Emissários da Morte - Mini Conto

O animal seguiu o cheiro da carne pútrida e fétida, desbravando o ar com o olfato aguçado. Planou enquanto o bando o seguia escurecendo o céu naquela tarde acalorada. Manchas negras que se moviam ritmicamente enquanto o homem abaixo deles corria desesperado em busca de seu tesouro perdido.

Seguir o rasto da morte é algo que aqueles seres famintos estavam acostumados a fazer. Começaram a dançar em círculos como se zombassem do homem que os olhava e sentia o desespero tomar-lhe o coração de maneira irresoluta, estava perplexo com a informação que recebera ao telefone.

As fúcsias escapavam de seus rebentos molhados e apagados pela tristeza que os queimava feito brasas. Loucura e sanidade brincavam de pique pega em sua cabeça, uma correndo atrás da outra, pregando-lhe peças e provocando sensações e sentimentos obscuros, onde a razão já não importava mais.

As asas negras traziam consigo o desfecho sombrio que ele temia. O suor brotava de seu corpo enquanto cada vez mais sentia o desprezo de Deus sobre sua reles vida. Lembrava-se das reportagens, dos cartazes e dos e-mails que tanto o trouxeram esperança e agora depois que ouviu a voz fria do homem ao telefone dizendo que havia uma maldita cova cheia de crianças no meio daquela mata fechada e que uma delas era sua pequena May. Aquilo o tirou de seu pedestal e o deixou completamente perdido.

Sete crianças desaparecidas em menos de dois meses. Sete famílias desesperadas por encontrarem seus filhos. Uma comunidade banhada em lágrimas e um pai que corria enquanto seguia um bando de urubus, com a ideia fixa e atormentada que eles o levariam até sua pequena.

Ao pouso da ave que se alimentava da morte, Mauro olhou atônito para a terra mexida mais a frente. Viu mãos, dedos, olhos perfurados, e levou à mão a boca não contendo o vômito. Nem mesmo o pior homem do mundo poderia resistir aquilo.

Vislumbrava o que se podia ver dos corpos que estavam sob a terra, entretanto mal enterrados, despontavam como se boiassem na lama.

Lá estavam todos eles, corpos das crianças mortas, em meio a um lamaçal que ficava próximo a uma velha lagoa. Ele olhava incrédulo e desesperado, enquanto atravessava um córrego que abastecia O lago. Os joelhos e pés imersos na água fria enquanto suas mãos agarravam as raízes que adentravam nas paredes barrancosas que cercavam aquela água enlodada. Ele saiu para fora do regato avistando o anel que dera a sua pequena, ainda preso ao dedo dela.

Mal pode acreditar naquela visão horrenda. Lembrou-se imediatamente do seu ultimo discurso, quando prometera a todos em praça publica que o homem que estava aterrorizando o bairro de São Gonçalo seria pego, e ele, o chefe daquela maldita favela cuidaria pessoalmente do assassino que ele tão bem conhecia.

Enquanto as lágrimas chegavam a seu rosto e seu corpo deslizava pela lama, ele se entregava a situação.

Não havia nada o que fazer. Ficou de joelhos e começou a cavar a terra com as próprias mãos, enquanto suas unhas eram feridas, a ponta de seus dedos sentindo a dor que aquela tarefa estranha o podia causar, mas nada, nada era comparado a tristeza e arrependimento que se alojavam em seu coração, como uma estaca a tirar a vida de um imortal.

Depois de conseguir retirar o corpo de sua filha ele a abraçou, carregou-a nos braços e atravessou o córrego. Deixou o corpo dela no chão, parte da lama que a cobria se perdeu pela correnteza. Mauro saiu e deitou-se ao lado dela completamente derrotado. E foi aí que ele chegou.

O homem engatilhou a arma e apontou para a cabeça de Mauro. Ele conhecia bem aquele homem, o policial que ele obrigava a dar-lhe todas as informações necessárias. Aquele mesmo que ele havia ameaçado quando o homem de repente decidiu não ser mais corrupto.

- Vocês deram tiros na porta da minha casa! Ameaçaram minha família! Sequestraram meu filho, mataram ele e ameaçaram matar minha mulher que espera outra criança – O homem disse trêmulo e extremamente nervoso.

- E você mata nossas crianças? – Mauro perguntou enquanto via que não havia levado arma alguma – Não é diferente de nós! – Ele completou.

- Não! Ao menos não sou mais! – Ele disse apertando o gatilho – O projétil acertou em cheio a testa de Mauro Alves e ele caiu ao lado de sua filha. Aquele era o fim da vingança, mas não o fim da estória.

- Com a arma apontada para sua própria cabeça, Calixto lembrava-se de seu filho e da carta que deixara para sua esposa Perla, onde pedia perdão por tudo que tinha feito, mesmo sabendo que o inferno seria pouco para sua alma. Enfim ele fez aquilo que queria fazer desde o começo, tirou sua própria vida.

Fim!

Dedico esse conto ao meu querido amigo Mauro Alves, ao lobo Calixto, a May e a querida e linda Perla, também conhecida como Lee Rodrigues...rsrsrs...

Sidney Muniz
Enviado por Sidney Muniz em 28/07/2012
Código do texto: T3802005
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