeito e sem nenhum ferimento.

- Você veio só para me buscar não foi? – perguntou ela.

- Sim, e agora podemos ir.

Vitória contemplou seus restos mortais mais uma vez, deu a mão ao homem desconhecido e desapareceu com ele.

Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 11/02/2012
Reeditado em 11/02/2012
Código do texto: T3492886
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