YORK - Parte 1

Chovia naquela colina próxima a fronteira francesa. Nas trincheiras imundas o que restou do 15 regimento de infantaria do exercito inglês tentava se reagrupar apos um ataque fulminante da artilharia alemã.

Os soldados que ainda estavam em condições de luta estavam exaustos. Alguns, prevendo o pior, escreviam cartas de despedida para as esposas, namoradas, para os pais. Todos ali tinham certeza que seria muito difícil retornar para casa vivos.

As linhas haviam sido rompidas e o exercito alemão com sua artilharia precisa havia feito um ataque de grandes proporções. As comunicações haviam sido cortadas e o General Robert York escrevia uma mensagem desesperada pedindo reforços. Em sua frente um jovem mensageiro escocês aguardava a mensagem com ansiedade. Desejava sair dali o mais rápido possível, mesmo que fosse para arriscar a vida,

tentando levar a mensagem de socorro. A sobrevivência do que restara do regimento dependia da chegada dos reforços. Mas os reforços nunca chegariam.

Apos escrever a mensagem o general pergunta pelo filho ao que é informado pelos seus oficiais que o filho estava escondido nos aposentos dos oficiais. O general Robert York era um herói de guerra. Havia lutado na Africa do Sul e também em vários outros países pela Inglaterra. Era um líder nato e inspirava confiança em todos os seus comandados. Inteligente, forte, exímio estrategista mas acima de

tudo um corajoso militar o que, seu filho Douglas York, nunca foi. Douglas era um covarde e motivo de vergonha para o velho general que vinha de uma família tradicional de militares. Sabendo da covardia

do filho, o General o havia requisitado para seu próprio comando, na tentativa de protegê-lo mas também de ajudá-lo a se tornar um soldado de verdade. Puro engano. Douglas York era um covarde e nada

que ele pudesse fazer em vida mudaria isso.

Robert ficou envergonhado ao receber a noticia de que o filho, capitão York estava escondido no aposento dos oficiais. Mandou chamá-lo ao que os oficiais deram a ordem e apos alguns minutos foi trazido à presença do general que era seu comandante e pai. O general furioso perguntou ao filho se não sentia vergonha em ver tantos ingleses mortos em combate, no cumprimento do dever, enquanto ele se

escondia como uma mulher, fugindo da luta, assustada. O capitão York não respondia, apenas ficava de cabeça baixa em silencio ouvindo o pai. O general continuou lembrando a ele que ele deveria reunir

seus homens e montar guarda no próximo turno e que deveria ficar com os homens até o fim do turno, dando exemplo, encorajando. O general temia que, devido ao pequeno contingente de soldados ingleses em condices de luta, os alemães fizessem um ataque corpo-a-corpo durante a noite e por isso havia determinado que fossem colocados guardas em todos os postos da trincheira. Naquele momento, haviam somente 156 soldados ingleses em condições de luta. Todo o resto do 15 regimento havia sido morto ou estava incapaz para o combate.

O general prosseguiu dizendo ao filho que deveria dar o exemplo para os soldados e que não deveria temer a luta. Ainda estava falando quando ouviu disparos da artilharia alemã. Outro vez o 15o regimento seria massacrado pelas bombas que caiam com precisam cirúrgica, devastando a tudo em volta.

Ouviu-se gritos de soldados, muitos correndo para os abrigos. O general se levantou e fez sinal para saírem para o abrigo quando uma bomba atingiu o seu quartel general devastando o local. Apos alguns

minutos os gritos silenciaram. O 15o regimento inglês havia sido derrotado.

No escuro o capitão York, chorando, chamava pelo pai. Movendo-se por entre os escombros o capitão York se esforçava para encontrar o pai no meio dos mortos e escombros. Viu que todos os outros oficiais e

sargentos que estavam no quartel general haviam sido mortos pela explosão. O teto havia desabado sobre eles e estavam todos presos ali. Havia fumaça por toda a parte. Apos procurar em meio a escuridão o capitão York ouviu o pai responder, com uma voz fraca, ao que se arrastou em direção ao pai. Apesar de toda a destruição, York escapara com poucos arranhões, alem de um ferimento no rosto. Por fim encontrou o pai mas este não tinha tido a mesma sorte. Estilhaços da bomba haviam atingido o estomago do general Robert York e seus órgãos estavam à mostra. As pernas do general haviam sido esmagadas por duas grandes vigas de madeira e um dos braços estava quebrado. O capitão York viu que o pai não sobreviveria e começou a chorar como uma criança. O velho general tentou acalmar o filho, dizendo que estava tudo bem, que estava tudo bem e que ele não devia ficar preocupado. Disse ao filho que os reforços chegariam em breve e que lançariam um contra-ataque às linhas alemãs. O capitão York se acalmou e perguntou ao pai como poderiam sair dali ao que o general respondeu dizendo que não iria a parte alguma pois estava gravemente ferido mas que York encontraria um caminho de volta à superfície.

O general completou dizendo que era preciso muita coragem para sair daquele lugar. O filho então ficou ali velando o pai agonizante em silencio. O velho general, sentindo a proximidade da morte, contou

então ao filho uma historia de seus dias de juventude, quando ainda jovem, foi à Africa inúmeras vezes participar de caçadas com o irmão mais velho. Numa destas caçadas encontraram uma Aldeia, em uma regiao remota, onde alguns guerreiros estavam sendo executados e apos serem mortos tinham seus corações arrancados pelos guerreiros da tribo que faziam isso pois acreditavam que desta forma obtinham coragem e força para a guerra. Eles arrancavam e devoravam o coração de suas vitimas para serem fortes e corajosos. Aquela tribo perdida naquele fim de mundo nunca havia sido conquistada, seus guerreiros tinham força sobrehumanda alem de velocidade e agilidades fora do comum. Era uma tribo muito temida em toda a região. O general contou que ficaram alguns dias entre aqueles selvagens e depois partiram. Em suas várias visitas posteriores à Africa ele nunca mais encontrou o caminho de volta à aldeia daquela tribo.

O capitão York ouviu a historia horrorizado e ficou pensando por que seu pai havia lhe contado tão sombria estória. Então o velho general disse ao filho que era preciso ter coragem na vida, que era preciso ter coragem para viver e que ele deveria buscar isso e viver a vida. Em seguida o velho general se despediu do filho, como um pai amoroso, disse que não deveria ter sido tao severo e rude com ele e que nem deveria tê-lo alistado no exercito pois a sua natureza era diferente e não era a natureza de um soldado. Mas que agora era necessário que ele tivesse coragem e, olhando fixamente para o filho, repetiu que seria necessário ter muita coragem para escapar dali. Por fim o velho general pois a mão na cabeça do filho e morreu ali em meio aos escombros.

Por toda a noite e no dia seguinte, o capitão York pertenceu ali ao lado do pai e dos companheiros mortos. Ouvia apitos e gritos em alemão vindos da superfície. Compreendeu que os alemães haviam avançado e tomado a trincheira. Tomou o resto de água do ultimo cantil que encontrou ali e pensou no que o pai havia dito. Pensou por todo o resto do dia e então, quando a noite chegou, York fez o que nunca havia pensado. Com a baioneta de um companheiro morto, abriu o tórax do companheiro e retirou-lhe o coração. A principio jogou longe o órgão, horrorizado com o que havia feito. Porem apos algumas horas, mudou de ideia e comeu o coração do companheiro morto. Era mais saboroso que o melhor filé filé-mignon que havia comido em toda a sua vida. Sentiu uma energia estranha tomar conta do corpo e, então não sentiu mais medo de outro desmoronamento ou dos soldados alemães. Arrastou-se pelos escombros e então encontrou uma pá com o que começou a cavar sua saída para a superfície. Fazia o trabalho com grande agilidade e força mas em silencio, com o cuidado de não fazer barulho. Abriu um túnel e começou a subir. Levou vários dias, durante os quais se alimentou arrancando o coração dos companheiros mortos, lembrando-se do antigo ritual que o pai havia visto na Africa, entre a tribo esquecida no meio da floresta. Quando mais comia mais se fortalecia e sentia coragem para conquistar o mundo. A cada dia cavava com mais rapidez, força e agilidade e então no terceiro dia se deparou deparou com o maior desafio de sua vida. Nao encontrou

mais nenhum companheiro morto que já não tivesse devorado o coração, apenas o corpo de seu pai permanecia intacto. Então apos muito exitar por fim arrancou o coração do pai e o devorou

lentamente, saboreando como se fosse um manjar dos Deuses, tendo por testemunha apenas o pai morto, que o fitava com os olhos abertos, como se admirando o corajoso soldado em que York havia se tornado.

Apos devorar o coração do pai, York se voltou ao túnel e a sua liberdade. Calculou que estava a poucos metros da superfície e agora usava as mãos para cavar em silencio e não despertar a atenção dos

soldados alemães. Já era noite quando York alcançou a superfície. Abriu lentamente um buraco em um grande monte de terra e escombros. E se arrastou pelo chão até se esconder nos restos de um canhão. O caminho para fora das trincheiras estava livre pois aparentemente os alemães haviam prosseguido a ofensiva em direção à França e haviam deixado poucos guardas ali. Entretanto, ao invés de fugir York se aproximou furtivamente de um soldado de guarda e com uma baioneta atacou o alemão rapidamente e mortalmente, não lhe dando chance de reação. Em seguida, York depositou o corpo do guarda em um local seguro, como se guardando um troféu. Começou a chover com grande intensidade naquele momento. York então ensanguentado com o sangue do alemão morto olhou para os céus e sorriu. Ficou ali parado por um longo tempo, olhando para cima, como se não tivesse mais nada no mundo. Então, subitamente, se

esgueirou pelo que havia sobrado das trincheiras e foi em busca do resto da guarnição de guarda. Naquela noite, silenciosamente, um a um os soldados alemães foram sendo mortos. Por fim, num abrigo improvisado, três soldados alemães tomavam sopa e comiam pão, quando um deles notou uma figura de pé, na soleira na

porta do abrigo, escondida pelas sombras da noite. Chovia intensamente lá fora e o soldado alemão chamou a figura para se juntar mas o estranho não se moveu. Somente então o alemão percebeu que o estranho segurava uma baioneta em uma das

mãos e que sorria monstruosamente para eles. A um grito os soldados alemães se puseram de pé e sacaram as armas mas o estranho já havia saltado sobre eles. Vários disparos foram ouvidos em sequencia, alem de gritos desesperados em alemão para em seguida um silencio mortal tomar conta completamente daquele local. O que aconteceu ali jamais foi encontrado nos registros do exercito alemão.

Alguns momentos depois, um único soldado sai do abrigo, segurando uma baioneta na mão. Naquela noite, York teria um banquete delicioso para jantar. No dia seguente York se levanta e toma seu café da manha, generosamente fornecido pelos três alemães mortos no abrigo. Uma hora depois York parte dali, calmamente caminhando em direção à França. Dias depois um caminhão de abastecimento alemão encontra o que restou da guarnição alemã, todos os soldados mortos com arma branca e com o coração arrancado do peito.

Dias depois York encontrou a 42 divisão francesa de infantaria e se juntou a ela. Com o apoio de York os franceses conseguem derrotar o inimigo alemão, superior numericamente e em armamento. Com York na linha de frente nenhum exercito poderia ser derrotado. Exímio atirador, rápido e ágil como um tigre e com uma coragem nunca vista, York planeja e executa vários ataques, usando táticas de guerrilha e massacra os alemães, em diversas batalhas decisivas na frente ocidental. Alguns relatos de corpos do inimigo com o coração arrancado foram feitos mas esquecidos ou ignorados devido ao sucesso da divisão francesa.

Durante o resto da guerra York serviu como oficial na 42 divisão francesa, tendo sido promovido ao posto de coronel ao fim da guerra e tendo recebido varias medalhas e condecorações do exercito inglês e francês, alem de ter sido o primeiro estrangeiro a receber a medalha de herói de guerra pelo governo francês.

Após a guerra York voltou à Inglaterra para visitar sua mãe doente e em seguida retornou à França para residir em Paris. Tentou levar uma vida pacata como civil em um bairro nobre de Paris mas sentia falta da guerra, da energia vibrante que experimentava a cada inimigo morto e coração devorado e principalmente do sabor delicioso do coração do inimigo morto. Por várias noites York acordou com pesadelo dos inimigos mortos na guerra que voltavam para reclamar o coração que lhes havia sido arrancado. Alem disso, tinha tremor em suas mãos. Consultou o medico que lhe aconselhou a deixar a França por um tempo e passar as férias em sua terra natal.

York então retornou à Inglaterra, ao condado de York, e visitou a mãe em estado terminal. Explicou a mãe o que sentia, mas não entrou em detalhes do que havia acontecido na guerra. A mãe lhe aconselhou a encontrar uma boa moça e se casar e lhe disse que de outra forma a doença que o havia alcançado lhe consumiria até a morte. Em seguida lhe presenteou com um diário antigo mas lhe pediu para não abri-lo, somente após a sua morte.

York voltou para Paris. Tinha certeza que não veria a mãe novamente. Em sua bagagem o diário da mãe e um antigo punhal da família que havia pego na mansão dos York.

Continua...

Cronista das Trevas
Enviado por Cronista das Trevas em 19/07/2012
Reeditado em 22/07/2012
Código do texto: T3786871
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.