Crença

Fim de tarde, bar Casulo.

Miguel trabalhava na bebida sentado ao lado de um estranho. O barman corcunda limpava o balcão preguiçosamente.

Eram os tempos áureos do Casulo. Podia se dizer que estava quase cheio.

O ar lotado de fumaça, barulho das bolas de bilhar, risos, maquinações.

Miguel atravessava o tom.

- Nem me viu aqui!

Falava com os olhos injetados ao homem ao seu lado.

- E eu entrei faz tempo.

O estranho contentava-se em olhar o seu rosto rubro. Miguel esvaziou o copo e bateu no balcão quase o quebrando, o barman estava atento enquanto o ébrio continuava.

- Hora extra é a puta que o pariu! Passei de carro aqui pela frente outro dia e vi pela vidraça. Outro!

O barman enche o copo com o líquido turvo, Miguel virou molhando a camisa.

Depois abaixou a cabeça.

- Eu acho que suporto demais.

Parecia esperar algum sinal de confirmação do homem ao seu lado, algum sinal de compaixão.

Miguel começou a bater o indicador no balcão.

- Ela vem aqui todos os dias. Bebe com os "amigos" e o escambau...

Coçou a cabeça tremendo.

Talvez eu esteja exagerando sabe? Mas...

Uma gargalhada de mulher cortou o monólogo. Miguel formou uma careta medonha.

- Acredita que até comecei a andar armado?

Olhou bem nos olhos do estranho de preto, este desviou o olhar e não parecia com medo.

Miguel socou o balcão.

- Não acredita?!

O tempo pareceu parar, o barman pensou na sujeira que uma confusão causaria. O homem encarou Miguel e soltou sua primeira frase sem elevar a voz:

- Eu acredito em você.

Com o polegar apontou para trás.

- Mas acho que ela não acredita!

O copo trincou e Miguel não percebeu. O movimento com a mão foi automático, buscava um brilho metálico em sua cintura e deu as costas ao balcão quando encontrou. Miguel invadiu a fumaça do interior do bar causando a desordem. Gritos e súplicas, tiros e sangue.

O estranho de preto continuou sentado ao balcão. Parecia não falar para ninguém, o barulho tomava suas frases mas o acuado barman sabia que o homem ainda se dirigia a Miguel.

- Acreditar!

Então uma mulher gritava, esperneava com o rosto coberto de muco e lágrimas.

E o homem permanecia falando.

- É a base de todo relacionamento, confiar, acreditar. Vamos ser amigos?

Miguel segurou a cabeça da mulher no balcão e espremeu a arma enquanto puxava o cão.

- Prometo acreditar em você.

Com o tiro Miguel selou a amizade eterna.

Raoni Barone
Enviado por Raoni Barone em 25/07/2012
Código do texto: T3797035
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