Uma cidade chamada Sarajevo

"Durante a Guerra da Bósnia, em meio aos escombros da destruição, uma cena não me sai da cabeça"

Alija Radmanović

Alija era um jovem bosníaco. Em 1994 o então estudante de medicina teve que trancar seus estudos devido à guerrilha da Bósnia.

Em uma manhã fria de domingo, o rapaz caminhava por uma das ruas devastadas pela guerra. Os sinais da tristeza causada pelos constantes conflitos políticos, cujos objetivos pareciam ser tão vãos quanto às mentes de seus mentores eram notados em cada caco de entulho encontrado por entre ruínas de prédios e casas.

Nas mãos, o jovem Alija carregava o que seria partes de um acervo sobre anatomia humana, parcialmente queimado e sem capa. Cada assunto envolto naquele livro para salvar vidas trazia em si o sonho desmerecido do rapaz que queria se tornar um grande doutor.

Repentinamente, um soldado aparece em sua frente com armas em punho. De pronto, o garoto de pele clara e lisos cabelos castanhos levanta os braços, deixando todo o seu material de estudo cair por sobre a poeira avermelhada.

Após revista, o soldado ordena que parta imediatamente, pois tais alamedas eram lugares perigosos. De pés apressados, o rapaz parte. Alguns metros mais adiante, entre dois prédios e sobre uma caixa de madeira, uma garotinha, com um vestido preto de veludo está sentada, chorando copiosamente.

Em meio à ordenança do oficial fardado e aquela cena, o rapaz interrompe sua caminhada e segue no sentido da pequenina:

-Oi mocinha. O que está fazendo aí sozinha? Aqui é muito perigoso para você.

A pequena garota parece não ouvir suas palavras. Insistentemente, Alija tenta sua atenção, tocando-lhe um dos ombros:

-Ei, menina, está me ouvindo? Tem soldados aqui, precisa sair. Vamos, eu te levo para casa.

Sem transcorrer palavras, a pequena garota se levanta e caminha segurando o rapaz pelas mãos:

-Me chamo Ana. Por favor, me ajude. Preciso encontrar meus pais.

A pequenina, de origem judia parecia não ter mais que cinco anos de idade.

Os dois caminharam por mais de uma hora e a garotinha tentava, ao seu modo indicar onde ficava a casa de seus pais. Por vezes, os dois ouviam barulhos de estrondos, cada vez mais próximos, e Alija tentava correr com a menina em busca de um lugar mais seguro.

Com o cair da tarde, a casa ainda não fora encontrada. Tocado pela aparência indefesa da menina, Alija a levou para a casa de seus pais. A pequena era extremamente tímida e parecia ter alguma deficiência para falar, pois as palavras saíam distorcidas de seus lábios.

Na manhã seguinte, os dois seguiram novamente, em busca dos pais de Ana. Finalmente, após horas caminhando, a garota avistou uma imensa árvore e bradou ser ali próximo a casa de seus pais.

Chegando no local, Alija não avistou grandes construções. Apenas algumas árvores, em algo que parecia um parque. Ana, tomada de euforia, puxou Alija pelo braço, conduzindo-o àquele local, visualmente estranho.

Por um momento, Ana pede silêncio e diminui a frequencia de seus passos. Quase sussurando, Alija pergunta:

-Ana, que lugar é esse?

-É um cemitério judaico. Precisa fazer silêncio, responde Ana.

Alija se assusta e pede a garotinha para que saiam daquele lugar assombroso. Contrariamente, Ana respode:

-Não, agora que encontrei não vou embora. Você disse que ia me ajudar a achar meus pais e minha casa. Agora vai ficar comigo aqui.

Alija tenta se desvencilhar de Ana, mas ela o segura com uma força incomum, a ponto de deslocar seu pulso. Quando volta seu olhar ao rosto da pequenina, surge-lhe uma imagem estranha , uma mulher muito velha a com os olhos sangrando.

Com muito esforço, Alija se solta e corre em direção ao portão. Espere, qual portão? Durante alguns minutos o rapaz corre mas não consegue sair daquele emaranhado de pequenas lápides de pedra presas ao chão. De repente se escorrega e cai, batendo com a cabeça em uma pedra, desmaiando.

Algum tempo depois o rapaz acorda, mas estranhamente está na mesma rua, cheia de entulhos e com alguns livros de anatomia em suas mãos. De pé, um soldado o observa, e após abrirem seus olhos, pegunta:

-Rapaz, está tudo bem com você?

-Acho que sim, só minha cabeça está doendo e...

Ao tocar sua cabeça, uma quantidade significativa de sangue suja suas mãos. O soldado pede para que ele saia daquele lugar. Após caminhar com dificuldade alguns metros, avista à sua direita, uma garotinha, sentada entre dois prédios, numa caixa de madeira.

Assustado, o rapaz corre desesperadamente de perto dela, em busca de ajuda, gritando por socorro.

Na página seguinte, o manuscrito está rasgado, e não pudemos compreender o restante da história.

Paulo Farias
Enviado por Paulo Farias em 01/06/2012
Código do texto: T3699137
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