Vivendo com a coisa ruim

Há muitos anos atrás em uma pequena cidade do interior, morava um casal muito próspero. Viviam em uma casa boa, tinham diversas criações, e o homem era bancário. Mesmo possuindo muitos bens, tendo quatro filhos saudáveis, eles estavam sempre insatisfeitos e por qualquer motivo gritavam o nome da pelada. As crianças ouvindo os pais falarem, quando brigavam entre si também xingavam uns aos outros. Essa pesada palavra era gritado vezes sem conta na casa. Patrões, filhos e empregados estavam sempre com esse nome na boca. Certo dia uma senhora muito velha bateu no portão. A empregada que a atendeu ficou enojada com a aparência esquelética e feia da mulher, mas por pena mandou que ela esperasse enquanto ia lá dentro buscar algo para dar de esmola. A dona da casa que tinha ido levar um dos filhos á escola, chegou nesse momento e olhando para aquela triste figura, por algum motivo recordou da mãe já falecida. Abriu então o portão por completo e pediu para a velhinha entrar, para comer alguma coisa e descansar um pouco. Mostrando a gengiva escurecida, numa imitação de sorriso, a idosa aceitou e entrou satisfeita na residência. A patroa então se lembrou de que a velhinha deixara do lado de fora do portão uma mala esfarrapada, e mandou que uma das empregadas, fosse até lá e a trouxesse para dentro. A empregada foi e voltou dizendo que a mala era muito pesada, que sozinha não conseguiria carregá-la. A patroa então mandou que o motorista fosse buscar o objeto, mas ele também retornou dizendo que não conseguia sequer movê-lo. A velhinha que olhava para todos com ar divertido, pediu licença, foi até o portão e com grande facilidade entrou com a mala. Todos a olharam inquietos. Como é que uma idosa tão frágil conseguia carregar algo tão pesado? O dia chegou ao fim e nada da senhora manifestar vontade de ir embora. A família já se cansara de sua presença. Por piedade a convidaram então para pernoitar, oque foi aceito por ela com um sorriso. Os dias se sucederam e a velhinha nada de ir embora. Nesse interim, coisas ruins começaram a acontecer. Os dois filhos mais velhos do casal contraíram uma doença desconhecida e morreram. O banco onde o pai deles trabalhava faliu, e o homem ficou desempregado. As dívidas acumularam e foi preciso dispensar a criadagem. O caçulinha da família foi atropelado pela própria mãe enquanto essa manobrava o carro na garagem, e ficou paralitico. As criações adoeceram e morreram de repente. A velhinha assistia a todas essas tragédias impassível, e nem falava em partir. Sua presença se tornara um estorvo, e o casal decidiu pedir que ela fosse embora. Ao escutar o pedido, a anciã arreganhou as gengivas e gargalhou. O casal acreditou estar na presença de uma louca, e com jeitinho tentaram explicar que não tinham condições de manter em casa, mais uma boca. A velha então olhou para eles de forma debochada e perguntou: _ Por que querem que eu vá embora se foi vocês que me chamaram? – Desesperada a dona da casa replicou: _ Nos não a chamamos. Sequer sabemos quem é, e de onde a senhora veio. Dando uma risada (que eriçou os pelos da nuca do casal), a velha então falou em uma voz rouca: Chamaram sim. Há muito tempo que vocês me chamam, e eu vim para ficar. _ Enraivecido o homem então gritou: _ A senhora é louca? Ninguém aqui te chamou, e faça o favor de deixar a nossa casa. Desde que a senhora chegou só nos aconteceram desgraça. _ Nesse exato momento a idosa se levantou do sofá onde há meses ela ficava encolhida e com jubilo na voz afirmou: _ Viu como eu tinha razão? Você acaba de falar o meu nome. Eu me chamo desgraça e se estou aqui, é porque quase todos os dias fui por vocês chamada. –Dizem que a anciã permaneceu na casa, até que o último morador morresse, e que assim que foi retirado o último corpo, ela pegou sua surrada mala e desapareceu. Vânia Lopes 31/07/2012 P.S : Essa é uma história que a mim foi contada, por minha falecida mãe.