Fazia muito frio naquela madrugada, era um dia qualquer do mes de dezembro de 1989. Lembro-me do toque daquele telefonema, a exata hora que marcava ás 3:45 da manhã. Meu nome é Alfredo, sou encarregado do setor de administração de uma grande empresa. Era dezembro, precisa fechar vários relatórios, para conseguir passar natal com a minha família, o que me fez durante vários dias trabalhar, também de madrugada, para arrumar a papelada.
Trabalhava no 15° andar de um prédio de 23 andares, aquela madrugada fria, era bem mais fria nessa altura, um ou dois carros passavam lá embaixo, a cidade morta, inerte, entregue ao sepulcro noturno. A lua estava em algum lugar do ceu, não dava para ver, mais estava lá, alguém olhava lá de baixo, diretamente em meus olhos, mesmo de longe, tive medo do olhar. Comprei um café da máquina, acendi um cigarro, fui olhar mais uma vez da janela, já não estava mais lá, e nenhum carro mais se avistava. Um medo de repente, o telefone toca.
Um som diferente do normal.

-Desça, divida seu café comigo. tuuuuuuuuuuuuu.

Um frio invade minha espinha, pensei em trote, não é possível. O sinal do elevador do meu andar, toca. Corri, tranquei a porta, fiquei encolhido na poltrona, deixam um bilhete debaixo da porta, novamente o sinal do elevador toca, sinal de descida. Pego o bilhete com certo receio. Está escrito:

´Encontre-me lá embaixo, vamos tomar um café, preciso de um favor seu´

Demorei 10 minutos até conseguir olhar novamente pela janela, mais estava lá, olhando fixamente para mim, chovia agora, parecia não se molhar. Parece loucura, resolvi descer, não de elevador mais de escadas. Exatamente 498 degraus, contei todos fez-me ocupar a mente, meu relógio marcava 3:45 da manhã, ali olhando para mim, não havia olhos.

-Um café? Perguntou-me colocando moedas na máquina.

Não pude responder. Estendeu-me um copo de café, dois buracos negros marcavam o lugar de dois olhos, tirou do bolso uma folha de papel e disse que, gostaria que eu lesse para ele, era muito importante, dizia assim:

´Amor desculpe, estamos bem, saímos sem avisar. Saiba que te amo tanto, sei que irei morrer breve, minhas mãos não suportam o pesar dessa escrita, existiu o amor verdadeiro entre um homem e uma mulher, você tem uma filha, eu a criei sozinha, mais você agora poderá vê-la, quando quiser, ela é sua cara. É a Rita, aquela que eu disse que era minha prima. Beijos, te amo. Clarisse´´

Demorei para olhar para ele, saiam lágrimas, dentro das esferas negras, quis abraçá-lo, não pude. Ele levantou, deu-me as costas, agradeceu-me. Saiu, andando pela rua, sem encostar em nada, parecia enxergar, parecia rir.
Eduardo monteiro
Enviado por Eduardo monteiro em 27/04/2012
Reeditado em 27/04/2012
Código do texto: T3635498
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.