ANJO E DEMÔNIO

Como uma coisa tão grande dessa pode voar?

Minhas férias começou com uma temida viajem de avião, sempre alimentei o medo dessa máquina de outro mundo, não é possível, tantas toneladas flutuando no céu, porém descobri outros medos escondidos, o maior de meus medos.

Meu nome é Rogério, parti para uma viajem ás pressas, minha avó estava muito doente, entre a vida e a morte. Fui criado por essa mulher guerreira, uma grande nordestina, me criou após eu nascer, fui abandonado pelo meu pai e, minha mãe morreu ao dar a luz.

Minha vó morava no agreste do maranhão, a cidade onde nasci, de pequena a média cidade, 20 anos sem voltar, tanta coisa mudou, os vizinhos não são mais os mesmos, o campinho de terra em que costumava jogar bola, deu lugar a uma oficina de motos, o armazém do seu Geraldo, agora era uma grande padaria, como é bom respirar o ar da nostalgia, o ar da saudade.

As rugas encobriam o rosto de minha avó, os anos judiaram de sua grossa pele, os aros de seus óculos perderam o brilho dourado, assim como seu velho cachimbo, perfurado no fundo pela brasa incensante.

Não suportei abraçá-la sem derramar lágrimas, estava tão diferente, o tempo fez ela se render, a vida é ingrata, nos dá forças e, com o tempo brinca em tirá-las. Ela evitava levantar-se da velha cadeira de balanço, as pernas já não a acompanhavam, era notório pelas marcas de quedas em seus cotovelos e, as casquinhas recentes de seus machucados do joelho.

A única vaquinha leiteira, exibia suas costelas no quintal, a gaiola enferrujada do velho sabiá, guardava no interior de seus arcos de ferro, uma velha carcaça de pássaro morta perto da combuca d´água.

Fiz cuscuz com jabá, demorou para a velha vó deglutir, faltava-lhe os dente na dentadura, nais estava feliz, por aquela noite apenas, sentia-se feliz.

Armei a rede, ao som de grilhos e o coachar dos sapos, apreciei a noite rural, a linda lua nunca mudou, desde pequeno seu brilho é igual, tantos segredos de menino compartilhei com ela, ainda assim continuar a brilhar, já não tenho mais segredos, só inveja de seu eterno brilho.

Minha antiga cama de madeira continuava arrumada, não tinha pó, ela arrumou recentemente, ou a arruma todos os dias, sente saudade de seu netinho correndo pela casa, falando de cavalos e vaqueiros? desabei novamente a chorar.

Entrei no quarto de minha vó, ela ainda estava acordada, pedi sua benção, ela me mandou abaixar e, colocou um crucifixo em meu pescoço, pediu para dormir com ele, deu-me um beijo e adormeceu.

No meio da noite escutei barulhos de pratos na cozinha, não podia ser minha vó, a mesa estava com muitos pratos e talheres, uma coisa muito estranha, arrumei todos e voltei para a cama. Ao deitar não resisti e fui ao quarto dela, ao passar pela cozinha os pratos estavam na mesa novamente. Não acreditei no que eu vi, lembrei dessa noite em que fui fazer jabá, os pratos estavam todos na mesa, não no armário.

Algo estava errado, estaria eu sonhando? ou vivendo um pesadelo? Alguém puxa meu crucifixo, arrancando-o do meu pescoço, desaparece, minha voz não sai, eu mesmo me sufoco, lá fora um barulho, tento não ir, mais a pernas involuntariamente me guiam, para algo que não sei o que é.

Alguém me encara na porta, em trajes pretos, sem face, em suas mãos, o crucifixo, que em um rápido gesto joga em minha cara, com a mesma rapidez o coloco em meu pescoço, não fui eu que coloquei, alguém em mim?

Por algum motivo aquela coisa não tem coragem de adentrar em casa, sinto um confortável aroma de rosas, uma brisa me deixa leve, a coisa se transforma em um borrão preto, range os dentes, parece furioso, some.

Ao me virar para dentro de casa, duas asas brancas adentra o quarto de minha vó, depois sai sorrindo, é tão sublime, diferente da figura anterior, eu amo esse ser com asas, não sei o porquê, mais daria minha vida por ele, ao passar por mim beija-me no rosto, desaparece.

De acordo com o médico da cidade, minha vó estava em óbito fazia 6 horas, não era possível, cheguei há 5 horas, ela jantou deitou, sorriu pra mim.

Chovia em seu enterro, tinha mais lágrimas em meu rosto, do que chuva em meu corpo, as palavras de conforto não me consolavam, ali estava ela, debaixo da terra, como os alfaces, os legumes que ela plantava, só que ao contrário dos legumes, ela não iria nascer.

As pessoas se dispersando, dei as costas e segui em frente, algo em meu rosto demonstrava um sorriso, um sorriso de verdade, ao olhar pela última vez para trás, se destacava no túmulo de minha vó duas lindas asas brancas, e no céu, entre um buraco de 2 nuvens, um feixe de sol, e a chuva acabando.

Eduardo monteiro
Enviado por Eduardo monteiro em 31/07/2012
Código do texto: T3807404
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