O Viajante - Parte I

"A insanidade é a auto-punição de um homem"

Parte Um

Kurt avistou o primeiro carro desde o último o qual havia pêgo carona. Deu alguns passos a frente em direção à rodovia - achou que estava pouco visível por causa da densa neblina que havia encoberto o lugar nas últimas horas - arrastando sua bagagem, apagou o cigarro - talvez o décimo que fumou durante sua espera - e com a mesma mão, elevou seu curvo polegar à vista do automóvel. O motorista diminuiu a velocidade ao avistar - com dificuldade - a figura de um homem parado no acostamento segurando uma enorme mala de viagem, o braço desocupado estendido em pedido de carona.

Quando a caminhonete parou, o motorista baixou o vidro e indagou o viajante:

- Indo para onde, filho?

- Grand Island.

- Pode subir - disse o homem, destravando a porta do carro. - Estou indo para Vermount, Grand Island fica no caminho.

- Ah... - começou Kurt, erguendo a mala, um pouco sem jeito.

- Pode colocá-la aí atrás - disse o homem, indicando com a cabeça o espaço entre o banco e o fundo da cabine.

- Obrigado - agradeceu Kurt, virando-se para colocar a mala no local indicado. Havia uma pequena maleta sob o banco do motorista, algumas cordas, e o que mais chamou sua atenção: um rifle de caça.

- Sou caçador, sabe - disse o homem, vendo a expressão no rosto de Kurt ao deparar-se com a arma - Eu teria lhe pedido para colocar a mala lá atrás, onde tem mais espaço, - continuou, olhando para a janela traseira - mas é que estou com dois cervos abatidos...

- Não, tudo bem - disse Kurt, cordialmente - Ela cabe aqui perfeitamente.

Minutos após, com o carro em movimento, Kurt pôde estudar seu novo companheiro de estrada. Era um homem de meia-idade, porte físico médio e - pela mente dedutiva de Kurt - um ser muito caridoso, ou burro demais. Não pelo fato de ter lhe dado carona, mas sim pelas circunstâncias em que se encontrava aquela rodovia. Poucos carros pegavam aquele trecho, e a tal neblina - habitual naquela época do ano - não era algo muito reconfortante para os motoristas, que viravam alvo fácil de qualquer tipo de marginalidade.

- Qual seu nome, filho? - perguntou o homem, sem tirar os olhos da estrada.

- Cartman - respondeu Kurt, confuso com o som do próprio nome.

- O meu é Paul. Mas que diabos estava fazendo naquele trecho da estrada, filho?

- Bem, eu venho de Balton, mas minha última carona só pôde me levar até o Km 113.

- Entendo, ele teve de pegar a saída para South Valley?

- É, foi isso mesmo - Kurt hesitou um momento, com o rosto virado para a janela, tempo o qual deu uma breve olhada em suas memórias recentes. Houve um pequeno sorriso que ele não pôde conter, causado por algo que lembrou ou por algo que viu pela janela do carro, então continuou - Fiquei esperando por algumas horas, então vi seu carro se aproximar.

- Está de viagem?

- Ah, não. Tive alguns problemas profissionais em Balton então... - O carro deu um pequeno solavanco, talvez causado por algum buraco na estrada. Subitamente, o porta-luvas se abriu, deixando cair alguns documentos e pertences.

- Oh, me desculpe - disse Paul, tirando os olhos da estrada e olhando para o ocorrido - Ele tem esse problema às vezes, o porta-luvas. Pode pegar para mim, por favor?

Kurt abaixou-se com um pouco de dificuldade por causa do cinto, mas logo começou a recolher os papéis e colocá-los de volta no porta-luvas. Terminando o trabalho, reparou no último maço de papel restante: eram recortes de jornais, com datas da semana passada, até os dias atuais. Kurt passou os olhos rapidamente em uma das reportagens, destacando alguns trechos:

"Morte misteriosa em rodovia... membros de um dos corpos desaparecidos... a polícia desconfia de assassinato..."

Foi então que um forte impulso fez Kurt bater a cabeça no porta-luvas, quebrando-o de vez.

- Mas que merd... - começou, tentando erguer a cabeça.

Pelo o que pôde entender, Paul havia freado o carro bruscamente, e agora o observava tentar erguer a cabeça, relutante, enquanto o sangue escorria dentre seus cabelos, encharcando seu rosto.

- O que você...?

- Me desculpe, Cartman - interrompeu-o Paul, enfiando-lhe dois dardos vermelhos em seu pescoço, daqueles os quais serviam para tranqüilizar animais - Em breve, você será perdoado.

- Desgraçado! O que você... - esperneou Kurt, mas sua boca começou a ficar pastosa, suas pálpebras começaram a pesar e a escuridão foi lhe tomando conta dos olhos. Segundos depois, ele estava desmaiado ao lado de Paul, que voltou a engatar a primeira marcha e seguir caminho em direção ao restante da estrada.

***