A Pirâmide Negra

"Havia a pirâmide. Negra e reluzente. Não era alta e nem majestosa como as do Egito. Ficava no fundo do quintal da casa próximo ao muro alto de pedra. Era para ser um segredo. Construída para a mulher que se chamava Rita. Pelo que me contaram foi construída em três noites por “ele”. Um santuário onde ele e a mulher poderiam passar um tempo juntos longe da população já comumente conhecida de..."

INSANIDADE

A pirâmide

Na parte oeste da cidade, em um bairro meio esquecido aos arredores da fábrica de brinquedos. A mesma que ficara famosa por construir em série limitada a boneca – para todos os fins – chamada Lucy, vivia um homem e sua mulher. Fazia pouco tempo que tinham se mudado. E pelo que sei quem se muda para Insanidade jamais a abandona.

O homem se chamava Demis e a mulher Rita. Viviam isolados do resto da comunidade, exceto nos finais de semana aonde iam se sentar na praça para observar as crianças brincando.

Demis trabalhava na pirâmide sempre durante a madrugada. Os contadores de histórias ainda alegam que alienígenas o tenham ajudado. Vinham durante a madrugada e trabalhavam com ele. Entretanto, pelo o que ocorreu ao final desta história, creio que os alienígenas – se é que existem mesmo – eram criaturas bem maléficas e doentias.

Demis levantou exatamente às nove horas da noite. Rita ainda dormia profundamente ao seu lado por isso saiu nas pontas dos pés para o quintal da casa.

O quintal era absurdamente grande. Mil metros quadrados para ser exato. A casa, no entanto, era muito menor e ficava exatamente no meio da propriedade. Era uma casa linda, aconchegante e convidativa. As paredes eram pintadas de vermelho vivo, as janelas brancas e o telhado incrivelmente limpo e reluzente. Sob as janelas, Rita havia plantado todo tipo de flores: Orquídeas, tulipas, margaridas, girassóis e uma infinidade de outras que só cresciam naquela cidade. No entanto, as preferidas de Rita eram as rosas. Em volta da casa em moitas bem cuidadas cresciam rosas vermelhas, azuis, brancas e a conhecida rosa negra de Insanidade. Uma trepadeira crescera e subira pelas paredes até o telhado. Demis tentara cortá-la, mas misteriosamente toda vez que tentava dá um golpe com o machado esse se desfazia em suas mãos em uma chuva de pó. Não obstante, deixemos de lado as rosas da casa de Demis e nos concentremos na pirâmide escura atrás da casa.

A pirâmide em si ultrapassava o muro que tinha 10 metros de altura. Um muro de pedras sólidas e escuras. Vista de fora, a casa de Demis parecia uma fortaleza. Não sendo, entretanto, a coisa mais estranha daquela cidade.

Demis chegou à entrada da pirâmide. Um buraco retangular no chão com uma escada de ferro que descia para as profundezas do solo até onde a vista alcançava. Era preciso uma lanterna para descer. A descida era longa, levava aproximadamente 5 minutos. Quando Demis chegou ao fundo, procurou e acionou o interruptor das luzes. Imediatamente a câmara foi inundada pelas luzes ali instaladas. Era uma câmara estreita com apenas um túnel que seguia mais a frente.

Demis seguiu por esse túnel até chegar a uma outra câmara. Nesta, havia mais uma sala à frente e um alçapão no chão. Entrou na sala e olhou em volta. Estava exatamente como deixara. Mobiliada para parecer o quarto de uma rainha. Uma cama grande de cobertura, uma penteadeira com um espelho redondo artisticamente trabalhado e um colossal guarda roupa que tomava toda a extensão de uma das paredes. No teto, um lustre de vidro tão brilhante como diamante.

Demis se jogou na cama de costas e fechou os olhos. Estava tudo acontecendo como o planejado. Jamais se sentira tão feliz na sua vida.

O alçapão levava a um calabouço. Este era o verdadeiro objetivo da pirâmide. O calabouço era úmido e frio, teto baixo com paredes arredondadas. Nestas, havia correntes terminadas em grilhões. O ar era opressivamente rarefeito. Quem permanecesse ali por muito tempo logo sentiria sua cabeça latejar de dor. Para ser bem claro, se tratava realmente de uma prisão. Fora construída para mulheres. As mulheres que Demis sequestraria, levaria para lá, iria se divertir e depois matá-las para usar o seu sangue em um banho de juventude para Rita. Há quanto tempo faziam isso, ninguém sabia.

O fato é que, alguns meses depois que escavaram os escombros, descobriram enterrado um artefato peculiarmente exótico. Com toda certeza não era um objeto construído por humanos. Suposição que deu mais credibilidade de que foram mesmo alienígenas que ao se apoderarem do corpo de Demis construíram essa pirâmide.

No domingo, Demis fora acordado pela confusão. Uma balbúrdia, gritaria de crianças inconfundível. Ao chegar ao jardim ofegante com o machado na mão – o que sobrevivera aos ataques na trepadeira – deu de cara com dezenas de crianças saindo e entrando na pirâmide. Sua primeira reação foi olhar das crianças para o muro e de volta para as crianças. Como aqueles moleques de canelas finas tinham saltado o muro?

– Ei! – gritou – Vocês! O que estão fazendo no meu jardim?!

As crianças pareciam ignorar completamente a presença de Demis o que só serviu para aumentar sua frustração. Sua frustração vinha do fato de ter certeza que seria incapaz de conter aquela turba de moleques.

Demis suspirou largando o machado na grama e caminhou lentamente para a pirâmide. Um dos pivetes se chocou com ele e Demis não perdeu tempo em agarrá-lo.

– Ei! – reclamou o menino – Me solta! O que tá fazendo?

– Impedindo você que quebre uma perna ou um braço. Fato que tenho que confessar que me alegraria muito. Quer fazer o favor de dar o fora da minha casa e levar seus amigos com você?

– Você precisa ver isso, cara – disse o garoto, como se Demis estivesse passando por ali e não fosse o dono da casa.

– Ver o quê?

– Tem uma coisa... Ali dentro escrota pra caralho.

Demis franziu o cenho e largou o braço do garoto. Empurrou-o para o lado e desceu as escadas. O que foi muito difícil, pois quem estava embaixo queria subir.

A primeira coisa que notou foi que os malandros tinham pichado todas as paredes. Esfregou a mão no rosto e respirou profundamente temendo o que fosse encontrar no final do túnel. O que mais eles teriam aprontado?

Ao chegar à câmara que dava para o quarto com o alçapão no chão, viu o que provocara toda aquela confusão.

– Com licença, com licença, com licença – pedia, empurrando pelos cotovelos os meninos e meninas que faziam círculo em volta de alguma coisa.

Demis viu.

Piscou os olhos, esfregou e tornou a olhar.

– Que coisa, nojenta, é essa?!

No chão, havia indubitavelmente um ser orgânico, pois tinha a consistência de uma lesma e pulsava como uma enorme... uma enorme... coisa nojenta. Era cinza reluzente, meio que transparente mostrando os órgãos (Ou o que diabos fossem). Não tinha a forma distinguível de nenhum animal. Era larga e comprida como um saco de banha. Não se via olhos, nem boca e nem pés. Demis, no entanto não estava interessado como aquela coisa tinha chegado ali. Não desejava mais nada naquele momento que não fosse aquela molecada fora dali junto com aquela coisa.

Demis abriu a boca e tornou a fechá-la.

Aproximou-se e tocou com o bico da bota na coisa.

Houve um “Oh” de espanto e as crianças saltaram para trás quando a coisa se esticou para cima e depois voltou com um ploft.

Então alguém começou a gritar. Um grito absurdamente agudo de menina. Cabeças se voltaram para a porta do alçapão aberta. Um segundo depois todos começaram a correr em direção a saída exceto por Demis que permanecera parado olhando para a coisa no chão e de volta para o calabouço como se não soubesse o que fazer. Decidiu por fim a correr para o calabouço. Desceu as escadas e parou.

Estava escuro, mas não o bastaste para ele ver formas se movendo. O grito da garota cessara. Demis assistira a muitos filmes de terror para saber que aquilo não era bom sinal. Por sorte, havia levado a iluminação para ali também, mas por Deus, temia em acender as luzes. Levou a mão trêmula até o interruptor e parou. Engoliu em seco quando algo grunhiu por ali. “Grunhir” era a palavra mais próxima que ele conseguiu encontrar para definir aquele som. Naquele instante o chão tremeu, as paredes tremeram e houve um estrondo na parte de cima. Com isso Demis acendera acidentalmente as luzes. A luz tocou nas coisas que haviam ali e foram refletidas para as retinas de Demis, gravando em sua memória aquela cena grotesca.

Abriu a boca e soltou o ar quando seu coração deu uma parada para depois voltar a bater. Ele era um Serial Killer, matara dezenas de mulheres, porém o que via era absolutamente fora dos padrões de brutalidade que conhecia. Para sua sorte, antes que pudesse compreender totalmente o que via, houve outro estrondo e desta vez as luzes se apagaram emergindo toda a pirâmide em absoluta escuridão.

Na câmara sobre o calabouço iniciou-se o apocalipse. Era inquestionável que a pirâmide estava desmoronando. A saída fora parcialmente bloqueada. Ao redor da pirâmide e em volta da casa de Demis dezenas de pais se aglomeraram a procura dos seus filhos. Carros de bombeiros e viaturas da polícia já estavam ali. Havia choro, preces e ataques de pânico.

Demis permaneceu em absoluto silêncio. Tapara a boca com a mão evitando até de respirar. Aquelas coisas estavam se movendo. Podia ouvi-las se soltando dos filamentos que as mantinhas suspensas e caindo no solo com um baque úmido. Tinha que voltar a superfície. Ao sentir as costas baterem na escada de ferro abandonou completamente a cautela e desembrenhou uma escalada furiosa pela sobrevivência. Quando chegou à câmara, sentiu suas botas chapinharem em um líquido. Não precisava enxergar para saber o que era, pois o cheiro de sangue impregnava todo o lugar.

Gritos de desesperos das crianças que não conseguiram escapar ecoavam pelas paredes. Duas delas se agarraram a Demis como filhos perdidos.

– Não deixe a gente, por favor, por favor – choramingava uma garotinha.

– Sheee...! – Demis pediu silêncio e segurou com força a mão das crianças. Contudo, uma delas se recusava a mexer. Quando Demis puxou o bracinho com mais força o sentiu se soltar na sua mão. A imagem do que vira no calabouço voltou à sua mente. As bolsas suspensas no teto por filamentos. Dentro deles, o que sobrara de uma menina. O corpo ficara descarnado, as tripas escorriam no interior do líquido amarelo esverdeado.

Demis virou para o lado e vomitou.

– Suba nas minhas costas, querida. Não vou deixá-la cair.

Demis corria o mais rápido que podia. Conhecia o túnel como a palma da mão e não era difícil seguir por ele tateando a parede. Lá na frente, podia ver um fraco círculo de luz que descia do teto. O que restara da saída.

– Estou com medo, muito medo!

– Já vamos chegar, meu bem – disse Demis, ofegante.

Assim que chegarem ao círculo de luz, Demis colocou a garota no chão. Por causa do desmoronamento, terra havia soterrado a escada.

– Vocês são os últimos?! São quantos? – Gritou uma voz do lado de fora.

Demis não queria gritar ali dentro, mas foi obrigado a responder que só restavam os dois. Uma corda foi jogada. Demis puxou a garotinha pela mão.

– Vai na frente, querida. Você não vai cair – disse ele, fazendo um nó para que a garota pudesse apoiar um pé e ser içada.

A garota olhou para Demis por entre as mechas de cabelos e balançou a cabeça negativamente.

– Demis! Demis! – Berrava uma voz pelo lado de fora que Demis reconheceu imediatamente como sendo a de Rita. Para afirmar o fato um rosto surgiu na abertura. – O que porra tá esperando? Saí logo daí!

Demis afastou as mechas sujas de terra do rosto da garotinha e disse algo em seu ouvido. Ela arregalou os olhos e no momento seguinte agarrou nas costas de Demis.

– Podem puxar! – gritou Demis – E nem pensem em deixar a gente cair ou vão todos para o inferno.

Dezenas de homens puxavam do lado de fora içando Demis e a garota. Demis podia ver o sorriso radiante de Rita brotando de seus lábios quando ele estava próximo da entrada. E então ele sentiu aquela dor lancinante no pescoço. Sentiu o sangue escorrer por suas costas e empapar sua camisa. Viu o rosto de Rita se contrair em horror e tristeza. Demis olhou sobre o ombro para o rosto da garota. Os olhos haviam saltado das órbitas e pendiam em fios verdes amarelados oscilando quase tocando no rosto dele. A garota tinha dentes compridos e afiados cravados ao seu pescoço. Demis sentiu a força esvaí-se dos seus braços e então ele largou a corda mergulhando na escuridão. Enquanto caía viu Rita ser tirada em pânico da entrada da pirâmide, viu um homem acendendo uma banana de dinamite e jogando-a no buraco.

Demis se chocou com o chão no mesmo instante que a dinamite explodiu. A pirâmide literalmente afundou no solo soterrando tudo que ali havia. Como fora mencionado no início, apenas um artefato foi encontrado na escavação. Este se encontra sob uma cúpula no museu da cidade de Insanidade.

Sr Terror
Enviado por Sr Terror em 14/05/2012
Código do texto: T3667878
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