Um Casebre

“E aquele casebre, na encosta de um espigão todas as noites acendia o candelabro na tentativa de atrair viajantes despercebidos”

Às sete e quinze da noite, Marlene e eu carregamos nosso jipe e partimos para a cidade de Caucaia, noventa e seis quilômetros de distância. Se as condições da estrada estivessem boas, certamente que chegaríamos ainda de madrugada.

Entre Bocaia e Salto nosso carro começou a se aquecer demasiadamente. Os reservatórios de água estavam praticamente secos e tivemos que parar para que o veículo esfriasse. No meio daquele deserto pensei em me aventurar mata adentro em busca de algum riacho por ali. A estiagem já durava seis meses e segundo a meteorologia, as chuvas ainda demorariam a vir.

De repente, Marlene avistou um pequeno casebre, perto de uma encosta. Apesar de encontrar-se quase em estado de destruição e aparente abandono, fomos atraídos por notar a presença de fumaça saindo pela velha chaminé, e uma luzinha que podia ser vista das janelas.

Caminhamos um pouco e nossa certeza do lugar estar habitado aumentava ainda mais devido a um delicioso cheiro de comida. Já passava das dez da noite.

Quando chegamos, porém a porta estava aberta, ou melhor, dizendo, não havia porta de entrada. Má ficou chamando pelo redor da casa, inclusive perto das janelas, mas ninguém nos atendeu. Seguimos para os fundos, em direção à cozinha. Havia fogo no fogão de lenha e uma panela borbulhava:

-Deve ser feijão, amor. Mas não vejo ninguém, disse Marlene.

Resolvemos aguardar mais um tempo, porém ninguém apareceu. Então resolvi entrar na casa, à procura de água. Encontrei um jarro enorme, com uns vinte litros ou mais de água. Enchi meu vasilhame de cinco litros e fomos até o carro. Algo, porém chamou a atenção de minha esposa. Antes de sairmos em direção ao nosso jipe, o fogão de lenha simplesmente se apagou e a panela não estava mais lá. Nenhum sinal de pessoas.

Marlene ficou assustada e me pediu para apressar os passos e sairmos logo de lá.

Enquanto enchia o radiador do carro, Marlene permaneceu sentada no banco de passageiros:

-Viajante, está tudo bem, posso ajuda-lo?

Quando ouvi essa voz atrás de mim acabei derrubando quase metade da água. A figura era de um homem, de baixa estatura, mascando fumo e uma aparência pra lá de estranha:

-O senhor mora naquela casa?

-Sim, moro lá há muitos anos.

-Me perdoe, eu precisei de água, fui até lá, chamei, porém ninguém me atendeu. Entrei em sua casa e peguei um pouco de água, mas o senhor pode me dar o preço que eu pago.

-Você entrou em minha casa sem permissão? Não deveria ter feito isso, mas tudo bem. Não se preocupe, não podemos jamais cobrar água. Ela é de todos.

-Sim senhor, me desculpe ter invadido seu espaço.

-Está certo, mas é melhor vocês partirem logo. Aqui é muito perigoso a essa hora.

Com a água no radiador do jipe, liguei-o e saímos apressados. Marlene me perguntou:

-Amor, que pressa é essa?

-Você não ouviu aquele senhor falando comigo, o que ele me disse?

-Que senhor? Não vi ninguém?

-Como não amor, ele estava ali fora, na frente do carro.

-Eu vi apenas você, colocando água no radiador do carro.

Fiquei ainda mais desesperado, acelerando ainda mais o jipe. Os buracos da estrada faziam o velho automóvel tremer como um cavalo selvagem. Marlene pedia para que eu diminuísse, mas continuei no ritmo, devido ao susto.

Quando olho no retrovisor interno do carro, meu medo se amplificou de forma voraz. O mesmo homem estava sentado, no banco traseiro, me olhando e rindo para mim.

Gritei:

-Marleeeene, olha pra trás, ele está aí no carro.

-Amor, não tem nada aqui atrás, nem ninguém!

Quando viajamos mais alguns quilômetros, ao avistar o primeiro hotel de beira de estrada resolvi parar o jipe para dormirmos. Marlene não entendia quase nada, mas sempre concordava comigo.

Fizemos a ficha e fomos para o nosso quarto. Disse à minha esposa que estava muito assustado, e se continuasse a viagem naquela hora, colocaria em risco as nossas vidas e as dos demais viajantes. Ela como sempre concordou.

Na manhã seguinte acordei, mas não vi Marlene ao meu lado. Chamei por ela umas três vezes até perceber que não estava mais no hotel e sim em minha casa.

Aos poucos a memória foi se retomando e me lembrei:

Marlene, minha amada esposa havia morrido há seis meses. Ela adorava o nosso jipe, o qual permanece envolvido por uma lona, no final da garagem até hoje.

Desde a morte de Marlene, quase todos os dias sonhava com ela, mas dessa vez foi muito forte, muito presente. Será que ela ainda está comigo?

Paulo Farias
Enviado por Paulo Farias em 13/07/2012
Código do texto: T3775146
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.