BRINCADEIRA COM ESPIRITOS

São Paulo, 15 de abril de 1974

Mexer com espíritos não é certo, não brincaria ou tiraria sarro, se soubesse bem.

Ano de formatura, férias na praia, talvez, o negócio era só curtição, a faculdade estava fora de questão.

Um violão, uma fogueira, e conversa fora até altas horas da madrugada. Relembrando os tempos de outrora, os micos de alguns, as mulheres. O laranja da fogueira iluminava pensamentos, dava ideias, instigava.

Olhava para Silvia, a preferência do colégio, nunca me deu muita bola, alias nenhuma, mais eu adorava olhar seus olhos de jabuticaba.

-Vamos fazer a brincadeira do copo, ou vocês tem medo? Disse Silvia com tom de autoridade.

-Vamos!!!! medo eu não tenho nenhum. Disse rapidamente.

Não poderia deixar Silvia sozinha nessa investida, eu era homem, queria impressioná-la. Todos enfim toparam, mesmo ninguém dando muita bola para o assunto.

Letras do alfabeto escritas em uma enorme cartolina, um copo virgem, uma pequena mesa, era tudo que precisávamos. Foi difícil manter a ordem no começo, as risadas, o olhar de jabuticaba de Silvia, não demonstrava nenhuma alegria, com as piadinhas com os espíritos. Enfim começou.

O copo movendo-se sozinho foi difícil acreditar, as letras que seguia, as palavras que compunham. Rogério, o mais embananado do grupo recebeu a primeira mensagem. ´´NÃO SAIA´´.

-Isso é coisa de otário. Disse, virando-se e saindo pela porta.

´´SÓ SAI DESSE JOGO QUANDO EU ACABAR´´ estranhamente disse o copo.

Não havia ainda percebido, mais estava já a algum tempo apertando a mão de Silvia e suando muito. Nossos colegas na mesa, estavam calados, inquietos, conseguia sentir cheiro de urina, era surreal presenciar aquilo. O Flávio não aguentou, saiu correndo. Ficamos ali imóveis, obedecendo as vontades do copo.

´´QUERO SANGUE´´ ordena aquele copo infernal. Rapidamente Silva pega um pedaço de vidro, e corta seus braços deixando pingar sangue na cartolina. ´´DE TODOS´´. Fizemos o mesmo, encharcando a mesa de sangue. ´´ESTÃO LIBERADOS POR HOJE, VOLTEM AMANHô´ ordenou. Saímos sem olhar um na cara do outro, parecíamos estranhos. Assim cada um seguiu para sua própria casa.

Naquele resto de noite não dormi.

Pela manhã recebo um telefonema de Silvia.

-Vamos nos encontrar daqui a 1 hora na frente da escola, já falei com todos também. Disse, desligando o telefone. Não, não iria fazer aquilo de novo, não mesmo, martelei esse pensamento o caminho inteiro.

-O Rogério e o Flávio morreram. Estranhamente sujos de sangue sem nenhum ferimento, ambos com um copo na mão. Disse de cabeça baixa.

Todos num som único, vamos acabar com essa loucura, não iremos mais, todos dissemos.

-Não podemos, temos que desfazer tudo isso, ou seremos os próximos. Hoje a noite no mesmo lugar, pediremos para sair.

Todos de cabeça baixa ao redor da mesa.

-Desculpe importunar você, queremos parar com isso, deixe-nos livres por favor. Disse Silvia.

´´SEUS IDIOTAS, O QUE ACHAM? SERÃO MEUS, FARÃO O QUE EU QUISER´´, assim seguiu o copo sobre as letras.

A última a morrer foi Silvia, disse a mãe que foi um ataque cardíaco, os outro já morreram a algum tempo. 3 anos se passaram desde o acontecido, acho que minha vez está chegando, derrubei um copo esses dias na cozinha, seus estilhaços passaram perto de meus olhos.

Aprendi a rezar, tenho uma religião, os olhares dos padres me deixa incomodado, sempre frios, sempre diretos. Na minha confissão, o padre me disse, que tudo está com Deus agora, mais sua presença meu filho é muito ruim, não sei como ajudá-lo.

Espero assim, não sei o que acontecerá. Só sei que odeio copos sempre me perseguem.

Eduardo monteiro
Enviado por Eduardo monteiro em 03/04/2012
Código do texto: T3593135
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