VAMPIROS 9 – FACAS AFIADAS

Era fria a noite. Ele acendeu um cigarro, meio amarrotado que tirou de um bolso colorido. Do alto de uma rua próxima,, ele via as casas dos ricos abaixo. Um vento gelado passou por ele, assoviando. Apertando a gola do seu casaco, à altura do pescoço, começou a descer a rua em direção àquelas casas.

Na rua chique, ainda passavam alguns carros, mas a maioria era de moradores. Houve quem o viu, mas disfarçou. Como em todo bairro nobre, os moradores tinham medo de assalto por isso cada qual cuidava da sua vida. De vez em quando se ouvia alguém gritando por socorro, mas virava-se para o outro lado da cama, ou aumentavam-se os sons das TVs. A casa do numero 73 era sólida, ampla, de dois andares. Com cinco quartos no andar superior, ainda abrigava duas cozinhas, sendo uma maior e uma ampla sala dividida em quatro ambientes.

...

Ele andava meio desajeitado com aqueles sapatos de palhaço. Na sua mão estava uma faca grande de cozinha, sujando o corredor do primeiro andar, enquanto pingava sangue. Gotas de sangue. Ele matara o menino e a mãe, que estavam vendo TV na sala e não notaram ele entrar por uma janela aberta, perto da área de serviço. O palhaço tentou entrar na casa do lado, pois hoje ele queria matar alguém. Só matar, sem motivo. Só matar! Simples! Mas as casas ao redor estavam bem fechadas ou com vigias.

Agora que ele já conseguira alguma vítima andava lentamente no corredor escuro, sem pressa, saboreando o momento.

Subindo a escada, não muito íngreme, do lado direito da casa, dava de cara com um corredor grande, que seguia para a esquerda. Depois que subiu a escada parou um pouco. Estava ficando velho, pensou, meio sem ar. Havia um pensamento bom hoje, da menininha de cabelos meio avermelhados. Ela deveria ter uns quatro ou cinco anos e hoje ficou no seu colo, no Shopping, durante um pouquinho. Era tão bonitinha! Ela despertou um pouco de bondade nele. Mas, afastando esse pensamento, pensou no seu afazer, enquanto ia abrindo lentamente as portas, no escuro, enquanto ia saboreando aquele momento tão único. Ele sabia que ainda havia alguém na casa, pois a mãe e o filho chamaram pelo pai e marido, enquanto morriam. O Palhaço não gostava de enrolar. Ele não era muito sujeito a torturas. Quem gostava disso era o Menino. Ele gostava de matar rápido. Só isso! Só matar!

Um carro passou na rua, clareando momentaneamente o corredor escuro e silencioso. O Palhaço parou. Nos quartos um a quatro não havia ninguém. Só restava um quarto agora. Ele empurrou lentamente a porta e viu, no escuro um homem deitado, de costas, na cama. Ele ficou com dó do cobertor bonito, naquela noite fria, pois daqui a pouco estaria sujo de sangue, perdido para sempre.

O Palhaço olhou para o quarto amplo e cheio de móveis e a TV gigante lhe chamou a atenção – mas ele não gostava de assistir nada. Virando-se, com a faca na mão, em posição de ataque, assustou-se, pois o homem estava com os olhos abertos, olhando para ele, olhos arregalados. Ele não notou que o homem havia acordado e nem que tivesse se virado, mas não tinha problemas. Um embate, de vez em quando até que é bom, para esquentar o sangue, pensou o Palhaço, sorrindo um riso mascarado, de palhaço, que àquela hora da noite, na penumbra, assustou mais o homem, que estava sem ação, do que a faca enorme na sua mão.

Tudo aquilo durou um segundo, pois o Palhaço voou com a mão esquerda no pescoço do homem, que não pode com a força dele, enquanto a faca subiu o mais alto, acima da cabeça do Palhaço e desceu, num único golpe, silvando, no peito do homem. O Palhaço começou a rir, a principio baixo, mas gradativamente foi alçando seu riso, que virou um esgar medonho. Alguns vizinhos ouviram aquele riso louco, estranho e temeram. Teve quem aumentasse a TV e quem escondesse a cabeça debaixo do travesseiro.

Só havia uma pessoa na rua, àquela hora, um homem, um negro, de cabelos branqueados, saído de uma favela próxima, que apertou o seu revólver no bolso da calça, para sentir-se um pouco mais seguro, enquanto ouvia aquele riso louco, numa casa toda às escuras. Não havia uma única luz na casa, mas alguém ria, como se estivesse numa festa particular. O ladrão desistiu imediatamente de tentar assaltar alguma daquelas casas, indo direto pra casa. A sua mulher perguntou porque ele estava assustado, quando ele entrou debaixo das cobertas. Ele disse que ouviu alguém rindo alto e aquele riso lembrou alguma coisa da sua infância, que o assustava muito, mas ele não sabia o quê.

...

O Palhaço dirigiu a noite toda e encontrou o Circo quando já era quase dez horas da manhã. Encostou o carro perto de umas árvores. De cabeça baixa, cansado, passou pela linda senhorita Suelen, que era a profetiza do grupo. Passou pela jaula dos tigres e pelo Gordo, que olhou para ele de cabeça baixa, meio de lado. Tinha horas que o Gordo conseguia assustar o Palhaço, mas ele fazia o possível para não demonstrar. Ele não gostava de canibais, de jeito nenhum. As gêmeas, duas irmãs que estavam completando seus cinqüenta anos, passaram por ele, perguntando no olhar, de onde ele vinha agora, ou de que matança tinha saído, meio que com inveja. Dirigindo-se rápido para a sua tenda, que era dividida com o Menino, um louco assassino de crianças e mocinhas, que não envelhecia nunca, o Palhaço deitou-se na sua cama, com os braços cruzados na cabeça, fechando os olhos, cansado, pensando o que faria à noite, após o espetáculo.

pslarios
Enviado por pslarios em 19/02/2012
Reeditado em 19/02/2012
Código do texto: T3508074