A LENDA DO CEMITÉRIO

Pedro caminhava pelas ruas do Cemitério da Cruz com sua lanterna em mãos. Já eram 04 da manhã. As seis terminaria sua ronda e iria para casa descansar.

Já fazia 20 anos que Pedro trabalhava ali como segurança. Sem condições de arrumar um trabalho melhor, aquela tinha sido sua primeira opção como parte de um plano de subir na vida e se dar bem. Mas com o tempo ele foi se acomodando e ficou por lá.

No final daquele ano iria se aposentar, mas planejava trabalhar no cemitério ainda. Uma forma de ganhar mais dinheiro.

Em seu tempo de serviço foram acumuladas muitas histórias para contar. Desde góticos malucos fumando maconha a macumbeiros violando túmulos. Ele já havia visto de tudo. Mas naquela madrugada, ele veria algo que seus olhos de segurança não estavam acostumados a ver.

Passando pelo terceiro dos 04 andares de ossários, ele correu até o parapeito e se esforçou para ver melhor. Havia um túmulo aberto na quadra D. Um belo caixão brilhava em seu interior.

-Malditos ladrões – disse.

Pedro tirou seu porrete da cintura e correu em direção a quadra. Apesar de o último roubo ter mais de 05 anos, era comum ver pessoas violando túmulos em busca de joias de mortos, e até mesmo suas roupas.

Quando chegou ao jazigo, a tampa do caixão estava aberta e ele se deparou com uma bela jovem.

Ela usava um vestido cinza claro e tinha um anel de rubi em sua mão direita.

-Descanse minha jovem. Ninguém irá roubar você.

Pedro fechou a tampa do caixão e com trabalho empurrou a pesada pedra de seu túmulo de volta ao lugar. Circulou o cemitério várias vezes em busca de ladrões, mas não encontrou ninguém. Certamente se havia alguém, já deveria ter pulado o muro e ido embora.

No dia seguinte, sua ronda foi sem maiores novidades. Foi quando passava pelo corredor dos ossários que ele viu novamente o túmulo da jovem moça aberto. De lá de cima, ele percebeu a tampa do caixão destampada e desceu em disparada.

-Ladrão filho da puta. Agora você não me escapa.

Quando Pedro chegou até o pé da cova, viu estarrecido a mulher sentada observando o lindo anel em suas mãos. Incrédulo, ele se aproximou com cuidado até que esta levantou sua cabeça e sorriu.

Seus olhos eram completamente cinzas, mas transpareciam um sentimento que vivo nenhum seria capaz de expressar.

-Pedro... Meu amor, você está perto de mim agora... Sinto falta do seu abraço... Do seu calor...está tão frio aqui...

Pedro completamente descontrolado saiu correndo pelo cemitério gritando por socorro. Ele tropeçou em sua fuga e caiu em cima de uma cova que não resistiu a seu peso e cedeu. Dentro dela, tudo era escuro e ele sentiu mãos o tragarem para baixo da terra enquanto sentia sua alma arder.

-Pedro... Ficaremos juntos.

Foi ai que tudo escureceu.

Jair caminhava trêmulo pelo cemitério com a lanterna em mãos. Novato no emprego, aos poucos iria se acostumar, pensava. Mas sempre que passava pelo túmulo de Luana, ele ouvia o arrastar da pedra e a tampa do caixão se abrir. Quando olhava para trás tudo estava normal.

Engolia em seco e seguia para o ossário. Lá de cima podia ter a real impressão daquele mesmo túmulo aberto. Mas nunca voltava para investigar.

Supersticioso, ele acreditava na lenda que o antigo segurança de lá havia assassinado sua mulher e circulava a noite pelo cemitério buscando arrependido sua esposa falecida. Em seu último dia de serviço, enquanto a polícia buscava pelo assassino, ele violou o túmulo da mulher e tentou roubar seu anel, como forma de financiar sua fuga.

Dizem até hoje que a morta se levantou com olhos cinzas e o perseguiu. Depois desse dia, Pedro nunca mais foi visto. Havia apenas a lenda de que ele vivia entre os mortos do cemitério.

Jair passava apreensivo por entre as cruzes e os santos no alto dos túmulos que pareciam observá-lo. Pedia a Deus por proteção, e assim que raiou o dia, bateu cartão e foi embora, pensando e procurando por um emprego melhor. Até que o tempo fez seu papel e o convenceu a ficar ali, em meio a lendas e superstições urbanas. Sendo verdadeiras ou não, Jair sempre acreditaria nelas.

Bonilha
Enviado por Bonilha em 06/07/2012
Reeditado em 12/08/2012
Código do texto: T3763492
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