O AVISO

O AVISO

Nasci no interior do Rio Grande do Norte, numa cidadezinha pequena, mas interessante. Na verdade, a cidade tinha e tem até hoje aspecto de uma cidadezinha cinematográfica de filme de humor, todavia, a história que vou contar agora não é uma história de humor, muito pelo contrário é uma história real e assustadora que eu presenciei na fragilidade de meus seis anos de idade, mas que prossegue na minha memória me intrigando e me impressionando até os dias de hoje. É uma história que me faz refletir sobre as palavras de Shakespeare: “ Há muito mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia".

A cidade que eu nasci era muito atrasada. Geralmente, no início da década de oitenta, costumava receber muitos circos e parques ambulantes. As moças sempre se divertiam nos circos, mas principalmente arranjavam namorados. Foi neste clima de romantismo e humor que surgiu uma das mais horripilantes histórias de terror da minha jovem vida: A história de Mariquinha, pois ela, a heroína desta história também arranjara um namorado no circo.

Mariquinha não era bonita nem interessante, mas era uma moça de família e vivia num período em que a virgindade era guardada a ferro e a fogo. Pois bem, Maquinha perdera a virgindade com um moço do circo, que um dia por lá voltou, mas só que voltou sozinho, sem o amor para Mariquinha. O fato é que Mariquinha, além de não ser muito atraente ficou conhecida na cidadezinha como “ a perdida”. Praticamente, ninguém a queria para namorar e casar.

O tempo foi passando rapidamente para Mariquinha como sempre sem muitas novidades, porém, um belo dia, sem se saber como, nem por que, Mariquinha arranjou um casamento. Era um rapaz membro de uma família bastante humilde, tachada de ralé pela sociedade local, bem abaixo de seu nível social. A mãe de seu marido havia morrido há muito tempo, portanto, Mariquinha não teve tempo para conhecer sua sogra, mas sentia-se feliz com o casamento.

Tudo transparecia dentro da normalidade para Mariquinha e seu querido esposo Geraldo, um moço honesto e muito trabalhador. De fato, tudo estava bem até o dia em que Mariquinha começou a ter estranhas visões. Ela passou a ver uma mulher aparentando grande sofrimento e dor. O pior de tudo isso, é que a mulher apresentava-se como sua falecida sogra. Mariquinha não a conhecera, contudo, pela descrição feita pela esposa, Geraldo, o esposo de Mariquinha passou a confirmar que a mulher das visões era mesmo sua mãe.

A cidade era muito pequena, de modo que todo acontecimento local tornava-se público e notório. Era um fato comum, nós, as crianças e os adultos corrermos para vermos Mariquinha chorando e dizendo que estava vendo a tal mulher. Vocês podem até imaginar que era de medo que Mariquinha chorava, mas não era esse o motivo de suas lágrimas, ela dizia que chorava pela compaixão que sentia pela pobre mulher. Dizia que o fantasma da mulher estava com as pernas amputadas até o joelho e sangrando muito, enquanto subia com sacrifício nas pedras da igreja, pois a pequena igreja da cidade ficava localizada sobre uns pedregulhos imensos.

A cena repetiu-se muitas e muitas vezes. Mariquinha sempre falava que a mulher lhe pedia reza. Depois de levá-la em alguns psiquiatras, rezadores e curadores, os pais de Mariquinha resolveram atender aos pedidos da filha, procuram um padre e pediram para rezar uma missa pela alma da tal mulher das visões. E assim aconteceu.

Segundo o relato de Mariquinha, depois da missa, a mulher recuperou as penas e saiu voando, rompendo o telhado da igreja. Depois de tudo, nunca mais Mariquinha teve visões com essa mulher.

Algumas pessoas chegaram a não acreditar no que houve. Uns acharam que era loucura, outros acreditaram que era uma farsa.

Muita coisa aconteceu na minha vida, desse período em diante, especialmente, a vinda de nossa família para a Bahia.

Dezesseis anos depois, minha mãe e meu irmão foram visitar a família no Rio Grande do Norte, na pequenina cidade de Tenente Ananias e lá, encontraram Mariquinha. Para surpresa deles, ela estava numa cadeira de rodas com as duas pernas amputadas. Dizem que misteriosamente, uma noite ela acordou com uma dor nas pernas e desta dor estendeu-se um ciclo de problemas relacionados com a circulação sanguínea, o qual lhe levou à amputação das duas pernas, de modo semelhante à sua sogra, a mulher que ela conhecera nas visões.

Sinceramente, depois de tudo que aprendi sobre a vida e a morte, a minha conclusão em relação a esse fato é que Mariquinha não recebera a visita de sua sogra, mãe de seu querido esposo, mas do próprio governante das trevas. E ela? Ela simplesmente fez o que ele quis.

Tempos depois, Mariquinha morreu, porém, não morreu exausta, nem impressionada, nem triste, nem esquecida por Deus.

Jayasmim
Enviado por Jayasmim em 17/03/2012
Reeditado em 17/03/2012
Código do texto: T3558963